UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO TATIANA DE CAMPOS ARANOVICH A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA PARA A ANÁLISE DE CONDUTAS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Lima Marques PORTO ALEGRE 2012 TATIANA DE CAMPOS ARANOVICH   1 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Lima Marques PORTO ALEGRE 2012 TATIANA DE CAMPOS ARANOVICH   2 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre APROVADA PELA BANCA EXAMINADORA Porto Alegre, de de 2012. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Cláudia Lima Marques ___________________________________________ ___________________________________________   3 À Profª. Drª. Cláudia Lima Marques, pelo incansável incentivo.   4 AGRADECIMENTOS Agradeço à Profa. Claudia Lima Marques, minha porta de entrada no mundo da pesquisa jurídica, a quem devoto o amor ao Direito Internacional. Agradeço ao meu avô Lélio Candiota de Campos e aos meus pais, minhas portas de entrada no mundo jurídico, a quem devoto o amor à profissão. Agradeço aos colegas de trabalho do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica e da Secretaria de Direito Econômico. Sem as discussões e inspirações destes, esta dissertação nunca teria sido possível.   5 “A cooperação internacional, hoje mais do que nunca, é um imperativo da vida humana (...).” Haroldo Valladão. “A Cooperação Internacional (...) tornou-se necessidade crucial. (...) Facilitar o intercâmbio de informações entre autoridades de execução da lei e desenvolver efetiva Cooperação Internacional é essencial para o sucesso desse desiderato.” Gilson Dipp. RESUMO   6 Esta dissertação estuda o tema da cooperação internacional em matéria de defesa da concorrência, com foco na análise de condutas. Nosso objetivo é dissecar as alternativas que dispõem, em tempos pós-modernos, as autoridades antitruste brasileiras para a realização de medidas no exterior; assim como propor novos caminhos diante de eventuais deficiências encontradas. No Capítulo 1, o exercício da jurisdição extraterritorial; a potestade do art. 2º da Lei nº 8.884, de 1994 (e da nova Lei nº 12.529, de 2011) e a execução de medidas de impulso processual em território nacional e inclusive estrangeiro são examinadas. No Capítulo 2, a Cooperação Jurídica Internacional, em particular, a conceituação da cooperação formal e jurídica e o chamado princípio lex diligentiae, bem como a aplicabilidade do mecanismo da carta rogatória não-penal e do auxílio direto em matéria penal aos processos de análise de condutas são os temas enfrentados. No Capítulo 3, a cooperação internacional em matéria administrativa é investigada, mais propriamente mediante o estudo de caso da cooperação direta entre autoridades tributárias e a cooperação direta entre autoridades reguladoras de valores mobiliários e mercados futuro. No Capítulo 4, a cooperação internacional direta entre autoridades de defesa da concorrência, particularmente, mediante acordos de cooperação em matéria antitruste, e acordos de assistência mútua em matéria antitruste são investigados, de forma a possibilitar-nos a proposta de melhoria na assistência administrativa na defesa da concorrência. Concluímos que as autoridades antitruste brasileira necessitam desenvolver e consolidar um mecanismo de cooperação específico, que não só atente às suas necessidades, sendo célere, previsível e eficaz, mas também contemple o imperativo de proteção à pessoa humana. Palavras-Chave: Antitruste; Exercício da Jurisdição Extraterritorial; Cooperação Jurídica Internacional; Cooperação Internacional; Assistência Administrativa; Assistência Administrativa em Defesa da Concorrência. ABSTRACT   7 This dissertation studies the topic of international cooperation in antitrust matters, with special regards to anticompetitive conducts. Our aim is dissecting alternatives available in postmodern times to the Brazilian antitrust authorities for executing measures abroad, as well as proposing new paths in order to overcome possible hurdles. In Chapter 1, the exercise of extraterritorial jurisdiction, the powers pursuant to the Art. 2 of Act No. 8.884/1994 (and pursuant to the new Act No. 12.529/2011), and the service of summons and the service of process in the domestic territory and even abroad are examined. In Chapter 2, the International Legal Cooperation topic, particularly the concept of formal and legal cooperation and the so called lex diligentiae principle, in addition to the use of letters rogatory in non-criminal matters, and mutual legal assistance in criminal matters requests regarding anticompetitive conducts analysis, are all issues to be faced. In Chapter 3, International Cooperation in administrative matters is investigated, more specifically through the case study of mutual assistance directly established between tax authorities and mutual assistance directly established between regulators of securities and futures markets. In Chapter 4, mutual assistance directly established between antitrust authorities, particularly through antitrust cooperation agreements, and antitrust mutual assistance agreements are investigated, as a means to allow us to present proposals for improving mutual assistance in competition matters. We conclude that the Brazilian antitrust authorities tailor and urge to consolidate a specific mechanism for cooperation, which not only meets their needs, being expeditious, predictable and efficient, but also fulfills the imperative of protecting the human person. Keywords: Antitrust; Exercise of Extraterritorial Jurisdiction, International Legal Cooperation, International Cooperation, mutual administrative assistance, mutual administrative assistance in competition matters.   8   SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1 EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA...................................................................................................... 1.1 A PROBLEMÁTICA DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL E DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS RELEVANTES..... 1.2 DA EXECUÇÃO DE ATOS COM BASE NO ART 2º, § 2º, DA LEI Nº 8.884, DE 1994 (E NO ART. 2º, § 2º, DA NOVA LEI Nº 12.529, DE 2011).............................................................................................................................. 1.3 DA NOTIFICAÇÃO POSTAL NO EXTERIOR COM BASE O ART. 2º DA LEI Nº 8.884, DE 1994 (E DO ART. 2º DA LEI Nº 12.529, DE 2011)............ 2 A APLICABILIDADE DE MECANISMOS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA................................. 2.1 A COOPERAÇÃO FORMAL E A COOPERAÇÃO JURÍDICA: ALGUMAS ANOTAÇÕES............................................................................................................... 2.2 COOPERAÇÃO FORMAL E/OU JURÍDICA E A OBEDIÊNCIA À LEX DILIGENTIAE ............................................................................................................. 2.3 DA APLICABILIDADE DA CARTA ROGATÓRIA PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA ............................................................................................... 2.4 DA APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA PENAL PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA ........................................................ 2.5 LEGITIMIDADE DAS AUTORIDADES ANTITRUSTE PARA SOLICITAR COOPERAÇÃO COM BASE EM MLATs E ACORDOS DISPONDO SOBRE MLA................................................................................................................................ 2.6 POSSIBILIDADES DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS COM BASE EM MLATS E ACORDOS DISPONDOS SOBRE MLA NO BRASIL............................................. 12 21 22 32 42 48 51 55 58 68 80 88 3 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL VIA AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA ADMINISTRATIVA: NOVAS FRONTEIRAS.................................... 3.1 COOPERAÇÃO ENTRE AUTORIDADES TRIBUTÁRIAS................................ 3.2. COOPERAÇÃO ENTRE AUTORIDADES REGULADORAS DE VALORES MOBILIÁRIOS E MERCADOS FUTUROS................................................................ 94 96 112 3.3 A EMERGÊNCIA DE NOVAS FRONTES EM COOPERAÇÃO DIRETA......... 123   9   4 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL VIA AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA.................................................... 4.1 ACORDOS NA MODALIDADE ACA E AS LIMITAÇÕES DOS TRADICIONAIS INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO DIRETA ENTRE ÓRGÃOS ANTITRUSTE.............................................................................................. 4.2 ACORDOS NA MODALIDADE AMAA E NOVAS FRONTEIRAS DA ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA ....................................................................................................... 4.3 POSSÍVEIS RAZÕES PARA O ATRASO NO DESENVOLVIMENTO DOS AMAAs EM RELAÇÃO A OUTROS ACORDOS DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA..................................................................................................... 4.4 PROPOSTAS PARA ACORDOS DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA........................................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... REFERÊNCIAS – OBRAS CITADAS....................................................................... REFERÊNCIAS 2 – TEXTOS DE LEI, TRATADOS, ACORDOS, JURISPRUDÊNCIA E OUTROS................................................................................. 131 132 142 148 152 160 167 187   10   Glossário de abreviaturas Art. – Artigo ACA – Antitrust Cooperation Agreement AMAA – Antitrust Mutual Assistance Agreement AMEAA – Antitrust Mutual Enforcement Assistance Agreement Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CF – Constituição Federal CIDIP – Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado CPC – Código de Processo Civil CPP – Código de Processo Penal CTN – Código Tributário Nacional CVM – Comissão de Valores Monetários DOJ – Department of Justice DOU – Diário Oficial da União DPDE – Departamento de Proteção e Defesa Econômica DRCI/SNJ/MJ – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça ECtHR – European Convention on Human Rights EMS – International Express Mail Service EUA – Estados Unidos da América FTC – Fair Trade Commission GAFI – Grupo de Ação Financeira GATS – General Agreement on Trade in Services GATT – General Agreement on Tariffs and Trade IAEAA – International Antitrust Enforcement Assistance Act ICN – International Competition Network Inc. – Inciso IOSCO – International Organization of Securities Commission   11   JFTC – Japan Fair Trade Commission Mercosul – Mercado Comum do Sul MJ – Ministério da Justiça MLA – Mutual Legal Assistance MLAT – Mutual Legal Assistance Treaty MOU – Memorando de Entendimento MMOU – Memorando de Entendimento Multilateral sobre Consultas e Cooperação e Troca de Informações MPF – Ministério Público Federal MRE – Ministério das Relações Exteriores OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMC – Organização Mundial do Comércio UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime ONU – Organização das Nações Unidas RFB – Receita Federal do Brasil SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência SDE – Secretaria de Direito Econômico Seae – Secretaria de Acompanhamento Econômico Séc. – Século SEC - U.S. Securities and Exchange Commission STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TIEA – Tax Information Exchange Agreement UNCTAD – Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento UPU – União Postal Universal 12   INTRODUÇÃO Todo o trabalho sobre cooperação internacional é introduzido por meio de uma digressão sobre as mudanças nas noções de tempo e distância provocadas pela globalização, mundialização ou transnacionalização1 e os novos impasses impostos à efetivação da justiça nesse cenário. Como não poderia deixar de ser, entoaremos aqui mais uma vez a fórmula. O contexto atual é marcado por fluxos (de comércio, de serviços, financeiros, de comunicação e de pessoas) frenéticos. Os intervalos de espaço e de tempo, conforme a percepção relativa do espectador pessoa humana, se modificam. A modificação tem importância especial na noção de Espaço-Mundo (Espacio-Mundo2). Já em seu manifesto, redigido no início do séc. XX, Tomaso Marinetti, citado por Erik Jayme, seminalmente previa que a ubiquidade, velocidade e liberdade seriam as três características de nosso tempo3. Em especial, destacamos a escalada dos ilícitos violentos ou complexos, o pluralismo4 de agentes e a transnacionalidade dos elementos e efeitos dos ilícitos. Ademais, a sociedade global depara-se hoje com comportamentos ilícitos de novas espécies. Os diversos tráficos, incluindo os de drogas, armas, órgãos humanos e pessoas; os delitos cibernéticos; o terrorismo; a lavagem de dinheiro; os crimes contra a ordem econômica5 e as regras de comércio internacional; os cartéis clássicos6 (hard core7) internacionais e, em especial, a                                                                                                                 2 VIRILIO, Paul. La velocidad de liberación - Ensayo. Buenos Aires: Manantial, 1997, p. 160. 3 JAYME, Erik. O Direito Internacional Privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Orgs.). O Novo Direito Internacional: Estudos em Homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5. 4 Na teoria de Jayme, o pluralismo seria a grande característica do direito pós-moderno. Em paralelo ao pluralismo, ademais, o autor apresenta a comunicação, a narração e o retorno dos sentimentos (retour des sentiments) como os quatro valores da cultura moderna. (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 33-37). 5 Segundo Eros Grau, a ordem econômica pode ser compreendida como “o conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico, desde uma visão macrojurídica, conformação esta operada mediante o condicionamento da atividade econômica a determinados fins do Estado”. (GRAU, Eros. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 47). 6 Espécie mais conhecida do gênero “colusão horizontal”, o cartel é definido por Calixto Salomão Filho como: “qualquer tipo de acordo, expresso ou tácito, firmado entre concorrentes” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 262). 7 O termo "hard core cartel" foi definido pela Divisão de Competição da Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação - OCDE em 1998, sendo de lá para cá corrente o seu uso. Ver: ORGANIZAÇÃO PARA 13   delituosidade transnacional organizada (atuando como verdadeiros conglomerados multinacionais8) são alguns exemplos das infrações de elevado potencial deletério sobre o tecido social. Prevenir e reprimir tais infrações “neo-criminalizadas”9 é tarefa de alta complexidade. Dada à economia, crescentemente globalizada, e à possibilidade de criação de efeitos plurilocalizados desses ilícitos, não é aceitável jurídica e moralmente que infratores vejam-se livres de punição. O Estado não pode ser furtado de sua capacidade de proteção de sua estrutura econômica, tampouco das garantias de cidadãos. Nesse cenário, acreditamos que as fronteiras territoriais da soberania não podem servir de guarita para infratores que causem sérios danos a agentes econômicos, a consumidores e ao Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, o Direito lida com novos paradigmas e desafios10. A base dessa constatação pode ser a mesma que permeia a compreensão do modelo da sociedade pós- industrial, marcada pela incredulidade em face da “razão totalizante”11. Pairam incredulidades sobre metanarrativas como a da soberania, conforme narrativa globalizante consolidada nos tempos modernos. A incredulidade afeta as regras do jogo e as fábulas da ciência12.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995. Segundo a OCDE, tal representa o cartel clássico ou integral, que constitui o mais grave dentre as práticas anticoncorrenciais, de forma a causar prejuízos aos consumidores e ao mercado sem que produza qualquer ganho de eficiência. Nas palavras do Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, o cartel clássico (hard core) “é definido como acordos secretos entre competidores, com alguma forma de institucionalidade, com o objetivo de fixar preços e condições de venda, dividir consumidores, definir nível de produção ou impedir entrada de novas empresas no mercado. Este tipo de cartel opera através de um mecanismo de coordenação institucionalizado, podendo ser através de reuniões periódicas, manuais de operação, princípios de comportamento, etc. Isto é, sua ação não decorre de uma situação eventual de coordenação, mas de construção de mecanismos permanentes para alcançar seus objetivos". Opõe-se ao cartel difuso, definido como “um ato de coordenação da ação entre empresas com objetivo similar ao Cartel Clássico, mas de caráter eventual e não institucionalizado”. O Conselheiro Prado ainda escreve sobre o cartel clássico: “Estudos econométricos nesse caso são desnecessários, controversos e irrelevantes para a caracterização da conduta ou da gravidade do ilícito. (...) Por essa razão, não considerarei para efeitos de prova de ilícito concorrencial os estudos da SDE que tinha por objetivo mostrar os prejuízos para sociedade das práticas das denunciadas” (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo administrativo no 08012.0021217/2002-14. Voto do Rel. Cons. Luiz Carlos Delorme Prado. Publicado no DJ em 14 de julho de 2005). 8 A profissionalização e a transnacionalização das estruturas organizadas criminais são bem ilustradas por GLENNY, Misha. McMáfia: crime sem fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 9 AZEVEDO, Tupinambá Pinto de; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Política Criminal e Direito Penal: histórico e tendências contemporâneas. In: LIMA, Roberto Kant de; MOUZINHO, Glaucia Maria Pontes; NASCIMENTO, Andréa Ana do; LATINI, Juliana Lopes. (Orgs.). Reflexões Sobre Segurança Pública e Justiça Criminal numa Perspectiva Comparada. v. 1. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Publicação Oficial, 2009, p. 58-61. 10 Para leitura esclarecedora sobre tais novos desafios dos tempos pós-modernos, ver MARQUES, Claudia Lima. A Crise Científica do Direito na Pós-Modernidade e seus Reflexos na Pesquisa. In: Revista Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, v. 189, 1998, p. 52-53. 11 SÁNCHEZ Lorenzo, Sixto. Postmodemismo y Derecho Internacional Privado. In: Revista Española de Derecho Internacional. Madri: Marcial Pons, Librero, v. 46, n. 2, 1994, p. 559-566. 12 LYOTARD, Jean-François. Trad. de Ricardo Corrêa Barbosa. A Condição Pós-Moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 3-34. 14   Na sociedade globalizada, não se mostra tarefa trivial assegurar que a ubiquidade, a velocidade e a liberdade13 dos movimentos entre as fronteiras e os avanços tecnológicos não se traduzam também em passe-livre para a injustiça e a morosidade no cumprimento de atos jurisdicionais. Não por outro motivo, metanarrativas como a da soberania moderna necessitam ser repensadas, induzindo novos entendimentos que possibilitem resultados práticos no combate às infrações com viés transfronteiriço. Assim, o legislador, o julgador e o elaborador de políticas públicas14 encontram-se diante de dilema: como fazer frente a esse novo paradigma e efetivar a justiça. Dados esses desafios com os quais os operadores do Direito do século XXI se defrontam, parece que a tradicional visão egocentrada dos Estados15 tem sua lógica perturbada, eis que os elementos dos ilícitos estão dispersos. Como defendemos nesta dissertação, filiamo-nos à ideia de que afirmar a solidariedade16 e a cooperação17 entre os pares, nesse cenário, torna-se um imperativo. Idealmente, os limites da jurisdição territorial não podem conformar “paraísos” a                                                                                                                 13 JAYME, Erik. O Direito Internacional Privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Orgs.). O Novo Direito Internacional: Estudos em Homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5. 14 Segundo definição de Maria Paula Dallari Bucci, políticas públicas podem ser definidas como “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 241). 