Sentidos sobre o trabalho doméstico no Brasil: análise dos testemunhos do livro “Eu, empregada doméstica”

Abstract

Esta pesquisa tem como objetivo geral compreender os sentidos sobre o trabalho doméstico nos depoimentos de trabalhadoras reunidos no livro Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada (2019), organizado pela escritora e historiadora Joyce Fernandes, também conhecida como Preta Rara. Os objetivos específicos são: 1) contextualizar o cenário do trabalho doméstico no Brasil; 2) identificar os sentidos sobre si presentes no discurso das trabalhadoras a partir da relação com os empregadores; 3) compreender a frequência desses sentidos, buscando a predominância de representações. Para atingir esses objetivos, examinamos 98 depoimentos que relatam experiências vividas pelas próprias depoentes. Utilizamos a Análise do Discurso como metodologia e identificamos cinco Formações Discursivas (FDs): 1) a trabalhadora doméstica humilhada, 2) a trabalhadora doméstica explorada, 3) a trabalhadora doméstica assediada, 4) a trabalhadora doméstica supostamente desonesta e 5) a trabalhadora doméstica respeitada. Essas formações discursivas estão presentes em 149 sequências discursivas e se organizam em 15 sentidos mais específicos: a humilhação se dá pela comida, pela violência, pela capacidade intelectual, pelo uso da casa e dos utensílios domésticos e por marcadores como raça, gênero, profissão e classe social; a exploração se constrói pelo excesso de tarefas, pelo excesso de horas trabalhadas e pela baixa remuneração; o assédio se concretiza pela tentativa ou efetivação de abuso sexual; a desconfiança sobre a honestidade se materializa no medo do empregador de ser roubado, nas acusações explícitas de desonestidade e na aplicação de testes de honestidade; o respeito se dá pelo tratamento recebido e pelas boas condições de trabalho. O sentido mais significativo é o da humilhação, presente em 50% do corpus. Somados, os sentidos da trabalhadora humilhada, explorada, assediada e supostamente desonesta configuram 94,51% do corpus.

This research has as general objective to understand the meanings of domestic work in the testimonials of workers collected in the book Eu, empregada doméstica: a senzala moderna é o quartinho da empregada (2019) (I, domestic servant: the modern slave quarters is the maid's room), organized by the writer and historian Joyce Fernandes, also known as Preta Rara. The specific objectives are: 1) to contextualize the domestic work scenario in Brazil; 2) to identify the senses present in the workers' discourse based on the relationship with their employers; 3) to understand the frequency of these senses, seeking the predominance of representations. To achieve these objectives, we examined 98 testimonials that report experiences lived by the interviewees themselves. We used Discourse Analysis as a methodology and identified five Discursive Formations (DFs): 1) the humiliated domestic worker, 2) the exploited domestic worker, 3) the harassed domestic worker, 4) the allegedly dishonest domestic worker, and 5) the respected domestic worker. These discursive formations are present in 149 discursive sequences and are organized in 15 more specific senses. Humiliation occurs through food, violence, intellectual capacity, the use of the house and domestic utensils, and by markers such as race, gender, profession and social class; exploitation is built by the excess of tasks, the excess of hours worked and low remuneration; harassment takes the form of attempted or perpetrated sexual abuse; distrust of honesty materializes in the employer's fear of being robbed, in explicit accusations of dishonesty, and in applying honesty tests; respect is given for the treatment received and the good working conditions. The most significant meaning is humiliation, present in 50% of the corpus. Together, the senses of the humiliated, exploited, harassed and supposedly dishonest worker make up 94.51% of the corpus.