15 “The proper place for punishment is where the crime is committed, and no society takes concern in any crime, but what is hurtful to itself” (KAMES, Lord Henry Home. Principles of Equity. Apud STORY, Joseph. Conflicts of Law. Oxford: Orxford University, 1883, p. 518). 16 “Com o aumento da complexidade das sociedades, nos deparamos com o aprimoramento do que Durkheim chamou de divisão social do trabalho que, por sua vez, estimulava um novo tipo de solidariedade, a solidariedade orgânica, produzida pela repartição funcional das tarefas. Nessa nova forma de reprodução social, as exigências de constrangimentos externos se reduziram e o Estado pôde se desenvolver como uma instância autônoma que não fundaria mais sua legitimidade apenas na capacidade de exercer o poder unilateralmente, mas também de participar dos processos de coesão social estimulando, por meio de diversos instrumentos, a solidariedade. Como esta se caracterizava pelo desenvolvimento de laços de dependência entre os indivíduos, buscou-se a criação ou a transformação de instituições visando à cooperação e ao associativismo. Após esse primeiro passo, a tradução para o campo institucional da tarefa de garantir a reprodução da solidariedade foi quase imediata. O solidarismo apresentava-se como um projeto normativo, eivado de conteúdo moral – como um direito e um dever – que exigia a presença de instituições que assegurassem seu sucesso” (CARVALHO, Vinícius Marques de. O Direito do Saneamento Básico. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 44). 17 “A aparição de novas modalidades delitivas de estrutura transnacional e a boa nova projeção internacional dos delitos tradicionais têm logrado paulatinamente reverter uma tendência que se caracterizava por uma acentuada falta de cooperação, e isolamento dentro de um tão radical quanto obsoleto conceito absoluto de soberania territorial. Este espírito de solidariedade internacional, que emerge com a modernidade e frutifica em tempos pós-modernos, se expressa no referente ao âmbito penal, como uma tendência, a maior parte das vezes programática, harmonização legal interetática e fundamentalmente como um crescente e cauteloso afiançamento das modalidades de entre-ajuda penal internacional.” (CERVINI, Raul e TAVARES, Juarez. Princípios de Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. Prólogo de Luiz Luisi. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 83-84). Já em meados século passado, afirmou Haroldo Valladão: “A cooperação internacional, hoje mais do que nunca, é um imperativo da vida humana, e a cooperação interjudicial dos Estados é uma necessidade indeclinável” (VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado: em base histórica e comparativa, positiva e doutrinária, especialmente dos estados americanos. Tomo III. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1978, p. 172). 15   prejudicar a segurança pública e os cidadãos; e, no caso do antitruste, o mercado e os investimentos e, em especial, frustrar a vida digna dos consumidores18. Uma questão candente da área concorrencial, de fato, é a dimensão transnacional desse direito e o relacionamento das jurisdições doméstica e extraforâneas. Há expressiva literatura de qualidade sobre o tema, incluindo a da “extraterritorialidade”, porém, se pode detectar estar esta muito centrada no aspecto da aplicação extraterritorial da jurisdição e possíveis conflitos resultantes de tal aplicação. Ainda se ressente de um estudo aprofundado na literatura brasileira sobre a alternativa que propõe esta dissertação: a cooperação internacional, tanto em sua modalidade informal, quanto jurídica ou formal. Ousamos afirmar que o antitruste e a cooperação internacional são duas áreas que ainda não se encontraram em definitivo. Parece-nos que uma dissertação de conclusão de Mestrado seria o espaço oportuno e adequado para desenvolver estudos que pudessem auxiliar em uma profícua conjunção das duas diferentes comunidades epistemológicas dentro do campo do Direito. Os órgãos antitruste lidam, cada vez mais, com temas com conexões com o exterior. De um lado, com as crescentes estratégias de internacionalização das empresas, incrementam- se as possibilidades de análises de ato de fusões ou aquisições envolvendo empresas que operam internacionalmente. De outro lado, com o endurecimento no enfrentamento aos cartéis clássicos (hard core)19 no mundo e no Brasil, são exponencialmente maiores as probabilidades de procedimentos e processos administrativos que perseguem infrações realizadas no exterior e/ou envolvendo empresas e seus dirigentes e administradores no estrangeiro. Assim, eleva-se a necessidade de contato com o exterior por razões substancialmente práticas. Desse modo, acentua-se no Brasil também fenômeno já mundial: a brecha entre leis da concorrência, que são nacionais, e práticas anticompetitivas, em especial, cartéis, que são crescentemente internacionais, é esganiçada20.                                                                                                                 18 “O texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato de a concorrência ser, entre nós, um meio, um instrumento para o alcance de outro bem maior, qual seja, ‘asseguradas a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.” (FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 190-191). “Basta entender, no entanto, que o interesse do consumidor consiste precipuamente na existência da concorrência e que ele é, portanto, nesse caso, mediado pela proteção da existência de concorrentes para ter de considerar a prática ilícita.” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 81-82). Ademais, lembra o autor que, na origem do direito concorrencial no Brasil, o consumidor foi apontado como beneficiário final e único das normas concorrenciais. Veja: SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 65-66. 19 O combate a essa espécie de infração à ordem econômica é nuclear às políticas antitruste, como lembra Robert H. Bork ,“The subject of cartels lies at the center of antitruste policy. The law’s oldest and properly qualified, most valuable rules states that it is ilegal per se for competitors to agree to limit rivalry among themselves” (BORK, Robert H. The Antitrust Paradox. New York: Basic Book, 1973, p. 263). 20 “Domestic regulation, however, does not always operate effectively where the relevant conduct is 16   Inexoravelmente, a cooperação internacional, nos moldes em que hoje se apresenta e é objeto de análise desta dissertação, é tema relativamente novo. A cooperação internacional em matéria antitruste, logo, é um tema novíssimo. É importante bem compreendê-la e afastar infundados mitos. Como defendemos nesta dissertação, a cooperação na contemporaneidade deixa de ser somente um ideal. Antes de tudo, é uma necessidade. Partindo-se da premissa de que a cooperação no tema de defesa da concorrência ainda se encontra em fase embrionária no globo e, de forma especial, no Brasil, esta dissertação investiga medidas para aperfeiçoar a cooperação neste campo do Direito. Partindo-se da premissa de que a análise de estruturas e a análise de condutas importam em dinâmicas, motivações e regras muito distintas21, esta dissertação se restringe a avaliar as condutas. Para tanto, a dissertação estrutura-se em quatro vertentes. No Capítulo 1, estudamos o exercício da jurisdição extraterritorial na defesa da concorrência. Para tanto, empreendemos distinções entre conceitos. Acreditamos que as ressalvas terminológicas são cardeais para o deslinde de toda a argumentação seguida nesta dissertação, anuviando possíveis sobreposições e confusões. Ademais, avaliamos a possibilidade de exercício da jurisdição extraterritorial à luz da legislação antitruste brasileira, mais propriamente o art. 2o da Lei no 8.884, de 1994, cuja redação é majoritariamente mantida de forma idêntica pela nova Lei no 12.52922, de 2011, igualmente em seu art. 2o. Estudamos as                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           transnational. First, transnational conduct creates incentives for protectionism which domestic regulation is not always able to handle. Protectionism is an international problem where it undermines international trade commitments. Secondly, transnational conduct exposes the problem of concurrent jurisdiction. Concurrent jurisdiction is becoming ever more common in an age of commercial globalisation. While concurrent jurisdiction does not of itself necessitate international competition rules, there are occasions where the consequences do warrant some form of cooperation. The clearest example of this is where one state assumes by default the role of international regulator. This is an international problem because in such cases domestic regulation is rendered meaningless” (SWEENEY, Brendan J. Global competition: searching for a rational basis for global competition rules. In: Sydney Law Review. Sidney: University of Sidney, 2008. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2011, p. 213). 21 Neste ponto, compartilhamos com a visão de Paulo Burnier da Silveira, que, ao contrário desta dissertação, restringe sua tese à análise de estruturas: “Le droit de la concurrence comprend deux principales branches de contrôle : le ‘contrôle des comportements’, qui appréhende les pratiques anticoncurrentielles d’entente et d’abus de position dominante, et le ‘contrôle des structures’ dont l’objet est d’éviter la constitution par voie de regroupement de puissances économiques susceptibles d’affaiblir le jeu normal de la concurrence sur le marché. Les règles spécifiques et les caractéristiques originales du droit des concentrations justifient ainsi qu’il soit distingué du contrôle des comportements. Ces deux corps de règles ont d’ailleurs été jugés ‘inconciliable’ par la Cour d’appel de Paris”. (SILVEIRA, Paulo Burnier da. L’Internationalisation du Contrôle des Concentrations. Paris: Doctorat en Droit - École Doctorale de Droit International, Droit Européen, Relation Internationales et Droit Comparé (PRES Sorbonne Universités – Université Panthéon-Assas - Paris II). Tese de Doutorado, 2011, p. 6). 22 A Lei no 12.529 foi sancionada em 30 de novembro de 2011 e publicada em 1o de dezembro de 2011. Mencionada Lei estruturará o novo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC. Para tanto, alterará a Lei n o 8.137, de 1990, o Código de Processo Penal e a Lei no 7.347, de 1985. Mais importante, revogará dispositivos da Lei no 8.884, de 1994. A entrada em vigor da Lei no 12.529 se dará em 29 de maio de 2012. In: BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 17   aplicações do caput e parágrafos do art. 2o (Leis nso 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011). Ao final, propomos um uso inovador dos dispositivos: a notificação por carta postal no estrangeiro nos processos de análise de condutas. Feitas as análises preliminares, nos capítulos seguintes, passamos a abordar o tema da cooperação internacional. A cooperação é entendida nesta dissertação como um imperativo dos tempos pós-modernos. E a cooperação internacional é apresentada como uma necessidade em face de potenciais constrangimentos oriundos do exercício extraterritorial da jurisdição e uma solução frente à necessidade de se obter o cumprimento de medida no estrangeiro de modo célere, previsível e eficaz. Por isso, no Capítulo 2, é apresentada a cooperação jurídica ou formal. Para tanto, fazemos uma distinção prévia entre esta cooperação e a cooperação dita informal. Pela sua relevância, depois examinaremos o tema da lex diligentiae. Adiante, nossa investigação centra-se no uso da carta rogatória (não penal), nos processos e procedimentos administrativos de análise de condutas anticompetitivas. A seguir, discutimos a utilização do novo mecanismo do auxílio direto em matéria penal para o mesmo fim. Pelo seu caráter relativamente inovador, o foco privilegiado reside nos pedidos formulados com substrato em instrumentos de cooperação jurídica internacional em matéria penal. A saber, tais instrumentos constituem os tratados (bilaterais) de assistência jurídica mútua (Mutual Legal Assistance Treaties, doravante “MLATs”) e os acordos regionais e convenções multilaterais contendo disposições sobre assistência jurídica mútua (Mutual Legal Assistance, doravante “MLA”). Exploramos as implicações práticas para as autoridades brasileiras do emprego desse novo mecanismo em matéria penal para temas afetos ao Direito Antitruste. Como vemos, nesse Capítulo 2, apesar de os órgãos de defesa da concorrência poderem fazer uso, em maior ou menor grau, dos dois mecanismos de cooperação formal e/ou jurídica analisados, nenhum se aplica, com plena propriedade, à sua situação jurídica e prática. Conforme analisamos, grande parte dessa precariedade decorre da circunstância de ser o Direito Antitruste um ramo do Direito Administrativo. Detectada a situação relativamente precária dos órgãos de defesa da concorrência em termos de cooperação formal e/ou jurídica, no Capítulo 3, buscamos em outros ramos do Direito Administrativo soluções alternativas. Examinamos as tendências em termos da                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 18   chamada “assistência administrativa”. Investigar acerca das principais características e desenvolvimentos recentes dessa nova figura. Para tanto, empreendemos dois estudos de caso: (i) a cooperação em matéria tributária; e (ii) em matéria de regulação de valores mobiliários e mercados futuros. Por fim, tentamos abstrair conceitos comuns dessa “nova onda” da cooperação. Por fim, no Capítulo 4, detectadas tendências mais modernas em termos de cooperação administrativa, o foco reside na cooperação entre órgão de defesa da concorrência propriamente. Para tanto, analisamos os acordos de cooperação em matéria antitruste (Antitrust Cooperation Agreements, doravante “ACAs”), ditos instrumento de “1ª geração”. Posteriormente, realizamos análise dos acordos de cooperação de assistência mútua em matéria antitruste (Antitrust Mutual Assistance Agreements, doravante “AMAAs”), instrumentos ditos de “2ª geração”. Diante das melhores práticas detectadas em termos de “assistência administrativa” nos ramos do Direito Administrativo Tributário e de Regulação de Valores Mobiliários e Mercados Futuros, consolidamos propostas de encaminhamento relativas à persecução de infrações à ordem econômica (condutas). O intento é prover soluções que fortaleçam o arcabouço da assistência administrativa em matéria antitruste, de forma a evitar que autoridades antitruste tenham de recorrer a mecanismos peculiares a outras áreas do Direito e que não contemplam as suas especificidades. Esclarecemos que as notas de rodapé têm caráter remissivo, para indicar fonte legislativa ou doutrinária ou para transcrever citação considerada pertinente. Haverá notas, também, com caráter informativo, para aclarar e complementar ideias, ou mesmo possibilitar a visualização de posições doutrinárias conflitantes. Por fim, existem notas de página de cunho linguístico, para explicitar eleição de significado aos signos empregados. Como não vivemos no mundo de Alice no País das Maravilhas, e as palavras não possuem os significados que desejamos, o que torna necessário, portanto, explicitá-las e embasá-las. Ressalva-se que não serão analisados, em profundidade, alguns conceitos, tais como: soberania, jurisdição e exercício de jurisdição extraterritorial. Tais conceitos são avaliados, apenas, na proporção em que forem necessários para a exposição de ideias propostas nesta dissertação. Estudo aprofundado sobre tais temas fugiria em completo do escopo desta dissertação. Ademais, não constituem objeto de estudo outras espécies de cooperação jurídica internacional em matéria penal, como a extradição, a homologação de sentença estrangeira, a transferência de apenados e a transferência de processos. Quanto ao auxílio direto, não investigamos instrumentos de cooperação jurídica internacional em assuntos não-penais, em 19   especial, o auxílio direto em matéria civil23. Tampouco nos detemos no exame aprofundado da hipótese de auxílio direto cumprido com base em promessa de reciprocidade. O foco privilegiado desta dissertação é a compreensão do auxílio direto executado com fundamento em MLATs e acordos contendo disposições sobre MLA. Outrossim, não constituem objeto desta dissertação ponderações sobre a validade, a conveniência e a oportunidade de tipificar-se criminalmente atos como os que dão base aos crimes contra a ordem econômica e às relações de consumo. Não especulamos, nesse sentido, possíveis dicotomias entre o direito penal econômico e o direito penal mínimo. Por derradeiro, com referência às proposições de encaminhamento, não debatemos acerca das soluções multilaterais no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, doravante “GATT”), do Acordo Geral de Comércio em Serviços (General Agreement on Trade in Services, doravante “GATS”) e, em especial, da Organização Mundial do Comércio - OMC2425.                                                                                                                 23 Para visão sobre auxílio direto em matéria civil, ler: MCCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2002; e LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006. Sobre a assistência para a proteção de menores, ver MARQUES, Claudia Lima; FERNANDES ARROYO, Diego. Protección de menores en general. FERNANDES ARROYO, Diego. (Coord.) Derecho Internacional Privado de los Estados del Mercosur. Buenos Aires: Zavalia, 2003, p. 583-646. 24 A esse respeito, interessante notar que Eleonor M. Fox insere, dentro de perspectiva histórica, insere a solução multilateral pela assinatura de acordos nesses organismos como a primeira alternativa existente; e a cooperação entre órgão no mundo, objeto privilegiado desta dissertação, como a quarta alternativa e também uma reação de ceticismo frente à viabilidade da primeira solução. Ver a respeito: “There are four basic approaches to thinking about competition law and the world trading regime. One envisions a nearly complete international code with supranational enforcement agency. This is the approach taken by the Munich group, whose proposed International Antitrust Code was released in the fall of 1993 as a draft GATT plurilateral agreement. A second approach entails no international law as such but harmonization of national antitrust laws. This option envisions either ‘loose’ harmonization – roots-up convergence through such cross-fertilization – or tight harmonization – persistent coaxing of nationals laws into identify, or near identify. (…) A fourth approach derives from an overriding skepticism about the multilateral bargain table. It begins with the strong presumption that all that needs to be done can be done at national level through national law or enforcement agency cooperation, and that some issues can be dealt with through sectoral trade agreements. This position seems to be reflected in statements by certain U.S. antitrust enforcement authorities.” (FOX, Eleonor M. Toward World antitrust and market access. In: The American Journal of International Law. v. 91, n. 1, jan. 1997, p. 2). 25   Para leituras sobre o tema, ver: ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002; JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008; SILVEIRA, Paulo Burnier da. L’Internationalisation du Contrôle des Concentrations. Paris: Doctorat en Droit - École Doctorale de Droit International, Droit Européen, Relation Internationales et Droit Comparé (PRES Sorbonne Universités - Université Panthéon-Assas - Paris II). Tese de Doutorado, 2011; LIMA e SILVA, Valéria de Guimarães. Direito Antitruste – aspectos internacionais. Curitiba: Juruá, 2006; ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 27, n. 105, jan./mar. 1990; OLIVEIRA, Gerner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Direito Antitruste e Relações Internacionais: extraterritorialidade e cooperação. Curitiba: Juruá, 2001; RAMOS, André de Carvalho, CUNHA, Ricardo Thomazinho da. A Defesa da Concorrência em Caráter Global: Utopia ou Realidade? In: CASELLA, Paulo Borba; MERCADANTE, Araminta de Azevedo. Guerra Comercial ou 20                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Integração pelo Comércio? A OMC e o Brasil. São Paulo:Ltr, 1998, p. 810-837; e MARQUES, Frederico. Direito Internacional da Concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.   21   1 EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA Preocupações acerca da aplicação extraterritorial da jurisdição26, do exercício da jurisdição extraterritorial ou da “extraterritorialidade”27 não são novidade aos estudiosos da política pública28 do Direito Antitruste29. Tendo em vista não só os diferentes graus de proteção que as legislações de cada Estado e seus agentes responsáveis pelo provimento de eficácia da lei (law enforcement) poderiam conferir à defesa da concorrência30; mas também a                                                                                                                 26 “Diz-se haver uma aplicação extraterritorial do direito da concorrência, quando um país aplica a sua lei a práticas restritivas da concorrência ocorridas total ou parcialmente no estrangeiro”. (ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 27, n. 105, jan./mar. 1990, p. 19-20). 27 Criticamos o emprego indiscriminado do termo “extraterritorialidade”, razão pela qual este é grifado. Optamos, em seu lugar, por utilizar termos considerados mais precisos, como "exercício” ou “aplicação” de “jurisdição extraterritorial”. Voltaremos ao assunto em ocasião futura. 28 Nesta dissertação, a defesa da concorrência é entendida como uma política pública. Ao adotar a mesma visão, escreve Vinícius Marques de Carvalho: “(...) o Poder Executivo é intérprete legítimo do direito. Ele concretiza a Constituição e a lei e organiza por meio de políticas públicas a implementação do direito vigente, condições essenciais para se aplicar a regra da razão – justificativas e ponderações de juízo de valor baseadas no modo como o ordenamento jurídico enquadra o fenômeno do poder econômico – e se garantir a articulação da defesa da concorrência com as políticas industriais e regulatórias”. (CARVALHO, Vinícius Marques de. Poder Econômico e defesa da concorrência: reflexões sobre a realidade brasileira. Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 314). Nesse sentido também: HOVENKAMP, Herbert. Federal antitrust policy: the law of competition and its practice. St. Paul, Minessota: West Publishing, 1994. 29 Esclarecemos que utilizamos como sinônimos os termos “antitruste” e “defesa da concorrência”. Usamos também como sinônimos os adjetivos “anticoncorrencial” e “anticompetitivo”. Dessa forma, acompanhamos a terminologia tradicionalmente utilizada pela literatura brasileira no tema. E deixamos de empregar o termo “competição” (competition, em Inglês, ou competencia, em Espanhol), que claramente não se consagrou como corrente no Brasil. Como bem lembra Calixto Salomão Filho, as terminologias “antitruste” e “concorrencial” não são sinônimas, sim têm significados distintos no Direito Alemão: “(...)tal qual o alemão, com disciplinas completamente diversas para o Direito antitruste – entendido nesse sentido institucional publicista (GWB) – e o Direito Concorrencial – entendido no sentido de proteção da empresa e sua clientela (UWG) – (...). Os intérpretes da UWG afirmam, expressamente, na linha Ascarelliana, que Direito da Concorrência e Direito Industrial são disciplinas complementares, formando em seu conjunto a proteção jurídica do estabelecimento comercial (gewerblichen Rechtsschutz). No Direito antitruste, de inspiração mais publicista, a interseção entre ambos é amplamente reconhecida, sendo que a lei antitruste contém um dispositivo expresso e exclusivo a respeito do abuso de patentes (§20, GWB), que deixa clara a inspiração concorrencial do Direito Industrial ao afirmar que ocorre abuso concorrencial quando a utilização for além do objeto de proteção da patente (über den Inhalt des Schutzrechtes hinausgehen).” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Industrial, Direito Concorrencial e Interesse Público. In: Revista CEJ. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, n. 35, out./dez. 2006, p. 14). 30 “O Direito da Concorrência Internacional é confrontado por vários dilemas que são particularmente notáveis, desde que tal Direito seja implementado por regras da legislação nacional. O primeiro problema é o fato de que os Estados raramente têm as mesmas políticas de defesa da concorrência. Em alguns casos, essas políticas estão em claro contraste. Em outros, os Estados e nvolvidos podem aplicar as mesmas regras e usar a mesma linguagem, mas ainda seguir objetivos diferentes. Em especial, a proibição do comportamento anticoncorrencial é geralmente imposta30 para proteger o mercado doméstico, enquanto que a maioria dos países faz vista grossa a práticas restritivas dirigidas a mercados estrangeiros. O comportamento anticoncorrencial que é ilegal em âmbito doméstico é considerado um jogo de esporte quando se trata de concorrência entre diferentes economias 22   forte potencialidade transfronteiriça dos efeitos dos atos anticoncorrenciais31, não seria pouco provável que um Estado intentasse afirmar seu poder jurisdicional para fora de suas fronteiras nacionais. Por essa razão, um tema latente para o Direito Antitruste foi desde muito o exercício da jurisdição extraterritorial32 . Neste capítulo, analisamos tais questões. Primeiramente, estabelecemos distinções terminológicas. Adiante, avaliamos essa possibilidade à luz da legislação antitruste brasileira. Para tanto, investigamos acerca do art. 2º, caput, §§ 1o e 2º da Lei no 8.884, de 1994 – cuja redação majoritariamente idêntica é mantida no art. 2o, caput, §§ 1o e 2º, da nova Lei no 12.529, de 2011. Ao final, realizamos uma proposta de execução de medida com fundamento no dispositivo art. 2º, caput, em conjunto com o art. 2o, § 2o, dispositivos estes constantes tanto na Lei no 8.884, de 1994, como na nova Lei no 12.529, de 2011. 1.1. A PROBLEMÁTICA DO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO EXTRATERRITORIAL E DISTINÇÕES TERMINOLÓGICAS RELEVANTES Jurisdição (juris, Direito; dictio, dizer), em sua acepção estrita, significa o poder- dever do ente estatal de dizer o Direito no caso concreto. Não constitui sinônimo de soberania, mas sim um aspecto33, uma faceta34 ou um atributo essencial35 da soberania. Dizer o Direito é uma atribuição legítima do Estado soberano, reconhecido no plano internacional.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           nacionais. Ainda que o consenso geral da comunidade internacional sobre os efeitos prejudiciais das restrições da concorrência tenha crescido desde 1990, políticas claramente divergentes ainda podem ser averiguadas em restrições verticais, abusos de posição dominante, empresas estatais, ‘campeões nacionais’, etc. Apesar de o marco legal para fusões ou o abuso na posição dominante de mercado ser similar em ambos os lados do Atlântico, casos importantes como o da fusão da Boeing/McDonnell Douglas ou o caso da Microsoft evidenciam uma avaliação divergente na conduta anticoncorrencial.” (BASEDOW, Jürgen. Trad. de Maria Rosa Guimarães Loula, Tatiana de Campos Aranovich e Virgínia de Melo Dantas. Antitruste ou Direito da Concorrência, Internacional. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 239). 31 “Com o passar do tempo, comportamentos transnacionais cometidos em um país e produzindo efeitos em outro tornaram-se mais e mais frequentes. Tais práticas claramente demonstram que, além do lugar onde os atos relevantes foram cometidos, pode existir uma conexão de território adicional a outro país, ou seja, o país onde a competição é restringida. Assim como o tiro de uma arma descarregada no Estado A e matando uma vítima no Estado B tem uma conexão territorial com ambos os países, um cartel acordado em A e colocado em operação em B tem uma conexão com os territórios de ambos os Estados. Essa observação fez surgir diferentes regras de conflitos.” (BASEDOW, Jürgen. Op. Cit., p. 239). 32 O tema já era debatido, por exemplo, em 1969, por Berthold Goldman e, em 1983, por Jean-Gabriel Castels. Ver: GOLDMAN, Berthold.1969, Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, n. 3, 1969, p. 631-646; e CASTELS, Jean-Gabriel. The extraterritorial effects of antitrust laws. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1983, p. 9-144. 33 “Com o passar do tempo, comportamentos transnacionais cometidos em um país e produzindo efeitos em outro tornaram-se mais e mais frequentes. Tais práticas claramente demonstram que, além do lugar onde os atos relevantes foram cometidos, pode existir uma conexão de território adicional a outro país, ou seja, o país onde a competição é restringida. Assim como o tiro de uma arma descarregada no Estado A e matando uma vítima no Estado B tem uma conexão territorial com ambos os países, um cartel acordado em A e colocado em operação 23   Como a própria soberania, a jurisdição possui dois lados de uma mesma moeda. Tem um aspecto positivo, de poder de amplitude quase absoluta36 no plano interno. Ao mesmo tempo, contém um aspecto negativo, de limitação frente às jurisdições de outros Estados nacionais, no plano externo37. Tal limitação negativa encontraria seu fundamento nas fronteiras territoriais. Dessa limitação, decorreria uma premissa de Direito Internacional apontado por alguns autores, de que nenhum Estado poderia exercer jurisdição sobre território de outro38 (regra da territorialidade). Isto porque a jurisdição, como regra geral, seguiria as linhas geopolíticas do Estado Nacional, com o seu exercício limitado ao seu espaço territorial. Não obstante a regra geral da territorialidade, o fato é que a função jurisdicional de um Estado poderá sim, no caso concreto, extrapolar seus limites geográficos. Uma hipótese clássica é a previsão de espaços no estrangeiro que, por ficções jurídicas, são tidos como extensões do território nacional, como embarcações, aeronaves e embaixadas39. Outra seria a jurisdição extrapolando seus limites para incidir sobre elemento com vínculos no exterior, ou seja, o denominado exercício extraterritorial da jurisdição40 41.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           em B tem uma conexão com os territórios de ambos os Estados. Essa observação fez surgir diferentes regras de conflitos.” (BASEDOW, Jürgen. BASEDOW, Jürgen. Trad. de Maria Rosa Guimarães Loula, Tatiana de Campos Aranovich e Virgínia de Melo Dantas. Antitruste ou Direito da Concorrência, Internacional. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 239). 34 O tema já era debatido, por exemplo, em 1969, por Berthold Goldman, e, em 1983, por Jean-Gabriel Castels. Ver: GOLDMAN, Berthold.1969, Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, n. 3, 1969, p. 631 et seq; e CASTELS, Jean-Gabriel. The extraterritorial effects of antitrust laws. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1983, p. 9-144. 35 MANN, F. A.The Doctrine of Jurisdiction in International Law. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 111, 1964, p. 1-162. 36 Sob a revisão do conceito de soberania como poder absoluto, veja LAFER, Celso. A Soberania e os direitos humanos. In: Lua Nova: revista de cultura e política. São Paulo: CEDEC, n. 35, 1995, p. 137-206. 37 MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A Renúncia à Imunidade de Jurisdição pelo Estado Brasileiro e o Novo Direito da Imunidade de Jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 8. 38 Ver Lord MACMILLAN, na decisão do caso Compania Naviera Vascongada v. SJS. Cristina A.C. 1938 A.C. 485, da Suprema Corte do Canadá. Disponível em: . Acesso em: 20 de abril de 2011. 39 Trata-se do fenômeno que Jhering denomina de “autolimitação”. Nessse sentido, leia: MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. Op. Cit., p. 83-86. 40 “Clóvis Beviláqua oferece nos seus comentários um entendimento da ‘soberania nacional’ como sendo o conjunto dos poderes que constituem a nação politicamente organizada. Assim, dentro do território de um Estado, nenhum outro pode legislar nem praticar atos da competência exclusiva do poder público local” (TENÓRIO, Oscar. Direito Internacional Privado. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 21). “It remains for me to call attention to an important consequence of the principle of the equality of sovereign states before the law, viz. that no sovereign state is subject to the jurisdiction of another. Par in parem non habet imperium.” (VAN KLEFFENS, Eelco Nicolaas. Sovereignty in international law - five lectures. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 82, 1957, p. 93). “Considerando ser princípio de direito internacional que nenhum Estado pode exercer jurisdição sobre o território de outro (...).” (ARAUJO, Nadia de. Cooperação judiciária internacional e Mercosul: razões de sua existência e análise das cartas rogatórias de caráter executório. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público. Rio de Janeiro: América Jurídica, v. XVIII, 2005, p. 295. 41 Inobstante a ficção jurídica, há algum tempo a doutrina passou a considerar tais figuras não como espaços de extensão territorial, sim como espaços de jurisdição relativa. Atualmente, sabe-se que essa jurisdição limitada é 24   A última hipótese originou-se no seio do Direito Penal42 e foi importada para outros ramos do Direto43. O tratamento do conceito tornou-se frequente no ramo do Direito da Concorrência44 e tema de especial sensibilidade. Dado o objeto específico do Direito Antitruste, a probabilidade de conexão com o estrangeiro tende a ser elevada no caso concreto45. A situação teria induzido à inclusão, nos ordenamentos jurídicos domésticos, da regra de aplicação da lei nacional a bens, pessoas ou fatos em outro território, porém cujos elementos ou efeitos lhe tenham pertinência. Tais regras seriam as de aplicação da lei no espaço.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           concessão por tratados e costume, não um Direito Natural. Escreve James Edmund Sandford Fawcett a respeito: “But they are areas of jurisdiction only, and not parcels of territory. Similarly, the premises of a foreign embassy are inviolable, in the sense that they may not be entered without the consent of the head of mission, but they are nonetheless within the territorial jurisdiction of the receiving State for a number of purposes: for example, a marriage celebrated in an embassy will be governed as to form and effects by the local law as well of that of the sending State.” (FAWCETT, James Edmund Sandford. General course on public international law. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 132, 1971, p. 440). A regra é conhecida como alguns como “extraterritorialidade”. No entanto, como antecipamos nesta dissertação, evitaremos o uso do termo, por considerarmo-lo pouco preciso e acreditarmos que pode induzir a confusões. 42 Evitamos o emprego do termo “extraterritorialidade”, razão pela qual este sempre vem acompanhado de grifados nesta dissetação. Optamos, em seu lugar, por utilizar termos considerados mais precisos, como "exercício“ ou “aplicação”, juntamente com as qualificadoras “extraterritorial da jurisdição” ou “da jurisdição extraterritorial”, como sinônimos. Evitamos as expressões “extraterritorialidade” ou “exterritorialidade” com o intuito de afastar a equívoca confusão entre competências legislativas, judiciais e executivas relativas ao tema. Tal distinção é empregada por autores internacionais como Berthold Goldman, e também por doutrinadores nacionais, como Augusto Jaeger Junior, José Ângelo Estrella Faria e Leonardo Arquimimo de Carvalho. (CARVALHO, Leonardo Arquimimo de. Jurisdição e competência internacional: a ação legiferante e a ação executiva do Estado em relação à órbita internacional: breves considerações à luz do Direito Internacional. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 38, n. 150, abr./jun. 2001, p. 80; ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. Revista de Informação Legislativa. Brasília, Senado Federal, a. 27, n. 105, jan./mar. 1990, p. 23-24; GOLDMAN, Berthold. Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, 1969, p. 631 et seq; JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 34. 43 “Une norme est extraterritoriale si au moment où elle opère, elle prétend régir des personnes ou des biens, statuer sur des situations ou prendre en considération des actes extérieurs au territoire de l’État” (FRIEDELSOUCHU, Evelyne. Extraterritorialité du Droit de la Concurrence aux Etat-Unis et dans la Communauté Européenne. Paris: Librairie générale de droit et de jurisprudence, 1994, p. 2). 44 São princípios da extraterritorialidade que possibilitam a aplicação da lei penal a fatos criminosos ocorridos no estrangeiro: a nacionalidade ativa, a nacionalidade passiva, da defesa real e da universalidade, além das extensões do princípio da territorialidade (objetiva e subjetiva). Nesse sentido, ver: GOLDMAN, Berthold. Op. Cit., p. 698 ; CASTELS, Jean-Gabriel. The extraterritorial effects of antitrust laws. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, 1983, p. 25-36; e FRIEDEL-SOUCHU, Evelyne. Op. Cit., p. 2. 45 “No Brasil, a questão da extraterritorialidade da aplicação da lei nacional é focalizada na esfera do Direito Penal e no Direito da Concorrência, havendo também disposições nos regulamentos bancários, sujeitando à lei brasileira as atividades de agências de bancos brasileiros no exterior. Em todas as disposições com caráter de extraterritorialidade há sempre a previsão de vinculação do fato, ou dos participantes, com o país.” (MAGALHÃES, José Carlos. As leis da concorrência e a globalização - A Competência Extraterritorial do CADE. Estudos-Documentos do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos – CONJUR. São Paulo: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, nov. de 2000, p. 367). 25   As regras de aplicação da lei no espaço, também conhecidas como normas de colisão, “submetem à lei nacional certas situações com elementos de estraneidade”46. No caso do Direito Antitruste, tais normas subjugam à legislação doméstica a prática anticoncorrencial ocorrida, total ou parcialmente, no estrangeiro. Segundo Estrella Faria, as normas de colisão não se confundem com as normas de Direito Internacional Privado, ou normas de conflito, uma vez que estas podem conduzir à aplicação de direito estrangeiro, enquanto aquelas admitem, única e exclusivamente, a aplicação da lei nacional. Diferentemente das normas de Direito Internacional Privado, as normas de colisão determinam a aplicação da lei brasileira no espaço a uma matéria de ordem pública (loi de police)47. Ou seja, determinam sua aplicação à matéria para a qual não se admite a aplicação de lei estrangeira. “submetem à lei nacional certas situações com elementos de estraneidade”48. E esta seria a situação do Direito Concorrencial. As normas de Direito Internacional Privado aplicam-se essencialmente a relações privadas, não sendo aplicáveis, assim, às normas antitruste49. O conjunto de normas de colisão do Direito Antitruste constitui o chamado “Direito Internacional da Concorrência”50. Uma questão é saber quais os princípios empregados pelo Legislador para determinar a aplicação da lei no espaço, ou seja, a regra de colisão. No Direito Antitruste brasileiro, aplica-se o rol de princípios do Direito Penal Internacional, em acréscimo a um “novo” elemento: o princípio dos efeitos.                                                                                                                 46 FRIEDEL-SOUCHU, Evelyne. Op. Cit., p. 2. 47 Ponderamos que um exemplo trivial seria a de um cartel, arquitetado no estrangeiro e com efeitos no mercado nacional, seja porque há empresas nacionais envolvidas, seja porque o produto é importado, ou seja, porque, de alguma forma, o mercado nacional foi potencialmente prejudicado. 48 ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, Senado Federal, a. 27, n. 105, jan./mar. 1990, p. 26. 49 Nesse mesmo sentido, Paula A. Forgioni (FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 389) ressalta o caráter de ordem pública das normas antitruste e, diante deste, lembra não se poder falar em “voluntária aplicação de lei estrangeira por uma corte a qualquer prática restritiva da concorrência”, tampouco das “cláusulas de lei aplicável contratualmente ajustadas”. Escreve a autora: “Em se tratando de normas antitruste, não há qualquer ‘critério de subordinação jurídica extraterritorial’, uma vez que não se admite a aplicação de direito outro senão o nacional. Desta feita, não se pode falar em elementos de conexão que seriam determinados pelas leis antitruste, ou seja, não há quaisquer ‘expressões legais de conteúdo variável, de efeito indicativo, capazes de permitir a determinação do direito que deve tutelar a relação jurídica em questão’ diverso daquele do nacional (STRENGER, Irineu. Curso de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 268). Importante notar que Forgioni utiliza o conceito de elemento de conexão como mais restrito que Estrella Faria (ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Op. Cit.), pois o iguala ao conceito de normas de Direito Internacional Privado. No entanto, como Estrella Faria, elegemos por adotar o termo como um conceito mais geral, como critério que determina a aplicação de uma norma, seja de ordem pública, seja de Direito Internacional Privado. Nesse mesmo sentido, escreve Paulo Burnier da Silveira (SILVEIRA, Paulo Burnier da. L’Internationalisation du Contrôle des Concentrations. Paris: Doctorat en Droit - École Doctorale de Droit International, Droit Européen, Relation Internationales et Droit Comparé (PRES Sorbonne Universités – Université Panthéon-Assas - Paris II). Tese de Doutorado, 2011, p. 29) que a discussão não passa pelo método bilateral clássico de “conflito de lei” ou “conflito de jurisdição”. 50 ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Op. Cit., p. 26. 26   No Brasil, a regra de aplicação da legislação antitruste no espaço está prevista genericamente no art. 2º, caput, da Lei no 8.884, de 1994 – e no art. 2o, caput, da nova Lei no 12.529, de 201151. Percebemos existir corrente afiliada a uma visão negativa em face da potestade territorial. A compreensão seria de que, ao constituir um meio unilateral de solução de conflitos envolvendo mais de uma jurisdição, o exercício da jurisdição extraterritorial poderia resultar em uma oposição entre jurisdições52. Ademais, a chamada perspectiva do unilateralismo53 poderia ser considerada uma afronta às regras de soberania e aos princípios de não ingerência e à autodeterminação dos povos. Importante lembrar que a percepção negativa não é infundada. Está embasada, essencialmente, em constrangimentos de fato deflagrados no plano internacional em face do exercício da jurisdição extraterritorial. Como resposta ao exercício dos poderes de instrução pré-processo (pre-trial discovery) outorgados às partes na jurisdição norte-americana54, as leis de bloqueio (blocking statutes ou loi de blocage) representam um dos casos mais emblemáticos das consequências geradas pelos elevados constrangimentos. Consistem, basicamente, na determinação legal –                                                                                                                 51 No art. 2º, caput, da Lei nº 8.884, de 1994 e da nova Lei nº 12.529, de 2011, consta idêntica redação: “Art. 2º - Aplica-se esta lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte do território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.” Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 52 LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association Section of Antitrust Law, 2005, p.19. 53 JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 33-148. 54 O exercício do pre-trial discovery (ou seja, o poder das partes de produzir as provas diretamente ou por meio de seus advogados, sem a interferência do juiz) é previsto na legislação processual dos EUA. Todavia, o pretrial discovery é expressamente proibido nas leis de alguns países, como a França e a Alemanha. Vale lembrar que o pretrial discovery é típico do Common Law; e, em países do Civil Law, o termo tende a ser carregado com conotação negativa, como um “descolamento” ("detachment") do processo. A respeito, ler: WALLANCE, Cynthia Day. 'Extraterritorial' Discovery: Ongoing Challenges for Antitrust Litigation in an Environment of Global Investment. In: Journal of International Economic Law. Oxford: Oxford University Press, v. 5, n. 2, 2002, p. 365-366. A situação cria verdadeiros dilemas jurídicos, como o caso hipotético de uma empresa localizada na França que, pela Federal Rules of Civil Procedure dos EUA sofre o risco de sofrer sanções civis caso não apresente as informações requeridas durante o pre-trial discovery nos EUA, porém poderá ser penalizada criminalmente caso apresente as informações aos norte-americanos. (CAYLOR, Marissa L. Modernizing the Hague Evidence Convention: A Proposed Solution to Cross-Border Discovery Conflicts during Civil and Commercial Litigation. In: Boston University International Law Journal. Boston: Boston University, v. 28, n. 2, Summer: 2010, p. 342). 27   ou mesmo na prática administrativa ou na interpretação jurisprudencial55 – que proíbe a cooperação com jurisdições estrangeiras. A proibição pode tomar as formas mais diversas, seja: (i) dirigindo-se a pessoas e empresas para impedir o fornecimento de informações; (ii) dirigindo-se a órgãos públicos para (ii.a) impedir a produção de elementos de prova, (ii.b) impedir a execução à sentença estrangeira ou eliminando os efeitos de tal sentença. Na França, na Suíça, no Reino Unido56 e na Austrália, por exemplo, foram editadas leis de bloqueio que impedem a atuação direta de autoridade administrativa ou judiciária estrangeira e consideram crime o fornecimento de informações por partes domiciliadas nesses países a autoridades estrangeiras, sem consentimento das respectivas autoridades locais. O ordenamento jurídico brasileiro também incluiu regra genérica desse calibre, por meio do art. 181 da Constituição Federal de 198857 58. Além das leis de bloqueio, outros exemplos citados pela doutrina de “crises” geradas pela solução unilateral que redundaram em edições de legislações protecionistas são as disposições prevendo mecanismos de reembolso (clawback statutes59). Tais disposições permitem aos condenados por indenização pelo triplo do prejuízo (treble damages), na juridisdição dos EUA, recuperarem em sua própria jurisdição os valores que lhe foram                                                                                                                 55 A proibição de cooperação com autoridades estrangeiras para fins de defesa da concorrência pode não estar explícita em lei, mas antes decorrer da interpretação fornecida a certo dispositivo genérico. O art. 216 do Regimento Interno do STF, por exemplo, impede a homologação de sentença estrangeira que “ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”. Com base nesse artigo, o Supremo Tribunal Federal poderia entender pela recusa ao cumprimento de ordens estrangeiras que decidam sobre matéria antitruste. Nesse sentido, ver: FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 392. 56 Interessante registrar o embate entre Lowe (com posição favorável) e Lowenfeld (com posição contrária) frente à blocking statute da Inglaterra. Veja LOWE, A. V. Blocking Extraterritorial Jurisdicion: the British Protection of Trading Interests Act, 1980. In: American Journal of International Law. Nova York: American Society of International Law, v. 75, n. 2, abr. 1981, p. 257-282; e LOWENFELD, Andreas F. Sovereignty, jurisdiction and reasonabless: a reply to A. V. Lowe. In: American Journal of International Law. Nova York: American Society of International Law, v. 75, n. 3, jul. 1981, p. 629-638. 57 Diz o art. 181 da Constituição Federal: “O atendimento de requisição de documento ou informação de natureza comercial, feita por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País dependerá de autorização do Poder competente.” In: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 58 “The novel provision in the 1988 Brazilian Constitution resembles the U.K. 1980 Protection of Trading Interest Act which, among other measures, extended the power of the British government to forbid compliance by British citizens and business with orders of foreign authorities, where those orders have extraterritorial effects and prejudice British trading interests. The rule of Article 181 also resembles various cases in which discovery requests before U.S. courts were rejected by European parent companies based on blocking statutes of their national legislation.” (DOLINGER, Jacob; ROSENN, Keith S. Panorama of Brazilian Law. Miami: University of Miami North-South Center, 1992, p. 374-375). 59 MARTINEZ, Ana Paula. Cooperação Internacional em Matéria de Defesa da Concorrência. In: Revista de Direito Internacional e Econômico. Rio de Janeiro: Síntese, a. II, n. 7, abr./jun. 2004, p. 87. 28   cobrados e que ultrapassem o dano original. Por fim, lembramos das queixas por via diplomática60 como outra das formas de resposta ao exercício da jurisdição extraterritorial. Como bem lembra Forgioni, ao referir-se ao que denomina de “ondas” de blocking laws, as legislações protecionistas coincidem com períodos de grandes processos antitruste nos Estados Unidos e uma aplicação extraterritorial entendida como excessiva da lei desse país61. Parece claro que grande parte dos constrangimentos foi decorrência do exercício dos poderes de instrução pré-processo outorgados pela legislação norte-americana, conforme já referimos. Para avançarmos nesse debate, cumpre, antes de qualquer coisa, efetuarmos distinções básicas com vistas a afastar confusões que comumente circundam o conceito de aplicação da legislação extraterritorial, consequentemente, induzindo a conclusões distorcidas. Para iluminar um pouco mais o tema, fazemos uma ressalva e uma diferenciação. Quanto à ressalva, cabe consignar que entendemos que “jurisdição internacional” a de ser compreendida como sinônimo tanto de “competência internacional” como de “competência geral”. Seguimos, neste ponto, autores como Dolinger e Rosenn 62. À luz dessa compreensão, as regras inseridas nos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil - CPC devem ser entendidas igualmente como regras de “jurisdição internacional”63. Nesta dissertação, ao tempo em que advertimos que tomamos os três termos como sinônimos, esclarecemos também que temos clara preferência pelo emprego tão-somente do termo “jurisdição”. Evitamos fazer uso das terminologias “competência internacional” e “competência geral”, com vistas a evitar confusões com as variadas “competências” que pretendemos diferenciar. Mais propriamente, empreendemos uma distinção da jurisdição de acordo com diferentes classificações de “competência”, conforme adiante passamos a tecer análises. Passemos à diferenciação, que tem como objeto distinguir a jurisdição conforme a competência a que esteja afeta. Não por outro motivo do que ser um aspecto da soberania, a jurisdição refere-se a competências que podem ser (i) legislativas (ou normativas); (ii)                                                                                                                 60 Cita-se, como exemplo famoso, o caso U.S. v. The Watchmakers of Switzerland Information Center, Boeing/McDonnell Douglas e GE/Honeywell. MARTINEZ, Ana Paula. Op. Cit., p. 87); e GOLDMAN, Berthold. Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, n. 3, 1969, p. 710-711. 61 FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 393-394. 62 DOLINGER, Jacob; ROSENN, Keith S. Panorama of Brazilian Law. Miami: University of Miami NorthSouth Center, 1992, p. 352. 63 Segundo entendimento de DOLINGER, Jacob; ROSENN, Keith S. Op. Cit., p. 352, ao falar de “competência internacional” nos arts. 88 a 90 do CPC, o Legislador refere-se à “jurisdição internacional” ou à “competência geral”. 29   judiciais; e (iii) executivas (ou administrativas)64. Acreditamos que tal divisão em competências auxilia na compreensão de aspectos essencialmente dinâmicos65 da jurisdição, não meramente ligados ao território. A competência normativa ou legislativa seria tanto para editar a norma cogente66, como para determinar seu campo de aplicação territorial e pessoal. Ao editar uma lei de trânsito em um município, por exemplo, o Legislador brasileiro exerceu sua competência normativa não só ao editar propriamente a legislação, como ao prever que se aplica a todos os motoristas que trafegam pelas ruas daquele município. A competência judicial, por sua vez, residiria no poder de aplicar a norma ao caso concreto, com as consequências que decorrem dessa aplicação. Portanto, estaria ligada à jurisdição em sua acepção de jurisdictio: competência para conhecer (cognitio) e julgar (iudicium)67. Logo, seria a competência para “dizer o Direito”. Ao julgar o motorista que infringiu as normas de trânsito do município do exemplo anterior, o Magistrado exerce sua competência judicial, não só conhecendo os fatos e direitos, como determinando uma solução para a lide, por meio da sentença. Por fim, a competência executiva ou administrativa, em sentido amplo, apontaria para o poder de executar e coagir, ou seja, o Estado como monopólio do uso legítimo da força cogente. Esta espécie de competência estaria ligada à acepção de jurisdição como imperium68. Residiria no poder de mando ou competência para executar, ou seja, para exercer as medidas, visando impulsionar ou instruir a causa, ou mesmo conferir eficácia à decisão tomada no quadro da jurisdictio, com a possibilidade inclusive de uso “de atos constritivos da liberdade                                                                                                                 64 Veja BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 4. ed. Londres: Oxford University Press, 1990, p. 299. Conceito semelhante também é empregado por Cassesse, que divide a jurisdição em atribuições de “prescribing, order and executing” (CASSESSE, Antonio. International Law. 4. ed. Londres: Oxford University Press, 2000). 65 “Coming finally then to State jurisdiction, we may describe it statically as the area, defined in terms of territory or of persons, acts or things, in which power may be exercised in the name of the State; or dynamically, as the class of actions by which various individuals or bodies exercise power in the name of the State, in short, as sovereignty in movement”. (FAWCETT, James Edmund Sandford. General course on public international law. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 132, 1971, p. 3). 66 Lembramos que tal função poderá ser reservada ao Poder Judiciário, a depender da situação, quando sua atividade não esteja vinculada à aplicação do direito no caso concreto. Por exemplo, a Constituição Federal atribui ao Poder Judiciário o poder de julgar as ações diretas de declaração de inconstitucionalidade e de editar seu regimento interno. Nesse sentido, ver: CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição – Noções Fundamentais. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, n. 19, jul./set. 1980, p. 17. 67 ALVIM, José Eduardo Carreira. Tratado geral da arbitragem interno. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 394. 68 Para um enfoque histórico da distinção dos termos, veja: SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 25-26. 30   individual no caso concreto” 69. Voltamos ao nosso exemplo envolvendo o motorista de trânsito infrator. Se executável a sentença e determinado que o motorista deveria pagar multa e ter sua licença de motorista cassada, o Estado poderia lançar mão de todos os seus poderes de coação, inclusive o uso legítimo da força, para executar a sentença. As matizes dos conceitos jurisdictio e imperium70, em rigor, parecem só ficarem claras no plano do Direito Internacional Público71. A distinção decorre mais da natureza dos atos praticados do que da competência. Ambas jurisdictio e imperium mantêm estreitas relações, mas são independentes. Por exemplo, um Estado poderia ter competência legislativa, mas não competência judiciária, quando estipulasse o voto obrigatório a todos os seus nacionais, sem, porém, poder obrigar os seus nacionais que vivem em outros Estados a votar. Da mesma forma, um Estado poderia ter competência judiciária, sem ter competência legislativa, quando o magistrado nacional aplicasse a lei estrangeira, em virtude de elementos de conexão. Hipoteticamente, não haveria óbice a que o Estado nacional editasse normas (campo da competência normativa ou legislativa) cujo conteúdo implicasse contato com fatos alienígenas, ou mesmo que ele julgasse casos concretos (seara da competência judiciária), de forma a atingir elementos além de seus limites territoriais. A situação apta a criar conflitos, no entanto, adviria da prática de atos materiais executórios (esfera da competência executiva ou administrativa) para garantir a eficácia do Direito extraterritorialmente. O conflito, mais propriamente, se daria quando houvesse confusão entre os poderes conferidos pelo Direito Nacional para a prática do ato executório e a previsão do Direito de Estado estrangeiro sobre a matéria; ou mesmo quando a execução de tal ato pela jurisdição estrangeira fosse simplesmente desprovida de autorização por parte do ente estrangeiro. Neste particular,                                                                                                                 69 ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. Cit., p. 394; MARQUES, José Frederico, em Instituições de Direito Processual Civil – Volume I. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 239, salienta que a jurisdição tem no “judicium”, ou poder de julgar, o seu ato culminante, e até mesmo fundamental, escrevendo que “A faculdade decisória abrange a ‘notio’ e o ‘judicium’ dos juristas clássicos, compreendendo assim o poder que tem o juiz de aplicar o direito objetivo para decidir a pretensão e também para resolver sobre os pressupostos da relação processual e sobre as condições da ação. A faculdade coercitiva abrange os atos de coação e de execução (a ‘coertitio’ e o ‘imperium’) para tornar efetivo todo e qualquer pronunciamento do juiz.” 70 Por exemplo, enquanto, modernamente, o Magistrado tem jurisdiction e imperium; o árbitro só possui o primeiro, destituído do segundo. Nesse sentido, escreve ALVIM, José Eduardo Carreira. Op. Cit., p. 398-399 “O poder de ‘decretar’ compreendido no poder de jurisdição (e de cognição), que o árbitro adquire por concessão das partes e permissão do Estado, não tem necessariamente a ver com poder de ‘efetivar’ ou ‘executar’ a própria decisão, que ele não tem, por decorrer do poder de império”. 71 ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Aplicação extra-territorial do direito da concorrência brasileiro. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, 2002, p. 75. 31   importante lembrar a regra de que autoridades estrangeiras não poderiam, em princípio, praticar atos de jurisdição de imperium em território nacional72. Portanto, a problemática não residiria essencialmente nos campos normativos e judiciais. Em teoria, não haveria óbice qualquer para que a lei determinasse sua explicação para elementos fora do território (competência normativa), tampouco que julgasse elementos fora dele (competência judicial). O Direito Internacional reconhece aos Estados uma competência normativa extraterritorial, facultando, por conseguinte, uma competência jurisdicional extraterritorial73. Porém, em contrapartida, o Direito Internacional nega a execução de norma e decisão extraterritorialmente74, caso forçada. A extraterritorialidade executiva (de imperium) seria o campo onde potencialmente poderia residir a possibilidade de conflito pela aplicação da lei extraterritorialmente. Caso uma jurisdição tenha que alcançar elementos em outro território e, para tanto, conferir força a alguma medida executória no exterior, necessitaria estar autorizada ou, ao menos, não proibida pelo Estado estrangeiro para tanto75.                                                                                                                 72 TIBURCIO, Carmen. A dispensa da rogatória no atendimento de solicitações provenientes do exterior. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 126, ago. 2005, p. 117. 73 "Il faut cependant souligner dès à présent que l'une des questions les plus ‘brûlantes’ qui aient surgi, au cours de ces dernières années, à propos de l'application extra-territoriale d'une législation anti-trust (et pratiquement, de la législation des Etats-Unis) a été celle de l'applicabilité à l'étranger des injonctions prononcées et des investigations ordonnées dans le cadre d'une procédure pénale en ce domaine; disons aussitôt qu'il ne s'agit pas ici, en vérité, de procédure à proprement parler, c'est-à-dire de la réglementation du déroulement des débats en vue de l'exercice, par le tribunal, de son pouvoir de dire le droit (jurisdictio), mais du pouvoir conféré au juge d'ordonner des actes ou des abstentions relatifs à la preuve ou au fond du droit, c'est-à-dire de l’imperium. Mais il reste que les règles conférant cet imperium relèvent bien du droit judiciaire, puisqu'elles définissent précisément certains pouvoirs des tribunaux, et en déterminent les conditions d'exercice; il n'est pas question, naturellement, que ces pouvoirs soient exercés par des tribunaux étrangers, mais de décider s'ils peuvent ou non avoir une portée extra-territoriale. (…) “il n'est pas douteux que pas plus que les autres autorités d'un Etat, le juge ne peut prétendre exercer son pouvoir de commandement sur le territoire d'un autre Etat souverain." (GOLDMAN, Berthold. Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, 1969, p. 646-647). "(...) le respect [a la souveraineté de l'Etat étranger intéressé] est un principe fondamental du droit des gens, car, à notre avis, principe interdirait à un juge de donner des ordres à exécuter sur le territoire d'un pays étranger, même si ces ordres n'étaient pas contraires à la loi de ce pays. C'est, , encore une fois, dans la prétention même d'exercer l’imperium sur un territoire étranger que se trouve l'excès de l'extra-territorialité; mais cela ne doit pas conduire à penser que dans l'exercice de sa jurisdictiole juge ne puisse pas prendre, fût-ce relativement à un contrat conclu à l'étranger entre des ressortissants étrangers, des décisions conformes à la loi qu'il estime applicable au contrat, même si ces décisions sont contraires à la loi du pays de conclusion du contrat, et dont les parties au contrat ont la nationalité." (Idem, Op. Cit., p. 710). 74 “ (...) a jurisdição do ponto de vista lógico não tem limites. O sistema de um país pode pretender julgar quaisquer causas que sejam propostas perante os seus juízes, sem se importar com a nacionalidade ou o domicílio dos demandantes, a natureza do direito discutido, o local onde está o bem objeto da demanda, o lugar onde ocorreram os fatos que a originou, ou aquele em que vai ser executada a obrigação. Mas o poder de tornar efetivo aquilo que foi decidido sofre limitações, porque existem outros países também organizados, e que não reconheceriam a validade da sentença em seu território e, portanto, não permitiriam sua execução nele, o que tornaria inútil a sentença.” (CARNELUTTI, Francesco. Apud BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 1. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 239). 75 "Le principe de l’exclusivité de la souveraineté territoriale autorise un Etat à s’opposer aux activités concurrentes des autres Etats sur son territoire. Il lui est donc posible d’y interdire la mise en oeuvre de la 32   Sob esta premissa, de que o exercício da competência executiva é o apto a criar verdadeiros conflitos entre Estados soberanos e suas autoridades públicas, desenvolvemos esta dissertação. Para tanto, tratamos, neste capítulo, da execução de atos com base na Lei de Defesa da Concorrência brasileira, para, nos capítulos seguintes, lidar propriamente com o tema da cooperação internacional. 1.2. DA EXECUÇÃO DE ATOS COM BASE NO ART 2º, § 2º, DA LEI Nº 8.884, DE 1994 (E NO ART. 2º, § 2º, DA NOVA LEI Nº 12.529, DE 2011) Empreendidas as distinções terminológicas mínimas para o desenvolvimento desta dissertação, partimos para a análise do art. 2º da Lei nº 8.884, de 1994 (cuja redação quase idêntica é mantida no art. 2o da nova Lei no 12.529, de 2011). Não adentramos aqui em discussões aprofundadas sobre o dispositivo, há de se alertar. Existe ampla discussão sobre o tema, e qualquer explanação a respeito razoavelmente abrangente daria cabo a uma nova dissertação ou tese. Apenas delimitamos conceitos adotados nesta dissertação, para que, mais uma vez, não paire confusão acerca dos conceitos que nela estão sendo investigados. O art. 2º, em seu caput (Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011), carreia hipóteses de jurisdição internacional. À luz desse dispositivo, a lei brasileira aplica-se extraterritorial tanto à análise de estruturas (art. 54 da Lei no 8.884, de 1994, e o art. 88 da nova Lei no 12.529, de 2011), como à de condutas anticompetitivas (arts. 20 e 21 da Lei no 8.884, de 1994, e o art. 36 da nova Lei no 12.529, de 2011). A legitimar essa aplicabilidade da norma brasileira, adotam-se dois elementos de conexão: a teoria da territorialidade (“práticas cometidas em todo ou em parte no território nacional”) e a teoria dos efeitos (reais, quando “produzam (...) efeitos”, ou potenciais, quando “possam produzir efeitos”)76 77 78.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           législation étrangère ; et c’est en cela – et en cela seulement – que consiste le principe de l’interdiction de l’application extra-territorial du droit. Le droit international reconnaît aux Etats une compétence normative extraterritoriale; il exclut en revanche toute compétence d’exécution extra-territoriale forcéé.” (DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Droit international Public. 7. ed. Paris: LGDJ, 2002, n. 334, p. 506). 76 Em idioma Inglês, a teoria dos efeitos é conhecida como effects doctrine. Segundo a teoria, a conduta será punível, ainda que a prática não tenha sido cometida no território nacional, porém desde que tenham sido produzidos efeitos (reais ou potenciais) no mercado relevante nacional. Nascida no bojo da legislação norteamericana, foi incorporada a outros instrumentos legais de defesa da concorrência, como os arts. 85 e 86 do Tratado da Comunidade Europeia. Nesse sentido, veja BASEDOW, Jürgen. Trad. de Maria Rosa Guimarães Loula, Tatiana de Campos Aranovich e Virgínia de Melo Dantas. Antitruste ou Direito da Concorrência, Internacional. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011; JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008; MARTINEZ, Ana Paula. Jurisdição Extraterritorial em Direito da Concorrência: Balanços e Perspectivas. In: Revista e Direito Internacional e Econômico. Rio de Janeiro: Síntese, a. II, n. 10, jan./mar. 33   Conforme postulamos anteriormente, jurisdição é um conceito que pode remeter a diferentes tipos de competência (i.e., normativas, judiciais ou executivas), a depender do caso. Tendo em mente essas matizes, caberia perquirir a qual(is) competência(s) remeteria(m) essa jurisdição disciplinada no caput do art. 2º (das Leis nos. 8.884, de 1994 e 12.529, de 2011). A previsão de aplicação da norma do Brasil constitui decorrência primeira da competência normativa ou legislativa da jurisdição brasileira. É com fundamento nela que o Legislador tem poder de editar normas cogentes e definir o âmbito territorial de aplicação de sua lei, mesmo além de seu território. No entanto, a previsão refere-se essencialmente à competência judicial. Como consequência da previsão legal, o julgador pátrio poderá exercer suas competências judiciais, conhecendo da matéria e editando uma ordem. De fato, a prever a aplicação da lei extraterritorialmente, a hipótese de competência judicial do magistrado do Poder Judiciário brasileiro do art. 88 do CPC é expandida para incluir o contencioso administrativo (jurisdictio) do tribunal administrativo pleno do Cade. Desse modo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica é competente para dizer o Direito no caso concreto, mesmo que autor do fato seja estrangeiro, ou a conduta tenha ocorrido em outro território. Resta alguma discussão acerca do campo de aplicação de tal dispositivo, em especial, no que atine às competências judiciais e executivas. Com alusão às competências judiciais, a jurisprudência brasileira já está relativamente pacificada pelo menos no que se refere à decisão de atos de concentração79. A                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           2005; LIMA e SILVA, Valéria de Guimarães. Direito Antitruste – aspectos internacionais. Curitiba: Juruá, 2006; ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Aplicação extraterritorial do direito da concorrência. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 27, n. 105, jan./mar. 1990; GOLDMAN, Berthold.1969, Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, n. 3. 1969, p. 631-646; e CASTELS, Jean-Gabriel. The extraterritorial effects of antitrust laws. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1983, p. 9-144. 77 Ou, como preferem outros, o princípio da territorialidade dos efeitos e o princípio da territorialidade do comportamento, como dois critérios para a reinvindicação da competência internacional. Nesse sentido ver: ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Aplicação extra-territorial do direito da concorrência brasileiro. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, p. 75. 78   Lembra Estrella Faria que a aplicação da lei extraterritorialmente com base na teoria dos efeitos já era entendida pela doutrina mesmo antes da edição da Lei nº 8.884, de 1994. ESTRELLA FARIA, José Ângelo. Op. Cit., p. 19   79 Para a análise de atos de concentração, a interpretação pacífica foi registrada por meio da Súmula nº 1 do Cade, de 2005, publicada no Diário Oficial da União - DOU em 18 de outubro de 2005, nº 200, Seção 1, p. 49. Diz a Súmula nº 1: “Na aplicação do critério estabelecido no art. 54, §3o, da Lei nº 8.884, de 1994, é relevante o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no território brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas participantes do ato de concentração” (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Súmula no 1 do Cade, de outubro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 18 de janeiro de 2010). 34   doutrina80 possui discussões interessantes a respeito, em especial quanto às possíveis decisões conflitantes no plano internacional sobre a mesma operação econômica. Contudo, dada à limitação temática desta dissertação, não analisamos esse tema, restringindo-nos à análise de condutas. Enquanto a jurisprudência do Cade já está razoavelmente pacificada quanto à análise de fusões e aquisições, a discussão seria ainda latente na doutrina quanto à análise de condutas. Na jurisprudência, este tema não parece ter sido uma real problemática até então81. A verdade é que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC nunca chegou a uma definição explícita a respeito. Apenas um cartel internacional foi efetivamente julgado, tendo-se considerado que era despiciendo, averiguar, a ocorrência efetiva do dano e a quantificação deste82. Com referência às competências executivas, o caput do art. 2º parece prever genericamente a aplicação da lei nacional, de forma a abranger também o poder para executar e coagir (i.e, atos de imperium). Alguma dúvida poderia pairar quanto à possibilidade dessa potestade poder ser exercida tanto territorialmente, como extraterritorialmente. Voltaremos a esse ponto em momento oportuno. Enquanto o caput do art. 2o trata de jurisdição, conforme já referimos; os seus parágrafos disciplinam acerca de competência. Haja vista as distinções empregadas nesta dissertação, mais uma vez lançamos mão das diferenciações entre competências normativas (ou legislativas), judiciais e executivas. Dadas as três subespécies de competência, vale a pena                                                                                                                 80 Paulo Burnier da Silveira confere tratamento estritamente à análise de estruturas em sua tese e apresenta abordagem inovadora e conclusões interessantes a respeito, in: SILVEIRA, Paulo Burnier da. L’Internationalisation du Contrôle des Concentrations. Paris: Doctorat en Droit - École Doctorale de Droit International, Droit Européen, Relation Internationales et Droit Comparé (PRES Sorbonne Universités Université Panthéon-Assas - Paris II). Tese de Doutorado, 2011, p. 12-56. 81 “Finalmente, deve-se notar que a aplicação extraterritorial pelas autoridades de defesa da concorrência brasileiras de sua legislação nunca chegou a gerar conflitos jurisdicionais notáveis com outras autoridades. A crítica à sua ampla aplicação está nos elevados custos associados à análise de operações irrelevantes para o mercado brasileiro, que geram neles efeitos insignificantes, custos estes arcados tanto pelo poder público quanto pelos particulares. Felizmente, as autoridades parecem estar atentas à questão e é esperada para um futuro próximo uma significativa redução nos atos apresentados ao SBDC que não têm potencial de afetar o País. ” (MARTINEZ, Ana Paula. Jurisdição Extraterritorial em Direito da Concorrência: Balanços e Perspectivas. In: Revista e Direito Internacional e Econômico. Rio de Janeiro: Síntese, a. II, n. 10, jan./mar. 2005, p. 86). A despeito da reduzida experiência brasileira na aplicação da teoria dos efeitos, a atuação dos órgãos do SBDC foi elogiada no caso do cartel das vitaminas. As provas colhidas foram a condição para o reconhecimento de que efeitos da prática perpetrada em território estrangeiro atingiram o Brasil. Nesse sentido, ver: GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Investigações de cartel no Brasil: parâmetros constitucionais e considerações sobre aplicação da teoria dos efeitos. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 17, n. 1, jan./jun. 2010, p. 145. 82 O voto é da lavra do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva, no julgamento do Cartel Internacional das Vitaminas (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo no 08012.004599/1999-18. Voto do Rel. Cons. Ricardo Villas Bôas Cueva. Publicado no DJ em 12 de abril de 2007). 35   perquirir qual(is) seria(m) a(s) competência(s) prevista(s) nos parágrafos dos referidos artigos. Passemos então à análise dos parágrafos do art. 2º (Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011). O § 1o do art. 2º da Lei no 8.884, de 1994 (com redação idêntica repetida na nova Lei no 12.529, de 2011), reputa que a empresa estrangeira tem domicílio no Brasil, desde que opere ou tenha no território brasileiro filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante. A regra reproduz a mens legis insculpida no disposto do parágrafo único do art. 88 do CPC. Passemos a transcrever ambos os dispositivos de lei em comento: Código de Processo Civil “CAPÍTULO II DA COMPETÊNCIA INTERNACIONAL Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; (...) Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. “ (Grifo nosso). Lei no 8.884, de 1994 (redação mantida pela Lei no 12.529, de 2011) “CAPÍTULO II Da Territorialidade Art. 2º Aplica-se esta lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos. § 1o Reputa-se domiciliada no Território Nacional a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.” (Grifos inexistentes no original) O art. 88 do CPC prevê a competência internacional ou concorrente do Juiz brasileiro83. Trata-se então dos casos em que o magistrado nacional possui competência para conhecer e julgar a matéria, a despeito de eventual competência também do juiz estrangeiro84. A situação, portanto, é oposta a da competência exclusiva85.                                                                                                                 83 Chancelamos nesta dissertação posição que compreende que o art. 88 do CPC contém elenco enumerativo das hipóteses de competência internacional ou concorrente. Tal posição, respaldada pela melhor doutrina, na qual se inclui Barbosa Moreira, lastreia-se especialmente nos princípios do interesse e da efetividade. Algumas evidências de que o art. 88 do CPC conteria elenco enumerativo seriam a existência da jurisdição voluntária, da capacidade do Estado de se declarar competente em conflito negativo e das cláusulas de eleição de foro. Via de regra, o juiz sempre julgará o caso que lhe for posto, desde que observados os princípios do interesse e da efetividade. Veja: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual (Quinta série). Rio de Janeiro: Saraiva, 1994, p. 139-140. 84 Lembramos que competência concorrente pode levar não só ao julgamento da mesma prática por diversas jurisdições cujos mercados são afetados – situação frequente ao tratar-se de prática de cartéis internacionais -; ou mesmo um conflito positivo de jurisdição – situação frequente em casos de cartéis de exportação, em que o país importador condena o fato com base na teoria dos efeitos, e o país exportador cria uma isenção, por meio do 36   O Legislador, ao estabelecer, no parágrafo único do art. 88 do Código de Processo Civil, que se reputa domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal, amplia o conceito de domicílio tal como constante no art. 88, inc. I, do CPC. Ao fazer isso, dilata as hipóteses de competência concorrente, previstas no art. 88 do CPC. Seguindo a mesma lógica, o Legislador, na Lei de Defesa da Concorrência, ao definir que a empresa estrangeira que opere ou tenha no Brasil filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante também reputa-se domiciliada86 no território nacional, acabou por promover ainda mais o alargamento87 do quanto disposto no art. 88, inc. I, do CPC. Por esse motivo, o § 1o do art. 2º (Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011) disciplina acerca das competências judiciais das autoridades envolvidas na defesa da concorrência. O domicílio é inserido como um dos elementos de conexão. No entanto, entendemos que esse não é o único elemento de conexão possível, eis que o art. 88 do CPC contém rol enumerativo. Como resultado da interpretação conjunta do caput e do § 1o do art. 2º (Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011), uma compreensão possível seria aquela que entendesse a autoridade brasileira como competente quando o réu, qualquer que fosse sua nacionalidade, estivesse domiciliado no Brasil. A competência concorrente do Juiz brasileiro para decidir o caso estaria embasada no domicílio como critério ou elemento de conexão. E incluiria, por óbvio, o réu domiciliado à empresa estrangeira que operasse ou tivesse no território brasileiro filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           critério territorial. Nesse sentido, também escreve FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 390-391. 85 “Para os processos mencionados no art. 89, ao contrário, jamais se poderá reconhecer como competente a Justiça de qualquer Estado que não seja o Brasil: a competência da Justiça brasileira é exclusiva. Tal distinção tem importantíssima consequência prática em tema de reconhecimento de eficácia (“homologação”) de sentenças estrangeiras. Um dos requisitos para que a sentença possa produzir efeitos no Brasil é o de “haver sido proferida por juiz competente (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 15, a; Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 217, n. I). A satisfação desse requisito fica excluída, em termos absolutos, caso a sentença estrangeira tenha julgado ação relativa a imóvel situado no Brasil, ou inventário e partilha de bens que se encontrem no território brasileiro” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. Cit., p. 139-140). 86 Vale lembrar que a lei, em sua redação original, utilizava o termo “situada”. A modificação legislativa de 2000 representou um aperfeiçoamento da redação do § 1º, com fins de aproximá-la da redação do art. 88, inc. I e parágrafo único do CPC. Neste sentido: “Desse modo, a empresa passa a ser domiciliada, situação que juridicamente tem mais peso e traduz maior estabilidade, do que a empresa situada, que pode decorrer de uma situação de transitoriedade” (ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Aplicação extra-territorial do direito da concorrência brasileiro. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, 2002, p. 82). 87 MARTINEZ, Ana Paula. Jurisdição Extraterritorial em Direito da Concorrência: Balanços e Perspectivas. In: Revista e Direito Internacional e Econômico. Rio de Janeiro: Síntese, a. II, n. 10, jan./mar. 2005, p. 84-85. 37   Todavia, filiamo-nos à corrente que compreende que a hipótese de competência do domicílio como critério ou elemento de conexão não é a única. A corrente concebe que os elementos de conexão utilizados para determinar a jurisdição, ou, mais propriamente, a competência judiciária brasileira em matéria de defesa da concorrência seriam mais de um88. Referidos critérios ou elementos de conexão seriam: o território, o domicílio e os efeitos. Ainda consoante essa segunda corrente, não seria necessária nenhuma condição para que o Cade exercesse sua competência judicial: poderiam ser julgadas pessoas jurídicas ainda que não houvesse sede da empresa no Brasil, e mesmo pessoas físicas. Bastaria, para tanto, que as condições para a jurisdição estivessem existentes e, quando do julgamento, fosse verificado se, de fato, a representada havia incorrido nas práticas previstas no art. 20 e incisos c/c com o art. 21 e incisos. E esse parece ter sido o entendimento pacífico reinante entre os órgãos do SBDC. Ao justificar nosso alinhamento a essa posição, lembramos também o que dispõe o art. 15 da Lei 8.884, de 1994, com idêntica redação no art. 31, da Lei no 12.529, de 2011, in verbis: Lei no 8.884, de 1994 “Art. 15. Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.” (Grifo nosso) Lei no 12.529, de 2011 “Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.” (Grifo nosso) Entendemos que os dispositivos supra não previram nenhuma condição, a contrario sensu, para a aplicação da lei brasileira. Assim, não exige o Legislador que estejam configuradas condições tais como a circunstância de as pessoas atingidas terem domicílio no Brasil, nem possuírem nacionalidade no Brasil89.                                                                                                                 88 Lembra FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 384 que “raramente as legislações antitruste lançam mão de apenas um desses critérios, sendo bastante comum sua conjugação”. 89 Nesse mesmo sentido, LIMA e SILVA, Valéria de Guimarães. Direito Antitruste – aspectos internacionais. Curitiba: Juruá, 2006, p. 341. 38   Importante lembrar que a mens legis foi prover o Estado com capacidade de exercer suas políticas públicas de defesa da concorrência e assegurar a justiça no caso concreto. Dada à economia crescentemente globalizada e a possibilidade de criação de efeitos plurilocalizados das infrações à ordem econômica, não parece plausível entender que empresa que tenha participado de conluio ou prática unilateral, com prejuízos de fato ou potencialidade de efeitos, veja-se livre de punição. O Estado não pode ser furtado de sua capacidade de proteção de sua estrutura econômica, tampouco das garantias de cidadãos. Quando uma empresa incorre em conduta de escopo internacional, ela estará, ao menos potencialmente, prejudicando o mercado doméstico de outros países implicados. Nesse cenário, acreditamos que os limites territoriais da soberania não podem servir de guarida para infratores que causam danos a agentes econômicos, além de milhares de consumidores90. Porém, parece que ainda nos ressentimos de parâmetros mais claros para medir esse efetivo dano. Ainda, interessa notar que, em se tratando de norma de colisão (i.e., aquelas que determinam a aplicação da lei brasileira no espaço a uma matéria de ordem pública), a competência judiciária não pode estar dissociada da competência legislativa. Por se tratar de norma de ordem pública, ao magistrado brasileiro compete aplicar tão-somente a lei brasileira. É o caso claramente do caput do art. 2o da Lei no 8.884, de 1994 (com redação idêntica na nova Lei no 12.529, de 2011), por meio do qual compete ao julgador nacional conhecer e julgar os atos de concentração e as condutas anticompetitivas à luz unicamente do direito concorrencial doméstico91. Para tanto, deverão ser observados os elementos de conexão existentes, os quais, como já referimos, incluem, todavia, não se restringem, ao                                                                                                                 90 “In the absence of legal impediments competitors would like to join together in the hope of eliminating competition among themselves, thereby restricting output and rising prices” (AREEDA, Phillip E.; KAPLOW, Louis K. Antitrust analysis, problems, text, cases. 4. ed. Boston: Little, Brown & Co., 1988, p. 188). 91 Não obstante empregar os termos “lei aplicável” e “jurisdição competente”, no lugar de “competência legislativa“ e “competência judiciária”, Paula A. Forgioni parece chegar à mesma conclusão: “Embora possa comportar desrespeito à tradicional doutrina do direito internacional, podemos afirmar que as leis antitruste, de modo geral, não utilizam a terminologia adequada, deixando de diferenciar, de forma clara, os institutos da lei aplicável e da jurisdição competente. Em se tratando de normas antitruste, considera-se, acima de tudo, seu caráter de ordem pública, não se podendo falar, portanto, em voluntária aplicação da lei estrangeira por uma corte a qualquer prática restritiva da concorrência. Não tem qualquer validade, também, as cláusulas da lei aplicável contratualmente ajustadas. O problema da lei aplicável a determina prática, consequentemente, acaba por confundir-se com a questão da jurisdição competente. Repise-se: em se tratando de antitruste, usa-se, geralmente, a expressão ‘lei aplicável’, como sinônimo de ‘alcance da jurisdição de um determinado país’. A Lei 8.884, ao estabelecer, no art. 2o, sua aplicabilidade ‘às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos’, determina, de fato, que o Brasil terá jurisdição sobre aqueles fatos. Em outras palavras, atrai para a competência das autoridades brasileiras (que passam a ter poder – ainda que concorrente – para julgar) todas as práticas que possam vir a afetar os interesses econômicos, sociais ou políticos do país. Jurisdição e lei aplicável, se confundem.” (FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 389-390). 39   domicílio. Abrangem, também, o território e os efeitos. Lembramos que o art. 88 do CPC contém rol enumerativo, razão pela qual outras hipóteses poderiam ser abarcadas. Diante do foco desta dissertação, deixamos de analisar em riqueza a discussão sobre os efeitos de natureza material da aplicação da lei e as condições de efetividade dessa hipótese de competência judicial. Estudamos o art. 2º da Lei no 8.884, 1994 e da Lei no 12.529, de 2011, somente na sua parte que pertine à produção de efeitos de natureza preponderantemente processual92. O § 2o do art. 2º da Lei no 8.884, de 1994, e o § 2o do art. 2º da nova Lei no 12.529, de 2011 (a qual promoveu pequenas alterações no mencionado dispositivo da Lei anterior) permitem que a parte, no processo, quando for empresa sediada no exterior, seja intimada de todos os atos processuais no Brasil por meio de sua filial, subsidiária ou qualquer outra emanação, a despeito, independente de serem partícipes da conduta investigada93. Acreditamos, nesse caso, que a regra deva ser entendida com base no disposto no art. 12, inc. VIII e § 3o, do CPC. Vejamos adiante: Código de Processo Civil “CAPÍTULO I DA CAPACIDADE PROCESSUAL Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...) VIII - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo único); (...) § 3o O gerente da filial ou agência presume-se autorizado, pela pessoa jurídica estrangeira, a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de execução, cautelar e especial. “ (Grifo nosso) Lei no 8.884, de 1994 (redação mantida pela Lei no 12.529, de 2011) “CAPÍTULO II Da Territorialidade Art. 2º Aplica-se esta lei, sem prejuízo de convenções e tratados de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos. Lei no 8.884, de 1994 Art. 2o (...)                                                                                                                 92 “O efeito, repita-se, é de natureza meramente processual, para permitir a citação válida da sociedade sediada no exterior, por meio da sua emanação no Brasil.” (MAGALHÃES, José Carlos. As leis da concorrência e a globalização - A Competência Extraterritorial do CADE. Estudos-Documentos do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos – CONJUR. São Paulo: Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, nov. de 2000, p. 376. 93 MAGALHÃES, José Carlos. Op. Cit., p. 367. 40   § 2o A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.” (Grifos inexistentes no original) Lei no 12.529, de 2011 Art. 2o (...) § 2o A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.” (Grifos inexistentes no original) Os parágrafos do art. 2º (das Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011) necessitam ser interpretados em conjunto. Haja vista a previsão do § 1o do dispositivo de que estão domiciliadas no Brasil empresas estrangeiras que operem ou possuam, no Brasil, filial, agência, sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante, o § 2o do referido dispositivo confere poderes executivos às autoridades do SBDC, para notificar e intimar de todos os atos processuais tais empresas estrangeiras entendidas como domiciliadas no território nacional. Nesse particular, importante anotar que a nova Lei que entrará em vigor em 29 de maio de 2012 (Lei no 12.529, de 2011) promoveu aperfeiçoamentos na redação do § 2o do art. 2º, tal como redigido na Lei no 8.884, de 1994, após a alteração legislativa de 2000. O Legislador incluiu na nova redação a expressão “previstos nesta Lei”, deixando claro que os poderes para a notificação e intimação se referirão a todos os atos processuais previstos na Lei de Defesa da Concorrência. Mais importante, o Legislador acrescentou a expressão “na pessoa do agente ou representante”. Ao fazê-lo, supre lacuna da legislação anterior, que continha dissonâncias entre as redações dos §§ 1º e 2º. Ao passo em que o § 1º do art. 2º da Lei no 8.884, de 1994, abarcava as figuras de “agente ou representante”, o § 2º do art. 2º da Lei no 8.884, de 1994, omitia tais figuras. Com a edição da nova Lei no 12.529, de 2011, a nova redação do § 2º do art. 2º da supera tal deficiência. Entendemos, então, que a competência disciplinada no § 2o do art. 2º (das Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011), em conjunto com o dispositivo do § 1o do art. 2º (das Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011), é a competência executiva. Com fundamento na conjunção dos dois parágrafos, conferem-se às autoridades do SBDC os poderes para executar e coagir, mais propriamente, para promover a notificação e a intimação. Um ponto a saber é 41   se essa competência executiva restringe-se apenas ao território nacional, ou se pode ser aplicada extraterritorialmente. Retornaremos a esse tema em ocasião futura Oportuno incluir ressalva de que tanto o art. 83 da Lei no 8.884, de 1994, como o art. 115, da nova Lei no 12.529, de 2011, preveem a aplicação subsidiária do CPC aos processos administrativos no âmbito do SBDC. Com base nessa previsão, seria bastante razoável pressupor a dispensabilidade das disposições legais dos §§ 1o e 2o do art. 2o da Lei no 8.884, de 1994, bem como §§ 1o e 2o do art. 2o da Lei no 12.529, de 2011, respectivamente. No entanto, para extirpar qualquer dúvida, o Legislador optou por incluir previsão expressa na legislação antitruste, conforme expresso na Exposição de Motivos da Medida Provisória no 2.055-1, de 200094, que incluiu os referidos dispositivos à redação original do art. 2o da Lei no 8.884, de 1994. Assim, o Legislador definiu que a empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais na pessoa do responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil, ou agente ou representante, não necessitando de um documento que a autorize para tanto, como uma procuração ou disposição contratual ou estatutária. A mens legis foi reproduzir a regra do art. 12 do CPC, que permite que o gerente de filial ou agência receba citações iniciais, presumindo-se autorizado para tanto, independentemente de documento que o outorgue poderes para tal 95 96.                                                                                                                 94 “(...) não obstante a consistência dessa exegese, SDE e SEAE reconhecem a conveniência de que tal comando esteja claramente descrito em lei, de modo a afastar interpretações contrárias e conferir maior segurança jurídica ao processo administrativo" (BRASIL. Congresso Nacional. Exposição de Motivos da Medida Provisória no 2.055-1, de 2000. Diários do Congresso Nacional. Brasília: Imprensa Nacional, 10 de outubro de 2000, p. 22.725). Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 95 Lembramos ademais que a regra também está em linha com a disciplina do art. 26, § 4o, da Lei nº 8.884, de 1994, bem como com a do art. 33 da nova Lei no 12.529, de 2011. Segundo a disciplina de tais dispositivos, ainda que entes econômicos tenham personalidade jurídica distinta, devem responder solidariamente. Assim, ponderamos acabam por funcionar como uma espécie de Grupo Econômico, para fins de aplicação antitruste, pela sua unidade de interesses. A respeito, escreve Valéria Magalhães de Lima e Silva: “ (...) a consideraçãoo do grupo de empresas para fins de determinação da jurisdiçãoo pessoal da Lei 8.884/94 – grupo este estabelecido a partir da adoção de comportamentos conjugados e voltados a uma finalidade comum – prevalece acima de quaisquer separações jurídico-formais existentes entre as empresas que o integram e já é uma realidade para as autoridades administrativas brasileiras, que aplicam aquela concepçãoo reiteradamente em suas decisões. Afinal, como afimra Calixto Salomão Filho, ‘no direito concorrencial, muito mais que no direito societário, é necessários ter em consideraçãoo a realidade econômica, e não as formas jurídicas’.” A autora ainda lembra que mesmo entendimento favorável à responsabilização de uma empresa brasileira 42   No entanto, vale anotar que, diferentemente do § 3o do art. 12 do CPC, o § 2o do art. 2º (tanto da Lei no 8.884, de 1994, como da Lei no 12.529, de 2011), menciona apenas que a empresa será “notificada e intimada” de todos os atos processuais, haja vista ser essas as duas medidas de impulso processual previstas aos órgãos do SBDC. Dessa forma, a regra facilitaria a condução de processos no país e a posterior execução da decisão administrativa. Segundo o raciocínio, evitar-se-ia, em um primeiro momento, a necessidade de carta rogatória para a notificação e a intimação; e, em um segundo, facilitaria a execução da sentença. Portanto, este parágrafo refere-se à competência executiva da jurisdição brasileira, ou, no caso, seu imperium, pois define que tem poder para executar atos, mesmo para citar, por uma abstração jurídica, pessoa sediada no estrangeiro, por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento, escritório, agente ou representante no Brasil. 1.3 DA NOTIFICAÇÃO POSTAL NO EXTERIOR COM BASE O ART. 2º DA LEI No 8.884, DE 1994 (E DO ART. 2O DA LEI NO 12.529, DE 2011) Parece ser cada vez mais frequente a exigência de cumprimento de medidas de mero impulso processual no bojo de processos para investigação e julgamento de infrações à ordem econômica. A tendência, em especial, intensifica-se com o foco privilegiado em persecução a hard core cartels, em grande parte arquitetados globalmente. A investigação de cartéis internacionais carreia a necessidade não só de se notificarem estrangeiros ou pessoas situadas no estrangeiro, mas também de se realizarem outras medidas no estrangeiro, como obtenção de informações e realização de busca e apreensão conjuntas. Conforme já vimos, por meio do art. 2º, § 2º (tanto da Lei no 8.884, de 1994, como da Lei no 12.529, de 2011) é possível notificar pessoa jurídica na pessoa de responsável no Brasil, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária que conferira tais poderes. Contudo, quando a pessoa a ser notificada não esteja localizada no país, seja por se tratar de pessoa jurídica que não possua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório no Brasil; ou, em especial, quando se tratar de pessoa física97                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           integrante de um grupo econômico estrangeiro pela obrigação de outra empresa do grupo domiciliada no exterior foi aplicada pelo STJ no Caso Panasonic. Veja LIMA E SILVA, Valéria Guimarães de. Direito Antitruste – aspectos internacionais. Curitiba: Juruá, 2006, p. 346-347. 96 Segundo Schlosser, a lógica legislativa é reproduzida também em outras jurisdições e baseia-se na Seção 12 da Clayton Act. Assim, traduziria uma tradição de países do Common Law. (SCHLOSSER, Peter. Jurisdiction and International Judicial and Administrative Co-operation. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 284, 2001, p. 90).   97 Arts. 20 e 21 da Lei nº 8.884, 1994; e art. 36 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. 43   localizada no estrangeiro, necessitar-se-ia buscar a execução da medida em jurisdição estrangeira. As medidas de impulso processual, tal como a notificação de pessoas, físicas ou jurídicas, no estrangeiro, deverão ser regularmente realizadas. Somente desse modo, podem ser afirmadas as garantias processuais essenciais, tais como o princípio do devido processo legal98. A visão de que tal medida seria relativamente banal seria de todo enganosa: ao contrário, seu cumprimento é essencial ao êxito do processo. A notificação, após instaurado o processo administrativo, prevista no art. 33 da Lei nº 8.884/1994, e no art. 70, da nova Lei no 12.529, de 2011, poderia ter equivalência na citação99. É tal notificação que instaura o processo e possibilita que o representado tome ciência dos fatos a serem apurados e a ele imputados. Permite que constitua advogado e se defenda na sede administrativa ou judicial                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 98 “Finalmente, no âmbito interno, o exercício da competência internacional das autoridades brasileiras encontrase sujeito, dentre outros, à observância do princípio do devido processo legal. Esse princípio assegura às partes o direito de serem devidamente notificadas quanto à existência do processo contra elas interposto e de terem uma oportunidade justa de nele se apresentarem e se defenderem.” (LIMA E SILVA, Valéria Guimarães de. Direito Antitruste – aspectos internacionais. Curitiba: Juruá, 2006, p. 354). 99 A notificação está, para o processo administrativo, assim como a citação, para o processo judicial. Em que pese o processo administrativo seja regido por maior informalidade, ainda assim as garantias estabelecidas na Constituição Federal devem ser asseguradas. Nesse particular, recorremos ao mestre Enrico Tullio Liebman (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Com notas de Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: José Bushatski, 1976, p. 180), quando trata da relevância da citação do réu. Segundo Liebman, “o primeiro e fundamental requisito para a existência de um processo foi, é, e sempre será a citação do réu, para que possa ser ouvido em suas defesas. Audiatur et altera pars. É com a citação que se instaura o processo. Sem esse ato essencial, não há verdadeiramente um processo, nem pode valer a sentença que vai ser proferida. Um cidadão não pode ser posto em face de uma sentença que o condena, quando não teve oportunidade de se defender. Sempre foi assim e façamos votos para que sempre assim seja.” Outrossim, há de se registrar que o direito à citação integra os direitos fundamentais (por sua relevância na dimensão democrática do processo) e, de certa forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (que, em seu artigo 10, prevê que o Estado deve reconhecer aos seus habitantes o direito de “ser ouvido publicamente e com justiça por um tribunal independente e imparcial”). Nesse sentido, ver também: ARAGÃO, E.D. Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil, v. II. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 206. 99 Arts. 32 e 33 da Lei no 8.884, de 1994; bem como os arts. 69 e 70 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 44   apropriada100. A notificação poderá produzir o efeito de tornar o representado revel, consequentemente, confesso quanto à matéria de fato, sem direito à repetição do ato já praticado101. Deve ser realizada de modo regular, caso contrário, seu efeito será possibilitar a nulidade de todo o processo. Sem que o chamamento ao processo seja válido, todos os atos, a partir dele produzidos, poderão ser invalidados. O cumprimento da notificação é, portanto, crucial. Como passamos a defender nesta dissertação, parece-nos ser validamente possível que a execução dos atos de impulso processual pelas autoridades de defesa da concorrência se dê por via postal direta. Sua validade dependerá das circunstâncias de fato e de direito envolvidas, como analisamos a seguir. Conforme já referido, o art. 2º disciplina acerca da solução unilateral102. Com susbtrato no dispositivo, são conferidos amplos poderes às autoridades de defesa da concorrência, abrangendo tanto competências judiciais, como executivas. Apesar de críticas comumentemente desferidas à solução, acreditamos que ela não deve ser compreendida como per se negativa. Acreditamos que o unilateralismo somente deve ser solução evitada quando compreendida como uma infringência à soberania, autodeterminação e jurisdição territorial deste outro Estado em cujo território se produzirá o ato ou medida. Para tanto, a lei ou a jurisprudência deste Estado necessitaria negar expressamente a possibilidade de execução. Essa não seria a situação com referência a todos os atos e medidas executados por uma jurisdição em território de outra soberania. A notificação com base no art. 2º, § 2º, ilustra bem isso. A execução da medida, mesmo que realizada em território brasileiro, poderia ser compreendida pelo Estado estrangeiro, em especial, naquele onde a pessoa jurídica notificada possui sede, como uma aplicação da jurisdição extraterritorial. Mas esse não parece ser o caso, e as jurisdições no exterior não têm realizado reclamações, até onde se sabe, quanto à produção dos efeitos de tal ato. Outro exemplo emblemático de práticas internacionais que são aceitáveis como válidas pelas nações, correspondem à citação ou notificação pela via postal direta. Em muitos países, a legislação doméstica e/ou sua jurisprudência entende que esses atos, quando produzidos por Estado estrangeiro, poderão ser válidos ou, ao menos, suas leis não negam essa possibilidade. A Convenção de Haia de 1965, relativa à citação e à notificação no                                                                                                                 100 Arts. 32 e 33 da Lei no 8.884, de 1994; assim como os arts. 69 e 70 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja Idem, ibidem. 101 Arts. 34 da Lei no 8.884, de 1994; e art. 71 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja Idem, ibidem. 102 JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 33-148. 45   estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial103 104, por exemplo, permite a possibilidade em seu art. 10.a105. Caso os países não apresentem objeção ao dispositivo, a via postal direta seria permitida106. No caso brasileiro, acreditamos que essa poderia ser uma solução factível e lícita para as autoridades de defesa da concorrência. Facultando a lei, pelo art. 2º da Lei nº 8.884, 1994, bem como pelo art. 2o da nova Lei no 12.529, de 2011, uma potestade extraterritorial, não haveria infringência a normas de Direito Internacional, eventual execução de atos em jurisdição estrangeira. Tal exercício seria válido desde que a forma fosse compatível com o direito interno do Estado onde os efeitos do ato fossem produzidos, ou seja, caso admitido pela jurisdição estrangeira, explícita ou tacitamente. O art. 2º, § 2º, vem sendo hoje utilizado pelas autoridades do SBDC sobremaneira para notificar empresas estrangeiras entendidas como domiciliadas no território nacional. No entanto, propomos aqui um uso do dispositivo que, até onde sabemos, ainda não é explorado pelos mesmos órgãos. Para facilitar tal notificação, acreditamos que pode ser usado o Serviço Internacional de Correio Expresso (International Express Mail Service, doravante “EMS”). O EMS constitui um serviço postal especial oferecido pelo serviço postal oficial de alguns países, com qualidade atestada pela União Postal Universal – UPU. O Brasil é integrante da UPU, cuja Convenção e alguns protocolos foram ratificados pela ordem jurídica pátria. Conforme o art. 1.1 dessa Convenção, os Estados partes se consideram como conformando um território postal único e, em seu art. 1.2, há a previsão de “colaboração internacional” na                                                                                                                 103 10A SESSÃO DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, de 15 de novembro de 1965. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 104 “A Convenção de Haia sobre Citação no Exterior e Entrega de Documentos Judiciais em Matéria Civil e Comercial, de 1965, objetiva três aspirações básicas: em primeiro lugar, busca simplificar as formas para notificação, citações e entrega de documentos oficiais no exterior, de modo a garantir ao réu pleno conhecimento do processo e seus termos e, ao autor, a integridade jurídica do procedimento judicial. Em segundo lugar, a Convenção de Haia preocupa-se em assegurar ao réu, ou ao receptor da notificação ou documento oficial, o tempo suficiente para preparar sua defesa ou apresentar resposta ao pedido que lhe venha do exterior. Finalmente, objetiva a Convenção estabelecer um meio inconteste de provar-se que a citação foi efetivamente cumprida.”. In: HUCK, Hermes Marcelo; SILVA FILHO, Antonio Carlos Monteiro da. A Citação por Carta Rogatória. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; HUCK, Hermes Marcelo; CASELLA, Paulo Borba (Coord.). Direito e Comércio Internacional: Tendências e Perspectivas. Estudos em homenagem ao Prof. Irineu Strenger. São Paulo: LTr. 1994, p. 151. 105 “Artigo 10o. Se o Estado destinatário nada declarar, a presente Convenção não obsta: a) À faculdade de remeter directamente, por via postal, actos judiciais às pessoas que se encontrem no estrangeiro;”. Em: 10A SESSÃO DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. Op. cit. 106 Entre os países e territórios que explicitamente expressaram aceitar a citação ou a notificação pela via postal perante a Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, estão países como Austrália, Canadá, Chipre e Estados Unidos da América. Já entre os países e território que expressaram rejeitar a via perante a Conferência, citamos como exemplo Argentina, Bélgica, China, Croácia, Egito e República Tcheca. A informação pode ser obtida no sítio eletrônico da Conferência, no quadro de status de reservas, declarações e notificações. Em: . Acesso em: 20 de janeiro de 2012. 46   área. O arcabouço legislativo, como aqui defendemos, fornece a base legal para tal espécie de assistência107 direta administrativa. No caso, a notificação deverá conter os elementos exigidos pela legislação pertinente. No caso da notificação inicial empreendida pelas autoridades do SBDC, esta deverá logo ser acompanhada da manifestação da Secretaria de Direito Econômico - SDE do Ministério da Justiça. Tal manifestação consiste da nota técnica produzida pelo Departamento de Proteção e Defesa Econômica – DPDE da SDE e o despacho fundamentado do Secretário de Direito Econômico, determinando, com publicação no DOU, a instauração do processo. A nota técnica é a peça vestibular e assim deve ter exposição clara e precisa de presuntivamente delituoso, com todas as suas circunstancias; qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo e a classificação de arguida infração à ordem econômica, de forma a explicitar os fundamentos jurídicos do pedido, que constituem a causa de pedir do DPDE. Assim, entendemos que a peça vestibular se aproxima a uma espécie de “denúncia”. Para a certificação do correto envio e recebimento da comunicação postal ao seu destinatário, seria igualmente prudente a utilização do serviço de registro disponível por empresas nacionais partes da EMS creditadas pela UPU108. Tais registros assegurariam a                                                                                                                 107 Esclarecemos que nesta dissertação empregamos o termo “assistência” ora como sinônimo de “cooperação” – como no caso da frase supra anotada -, ora para indicar a medida provida por meio de pedido de cooperação internacional. 108 O Brasil já promulgou a Convenção Postal Universal e o Regulamento Geral da União Postal Universal por meio do Decreto nº 84.774, de 1980. Ademais promulgou alguns Protocolos Adicionais por meio igualmente do Decreto nº 84.774, de 1980, além do Decreto nº 285, de 2008; e do Decreto nº 265, de 2008. O Brasil já aprovou - mais ainda não ratificou - outros documentos. Referidos documentos foram aprovados pelo Decreto Legislativo nº 04, de 1985; Decreto Legislativo nº 86, de 1995 e Decreto Legislativo nº 119, de 1995. In: BRASIL. Decreto nº 84.774, de 6 de junho de 1980. Promulga o Segundo Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, o Regulamento Geral da União Postal Universal e a Convenção Postal Universal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; Idem. BRASIL. Decreto Legislativo nº 285, de 18 de setembro de 2008. Aprova o texto dos Atos da União Postal Universal - UPU, concluídos em Beijing, em 15 de setembro de 1999, a seguir relacionados: Sexto Protocolo Adicional à Constituição da União Postal Universal, Regulamento Geral da União Postal Universal, Convenção Postal Universal e Protocolo Final e Acordo Referente aos Serviços de Pagamento do Correio. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; Idem. Decreto Legislativo nº 04, de 02 de maio de 1995. Aprova o texto do Segundo Protocolo Adicional à Constituição da União Postal das Américas e Espanha (UPAE), assinado em Manágua, a 28 de agosto de 1981. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; Idem. Decreto Legislativo nº 86, de 12 de junho de 1995. Aprova os textos do Acordo referente aos Vales Postais e do Acordo referente aos objetos Contra-Reembolso, que são os Atos Opcionais emanados do XX Congresso da União Postal Universal (UPU), realizado em Washington, em dezembro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto Legislativo nº 119, de 28 de setembro de 1995. Aprova os textos do Quarto Protocolo Adicional Modificativo da Constituição da União Postal Universal (UPU) e do Regulamento Geral da UPU, firmados pelo Brasil durante o XX Congresso da UPU, realizado em Washington, em dezembro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 47   autenticidade do aviso de recebimento. A autenticidade é um dos requisitos para que o ato produzido no estrangeiro seja válido, como veremos nos capítulos seguintes. Já a legalidade do processo (outro requisito para a validade do ato produzido) de notificação restará assegurada pela aceitação em ambos os diplomas legais: no Estado emissor e no Estado onde a pessoa há de ser notificada. No caso brasileiro, a legalidade, como defendemos, está prevista na potestade extraterritorial consagrada no art. 2º da Lei no 8.884, de 1994, bem como pelo art. 2o, da nova Lei no 12.529, de 2011. A notificação inicial do representado deverá ser feita pelo correio e retornar com Aviso de Recebimento - AR em nome próprio109. No caso de uma notificação internacional, defendemos que tal determinação legal será assegura se cumprida a notificação com a contratação do serviço de correio registrado do EMS.                                                                                                                 109 Art. 33, § 2º, da Lei no 8.884, 1994, e art. 70, § 2o, da nova Lei no 12.529, de 2011; c/c art. 10, § 2o, da Portaria MJ no 456, de 2010. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Regulamenta as diversas espécies de processos administrativos previstos na Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, com a redação dada pela Lei nº 9.021, de 30 de março de 1995, Lei nº 9.470, de 10 de julho de 1997, pela Lei nº 10.149, de 21 de dezembro de 2000, e pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, para apuração, prevenção e repressão de infrações contra a ordem econômica, no âmbito da Secretaria de Direito Econômico, e revoga a Portaria MJ nº 4, de 5 de janeiro de 2006. Portaria nº 456, de 15 de março de 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 48   2 A APLICABILIDADE DE MECANISMOS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA Feitas as distinções terminológicas mínimas para o desenvolvimento desta dissertação e analisado o art. 2o, caput, §§ 1o e 2º (das Leis nos. 8.884, de 1994, e 12.529, de 2011), cabenos, a seguir, debater acerca da cooperação internacional. Esclarecemos que o termo “cooperação”, no sentido que é aqui usado, relaciona-se ao exercício de competências executivas ou administrativas. A cooperação aqui estudada é a stricto sensu. Não se confunde, logo, com a cooperação em sentido “latíssimo” e “lato”110. Ademais, temos como foco privilegiado desta dissertação o provimento de eficácia (enforcement) não de decisões de mérito, sim de busca no estrangeiro da eficácia de medidas de mero impulso processual, produção de provas e medidas acautelatórias. Conforme já aclaramos na introdução, deixaremos de analisar eventuais assistências para processos de análise de ato de concentração, eis que o estudo de suas peculiaridades escaparia ao escopo desta dissertação. Independentemente de quaisquer juízos valorativos sobre a aplicação da legislação de defesa da concorrência extraterritorial, lembramos dos desafios que tal aplicação implica. O exercício da jurisdição extraterritorial encontra limitações tanto no plano jurídico e das relações internacionais, como no plano prático. No plano jurídico, a possibilidade de o julgador brasileiro conhecer e julgar acerca de elementos fora do seu território impõe às autoridades públicas a necessidade, v.g., de notificar pessoas no estrangeiro e investigar condutas anticompetitivas envolvendo elementos em mais de uma jurisdição. A cooperação seria um modo, como defendemos, de possibilitar que tais necessidades sejam supridas, de forma a assegurar o respeito aos limites de atuação jurisdicional de cada Estado, evitar conflitos entre Estados soberanos e, enfim, tornar efetiva a justiça no caso concreto. Defendemos aqui que a cooperação internacional poderia fornecer soluções a muitas dessas questões. Se o exercício direto da jurisdição extraterritorial, potencialmente, pode gerar constrangimentos frente a Estado estrangeiro, a cooperação seria uma solução compreensiva,                                                                                                                 110 SOARES, Guido F. S. As ONGS e o Direito Internacional do Meio Ambiente. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 17, a. 5, jan./mar. 2000, p. 21-22. O autor diferencia a cooperação internacional em “latíssimo sensu” e em “lato sensu”. SOARES identifica a cooperação “latíssimo sensu” a um novo conteúdo do Direito Internacional, em oposição à sua concepção clássica, de um direito de abstenção, por parte dos Estados. Afirma que as normas criadoras de deveres de cooperação “latíssimo sensu” são mais numerosas e detalhadas, em oposição às regras mínimas de direito de abstenção. Já a cooperação “lato sensu” remeteria às ações conjuntas levadas a cabo, com vistas a um determinado fim, como a integração econômica regional e a cooperação técnica internacional. 49   que garantiria o exercício da jurisdição, sempre quando necessário produzir uma medida fora do território, bem como tornaria efetiva decisões e ordens (interlocutórias) expedidas nos limites territoriais da jurisdição de outro Estado. Evitaria os inconvenientes que o exercício da jurisdição direta e desprovida de prévia autorização das autoridades estrangeiras possa eventualmente carrear. Por ser princípio de Direito Internacional Público que nenhum Estado poderia exercer jurisdição sobre território de outro sem sua autorização, é que a cooperação se faz tão importante, sendo preciso “recorrer a normas de caráter específico, para garantir a rapidez e eficácia do trânsito dos requerimentos internacionais de atos processuais e jurisdicionais”.111 A cooperação internacional seria o contrafactual do exercício de jurisdição extraterritorial sem autorização do Estado estrangeiro. Representa a solicitação encaminhada ao estrangeiro pela autoridade doméstica toda vez que, para o êxito de investigação, persecução ou julgamento, faça-se necessária a execução de medida sobre elemento que se encontra fora das fronteiras nacionais. Segundo uma terminologia consagrada, a cooperação, sob o ponto de vista do Estado Brasileiro, é dita ativa quando o Brasil é requerente, e passiva, quando é o Estado requerido. O Estado requerente formulará um pedido a outro Estado, denominado requerido, tendo como objeto a prestação da assistência para a prática de atos no território deste último. O consentimento em face da solicitação constitui a regra norteadora da cooperação112 e tem como pressuposto o respeito à soberania estatal. A cooperação internacional é assim uma solução compreensiva. Para maior eficácia das ações de combate a condutas anticompetitivas, seria desejável assim no País a adoção de mecanismos mais céleres, previsíveis e eficazes. Dada à realidade atual, quando não se registram no Brasil, tratados113 ou convenções internacionais                                                                                                                 111 ARAUJO, Nadia de. Cooperação judiciária internacional e Mercosul: razões de sua existência e analise das cartas rogatórias de caráter executório. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público. Rio de Janeiro: América Jurídica, v. XVIII, 2005, p. 295. 112 Nesse sentido: LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 293. A autora esclarece que, mesmo no âmbito da União Europeia, que possui o modelo mais avançado no mundo de sistema de cooperação jurídica internacional, a necessidade de consentimento do Estado requerido ainda constitui a regra. 113 As definições para convenção, tratado e acordo são das mais diversas. Não por outra razão, é de se esclarecer que, ao longo deste trabalho, utilizamos como sinônimos os vocábulos acordo internacional e tratado. Destoamos assim de doutrinadores e legisladores que compreendem que acordo seria modalidade com menor grau de coercitividade do que o tratado (embora não desmereçamos o eventual mérito de tal classificação). Ademais, acordo internacional e tratado serão entendidos como gênero, do qual as convenções são espécies. Ou seja, convenção é entendida como o acordo/tratado de ordem multilateral, envolvendo uma pluralidade de Estados parte. 50   de cooperação jurídica nos moldes clássicos específicos à matéria de concorrência, parece então plausível buscar modos de aprimorar tais mecanismos. A cooperação jurídica é composta, no Brasil, de cinco espécies: a extradição, a homologação de sentença estrangeira, a transferência de apenados, a carta rogatória e o auxílio direto114. A matéria está disciplinada no Brasil por meio de diplomas legais diversos: nos arts. 4º, 105 e 109, bem como, a contrario sensu, no art. 181 da Constituição Federal; na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, na Lei no 6.815, de 1980 (Estatuto do Estrangeiro), a contrario sensu, na Lei no 9.474, de 1997 (Estatuto do Refugiado) e nos tratados firmados pelo Brasil no tema. A ausência de código compreensivo de cooperação jurídica internacional, em contraste a uma fragmentada normativa em dispositivos de lei doméstica e uma miríade de tratados e convenções incorporados no Brasil a respeito, bem ilustra, nas palavras da Profa. Dra. Claudia Lima Marques, a nova pluralidade115 das fontes com o qual lida o direito processual internacional na atualidade. Para a análise que pretendemos, neste capítulo, delineamos preliminarmente um panorama acerca da cooperação jurídica ou formal. Dessa maneira, a distinguimos da cooperação informal. Ainda preliminarmente, entendemos relevante estudar a lex diligentiae. Dada à relevância do princípio, sua adequada compreensão é um pressuposto para o desenvolvimento de demais ideias sobre cooperação na presente dissertação. A seguir, investigaremos a aplicabilidade dos mecanismos de cooperação jurídica a infrações à defesa econômica. Analisaremos duas alternativas dentro da cooperação jurídica. Primeiramente, o uso do tradicional mecanismo da carta rogatória não penal. Após, o foco residirá no novo mecanismo do auxílio direto em matéria penal. Conferiremos tratamento privilegiado à hipótese do auxílio direto em matéria penal: como é mecanismo relativamente novo, naturalmente requer exame mais atento. Como já explicamos na introdução, não tratamos de                                                                                                                 114 A transferência de processos é também uma espécie de cooperação. Modalidade aceita em outras jurisdições, em especial no âmbito da integração europeia, contudo não é aceita no ordenamento jurídico pátrio. Ver: LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009. 115 A característica dos sistemas jurídicos contemporâneos é identificada por Claudia Lima Marques, em trabalhos que lidam, especificamente, com a matéria no ramo civil. Ver MARQUES, Claudia Lima. Procédure civile internationale et Mercosur: pour un dialogue des règles universelles et régionales. In: Revue du Droit Uniforme. Roma: Unidroit, v. 1, 2003, p. 465-484; Idem. Conflitos de convenções de processo civil internacional: por um diálogo das fontes universais e regionais nos países do Mercosul. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 33-57; e Idem. Ensaio para uma introdução ao Direito Internacional Privado. In: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto; DIREITO, Carlos Alberto Menezes; PEREIRA, Antonio Celso Alves (Coord.). Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 321-322. 51   outros mecanismos aplicáveis, como a extradição, a homologação de sentença estrangeira e a transferência de apenados. Igualmente, deixamos de analisar a possibilidade do auxílio direto em matéria civil e a carta rogatória em matéria penal. 2.1 A COOPERAÇÃO FORMAL E A COOPERAÇÃO JURÍDICA: ALGUMAS ANOTAÇÕES Comumente, os termos cooperação jurídica e cooperação formal são tidos como sinônimo. Examinemos isso mais atentamente. A cooperação é formal quando segue forma pré-determinada e requisitos exigidos no Estado requerido. O conceito relaciona-se, portanto, essencialmente a certo formalismo a ser obedecido. Será essa obediência que dará validade à medida produzida e produzirá a eficácia desejada. O adjetivo formal é empregado em contraposição ao informal116. Logo, a cooperação nos moldes aqui retratada visa estabelecer uma dicotomia com a assistência provida de modo flexível, sem formalismos ou requisitos rigorosos a serem cumpridos pelas autoridades requerentes e requerida (cooperação informal). A ausência de obediência a formalismos e requisitos, a depender do caso, poderá ter como consequência a não validade da medida cumprida e a produção da eficácia desejada. Por esse motivo, na maioria das vezes, prestamse à atividades de inteligência. Em Língua Inglesa, a cooperação é adjetivada como legal (legal) (ou seja, legal assistance ou legal cooperation). O termo legal aponta com maior clareza para o conceito de uma assistência prestada em conformidade com o Direito, ou seja, de acordo com os requisitos legais. A observância a formalidades e requisitos pré-definidos na assistência internacional tem como consequência a obtenção de processo de cooperação dotado de legalidade. Sobre cooperação formal, escreve Carolina Yumi de Souza117: “A cooperação formal tem lugar quando é necessária a institucionalização da via escolhida ou para garantir a validade da prova a ser produzida ou do ato a ser executado ou, ainda, quando se faz necessária a intervenção judicial para                                                                                                                 116 O termo jurídico também se refere a mesma distinção. Nesse sentido, escreve Solange Mendes de SOUZA: “É que jurisdicional, judiciário ou judicial se prendem exclusivamente ao campo de atuação do Poder Judiciário, ao passo que jurídico refere-se ao que é regular, legal, conforme a lei” (SOUZA, Solange Mendes de. Cooperação Jurídica Penal no MERCOSUL: Novas Possibilidades. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 135). 117 SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 307. 52   sua execução. Em matéria penal, os instrumentos mais comumente utilizados são o auxílio direto e a carta rogatória.” (Grifo nosso) Isto posto, o formalismo envolto na cooperação formal visa basicamente contemplar duas finalidades: (i) conferir autenticidade e legalidade aos documentos e informações obtidos por meio da cooperação. Por essa razão, a via deverá ser institucionalizada. Os modos de institucionalização da via que asseguram tal fim são aqueles previstos nas Convenções de Haia. Logo, o trâmite poderá ser mediante as vias consulares, as vias diplomáticas, ou, a mais moderna, as Autoridades Centrais118 119 120. Entretanto, outras hipóteses cabíveis não são excluídas.                                                                                                                 118 A Autoridade Central é um modelo concebido na Conferência de Haia sobre “Reconhecimento e notificação de atos no estrangeiro em matéria civil e comercial”, de 1965. Criou-se, então, um órgão técnico-administrativo nacional, não-jurisdicional, que zelaria pelo fiel cumprimento do tratado e coordenaria seus trabalhos. Ademais, a designação da entidade responsável em cada Estado – normalmente no âmbito do Poder Executivo - facilitaria a comunicação entre autoridades nacionais relacionadas e asseguraria fluidez aos trâmites necessários. A partir dessa pioneira Convenção, a previsão da Autoridade Central difundiu-se para as demais Convenções de Haia; bem como foi adotada em outras relevantes Convenções, tais como a Convenção de Londres de 1968, de Brasília de 1972 sobre informações de direito estrangeiro e as Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado - CIDIPs - desde 1975 no Panamá até os dias atuais. A via das Autoridades Centrais foi paulatinamente substituindo, em parcial ou completo, as tradicionais vias diplomáticas da cooperação. Nesse sentido: COZZI, Carlos Alvarez. Autoridad Central: Nueva via de cooperacíon jurídica internacional. Montevideo: Associados, 1992, p. 10 et seq. 119 “Legalización. Por medio de la misma se acredita tanto la procedencia oficial del documento, cuanto su autenticidad, por ser funcionario público conocido del otorgante el que lo subscribe y por ser verdadera la firma que ostenta. En el derecho continental la legalización es excluida, como ya se señalado, por los modernos textos interamericanos respecto a los exhortos transmitidos via diplomática o consular o viá Autoridad Central.” (BERGMAN, Tellechea. La cooperación jurisdiccional internacional entre los Estados partes del Mercousur. In: Revista Derecho del Mercosur. Buenos Aires: La Ley SAEeI, n. 1, fev. 1998, p. 66). Nesse sentido, ainda: CAPATINA, Octavian. L’entraide Judiciaire Internationale en Matière Civile et Commerciale. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1984, p. 319. Ainda nessa linha: ARAUJO, Nadia de; SALLES, Carlos Alberto e ALMEIDA, Ricardo R. Cooperação Interjurisdicional no Mercosul. Cartas Rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras e laudos arbitrais e informação do direito estrangeiro. In: BASSO, Maristela (Org.). Mercosul, seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 498. 120 “O trâmite por autoridades centrais também se destina a legalizar o processo da cooperação internacional, conferindo veracidade aos pedidos e autenticidade aos documentos que os acompanham, dispensando a necessidade de tradução juramentada e da extração de cópias autenticadas” (SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 307). Acrescenta ainda a Autora: “Esse entendimento é pacífico em nossos tribunais. Ver: a) ‘Agravo regimental. Carta rogatória. Autenticidade de documentos. Tradução. Instrução. Ausência de documentos. Diligência. Infere-se a autenticidade dos documentos que instruem a carta rogatória vinda pela via diplomática ou pela autoridade central, a despeito de a tradução ter sido feita na origem. Negar a presunção de autenticidade de documentos com trânsito no Ministério da Justiça é colocar em suspeita a lisura do órgão do Poder Público brasileiro competente para processar os intentos rogatórios. Há de ser dada oportunidade ao país rogante, por meio de sua Embaixada, para suprir eventual falha material na apresentação das cartas rogatórias. Agravo regimental improvido.’ (STJ, Especial, AgRg na Carta Rogatória 1.000 - 2005/0115459-2, rel. Min. Barros Monteiro, j. 07.06.2006); b) ‘(...) Art. 6.º. Quando as cartas rogatórias forem transmitidas por via consular ou diplomática, ou por intermédio da autoridade central, será desnecessário o requisito da legalização. Não é outro o entendimento firmado pela jurisprudência desta Corte. Nos Embargos na Carta Rogatória 4.059, restou consignado: 3. Tratando-se de comissão rogatória, o trânsito pela via diplomática, modalidade, aliás, usual de tal espécie, confere autenticidade 53   (ii) garantir a validade da medida produzida. Por esse motivo, estas hão de ser produzidas conforme os requisitos legais do Estado requerido. A necessidade de intervenção ou autorização judicial para a produção de atos ou provas poderia eventualmente estar entre os requisitos legais exigidos. Para tanto, ter-se-ia de averiguar a medida solicitada e a fase em que se encontraria o procedimento ou o processo original. No entanto, a necessidade de intervenção ou autorização judicial não seria uma conditio sine qua non: teria de ser averiguado o caso concreto. De qualquer forma, será a observância dos requisitos legais que assegurará a legalização do processo de cooperação. Já a cooperação é jurídica quando a relação estabelece-se entre autoridades judiciárias. O conceito refere-se aos atores da cooperação: a autoridade requerente e a autoridade requerida. São autoridades judiciárias não só as autoridades judiciais (membros do Poder Judiciário), mas igualmente outras autoridades públicas envolvidas no provimento de eficácia à lei, à exemplo dos membros do Ministério Público, das Polícias e demais órgãos de law enforcement, a depender do caso. Logo, a cooperação aqui retratada é o gênero da espécie assistência judicial121. A cooperação judicial, mais estrita, é a que se estabelece somente entre magistrados (membros do Poder Judiciário) – como, em rigor, dá-se na carta rogatória. O vocábulo jurídica amplia o raio de abrangência do indicado pelo judicial122. A cooperação é empreendida inclusive por juízes, mas não só por eles. A autorização judicial não é requisito indispensável nesse gênero de cooperação, que se dá por meio de um “conjunto de atividades convergentes, realizadas pelas autoridades competentes de Estados distintos”123.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           aos documentos que a instruem, não obstante a versão para o vernáculo seja feita na origem.’ (STF, Carta Rogatória 10.367, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 01.08.2002); c) ‘Não prospera o argumento de ausência de tradução juramentada e falta de prova da autenticidade e legalização dos documentos que compõem a rogatória, eis que a comissão tramitou por meio da autoridade central brasileira, o que confere aos documentos a indispensável autenticidade.” (STJ, Carta Rogatória 1.197, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 28.08.2006).’ ” (SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 307-308). 121 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009, p. 166. 122 “Son caractère judiciaire est indépendant de la qualité des agents qui concourent à l’accomplissement des actes. Il importe peu qu’ils soient des officiers ministériels, des autorités administratives ou de simples particuliers. L’expression d’entraide ‘judiciaire’, qui, interprétée ad litteram, peut suggérer une collaboration exclusive des tribunaux d’Etat différents, est fallacieuse, sauf en cas de commissions rogatoires proprement dites.En réalité il s’agit d’une coopération définie par son objet, à savoir la matière judiciaire. ” In: CAPATINA, Octavian. L’entraide Judiciaire Internationale en Matière Civile et Commerciale. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1984, p. 319-320. 123 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. Op. Cit., p. 51). 54   Reinam classificações das mais diversas quanto aos graus ou níveis de cooperação jurídica internacional. Cervini e Tavares reconhecem três níveis de cooperação jurídica internacional. Para tanto, os autores têm como base a jurisprudência do Tribunal de Cassação Italiano. No primeiro nível, estão os atos de trâmite e instrução processual; no segundo nível, os atos que possam causar dano patrimonial irreparável; e, no terceiro nível, os atos que possam causar dano irreparável a direitos e garantias individuais124. Já Tellechea Bergman divide a cooperação em três graus diversos: a de primeiro grau seria aquela que afetaria minimamente o Estado, como as de medidas de mero trâmite e as probatórias, além da obtenção de informação sobre o direito estrangeiro; já a de segundo grau constituiria o auxílio cautelar; por fim, a de terceiro grau representaria o reconhecimento de sentença estrangeira125. Por fim, há a classificação de Edson de Oliveira Almeida, chefe da Assessoria de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério Público Federal126. Nessa classificação, mais simples, as medidas de primeiro grau seriam aquelas que dispensariam autorização ou intervenção judicial e as medidas de segundo grau, aquelas que exigiriam tal autorização ou intervenção. Por isso, incluir-se-iam, na segunda categoria, atos como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático e medidas acautelatórias. Adotamos, nesta dissertação, a definição de Edson de Oliveira Almeida, por acreditarmos que tal seria mais adequada para a análise da realidade jurídica brasileira127. Como se observa, ambos os termos (formal e jurídica) apontam para características e qualidades distintas. No entanto, no caso concreto, muitas vezes apontam para uma cooperação estabelecida em moldes muito semelhantes. Por isso, muitas vezes, nos referiremos a uma cooperação “jurídica e/ou formal”.                                                                                                                 124 A classificação do Tribunal de Cassação Italiano teria por objetivo tornar evidente a não exigência, nos casos de pedidos de cooperação para cumprimento de medidas de primeiro grau, do preenchimento do requisito da dupla criminalidade. In: CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. Prólogo de Luiz Luisi. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 68. A mesma classificação também é empregada por Nadia de Araújo. In: ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 251. 125 BERGMAN, Tellechea. La cooperación jurisdiccional internacional entre los Estados partes del Mercosur. In: Revista de Derecho del Mercosur. Buenos Aires: La Ley SAEeI, n. 1, fev. 1998, p. 59-60. 126 A classificação esta presente no Parecer de Edson de Oliveira Almeida, no bojo do Agravo Regimental contra decisão proferida nos autos da CR nº 3124. Veja ALMEIDA, Edson de Oliveira Parecer, no bojo do Agravo Regimental, contra decisão proferida nos autos da CR nº 3124. Apud LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009, p. 277. 127 Em especial, a classificação de Edson de Oliveira Almeida é adequada para compreender a evolução da jurisprudência brasileira. Basta lembrar, para tanto, a celeuma que durante muito tempo pairou em torno da carta rogatória executória no STF, após, transformada em carta rogatória decisória. 55   Neste capítulo, buscamos na cooperação jurídica e/ou formal uma possibilidade para o combate às infrações à ordem econômica. A cooperação formal está cercada, via de regra, de requisitos e formalismos. Tem princípios e regras a serem seguidas, sejam as previstas na base legal doméstica, sejam as previstas em tratados e convenções, ou ainda sejam as previstas no costume internacional. Os princípios da reserva da especialidade128 e o da reciprocidade estão entre os princípios da cooperação mais comumente lembrados. No Direito Penal, o princípio da dupla incriminação ainda é outro princípio da cooperação relevante. Neste capítulo, conferimos destaque, contudo, a outro princípio: o de respeito à lex diligentiae. Dada a sua relevância, dedicamos a seguir particular atenção a este. 2.2 COOPERAÇÃO FORMAL E/OU JURÍDICA E A OBEDIÊNCIA À LEX DILIGENTIAE A lex diligentiae129 representa conceito central aos pedidos de cooperação formal e/ou jurídica internacional que buscam o cumprimento de medidas de diligências tais como o impulso processual, a produção de provas e a execução de medidas assecuratórias. Não por outro motivo, destinaremos especial atenção a esse ponto, a fim de avançarmos nas explanações futuras. Em Direito Internacional Privado, a lex fori constituiria a regra geral. Tradicionalmente, a lei do local onde se inicia o processo é que regularia todos os aspectos relacionados ao exercício da jurisdição130. As razões residiriam em regras universalmente aceitas, como as de que o exercício da jurisdição é uma das funções do exercício da soberania, e de que as autoridades administrativas ou judiciais de um país aplicam somente regras                                                                                                                 128 A reserva da especialidade será analisada com mais detalhes ao final deste Capítulo. 129 As terminologias empregadas para designar objeto semelhante são variadas. Por isso, esclarecemos que o que aqui denominamos como lex diligentiae (regra de aplicação da lei do Estado requerido na execução da medida solicitada), outros autores identificam, de forma semelhante, utilizando diferentes nomenclaturas. Jatahy, por exemplo, ao comentar a execução de cartas rogatórias, fala que há de se observar a lei do Estado rogado e identifica a necessidade de tal observância na regra de lex fori. (JATAHY, Vera Maria Barreira. Do Conflito de Jurisdições – A Competência Internacional da Justiça Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 213). Outros autores preferem nomenclaturas alternativas, como locus regit actum ou lex fori execuciones. (CAPATINA, Octavian. L’entraide Judiciaire Internationale en Matière Civile et Commerciale. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t.179, 1984). Elegemos o emprego do termo lex diligentiae, cunhado em artigo seminal de Jacob Dolinger e Carmen Tiburcio. Acreditamos que o termo trata de regra específica, a qual particularmente nos interessa: a necessidade de se aplicar a lei do Estado requerido quando da realização de uma diligência no exterior em virtude da cooperação internacional. Veja DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. The Forum Law Rule in International Litigation – Which Law Governs Proceedings to be Performed in Foreign Jurisdictions: Lex Fori or Lex Diligentiae? In: Texas International Law Journal. Austin, Texas: University of Texas at Austin School of Law, v. 33, n. 3, 1998, p. 425-461. 130 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Op. Cit., p. 428. 56   processuais e de organização da administração de justiça de seus países, não a de Estados estrangeiros131. A regra seria distinta quando fossem buscadas medidas processuais ou investigativas, solicitadas por um forum (ou seja, o do Estado requerente), para a execução de medida em outro forum (ou seja, o do Estado requerido). Essas diligências deveriam ser controladas pela lei deste outro forum. Dolinger e Tiburcio denominam a regra de lex diligentiae132. Assim, quando o que se busca é o cumprimento de medidas tais como as de mero impulso processual, as de produção de prova e as assecuratórias, aplica-se a lei do Estado requerido, isto é, a lei do Estado de onde o ato tenha que ser praticado. Será o cumprimento consoante às regras da lex diligentiae que assegurará a validade da medida cumprida. Tal regra está em vários diplomas afetos ao tema de cooperação jurídica internacional133, incluindo os acordos bilaterais de cooperação jurídica internacional134. A aplicação da lei do Estado requerido para o cumprimento de diligência, por óbvio, tem sua racionalidade. Não seria factível exigir do Estado requerido que, a cada vez que cumprisse medidas solicitadas por distintas jurisdições estrangeiras, adequasse seu aparato estatal, suas regras de administração da justiça e seu pessoal e rotinas diárias à legislação de cada Estado requerente. A lex diligentiae, assim, é princípio reitor condizente com um mundo em que a cooperação internacional não é excepcional, sim uma exigência cotidiana das autoridades e uma obrigação135. Há, nesse cenário pós-moderno, de se primar pela operacionalidade e o pragmatismo. A regra da aplicação da lex diligentiae também se insere em lógica de respeito à jurisdição estrangeira, conforme postulam Dolinger e Tiburcio136. Dado o foco privilegiado                                                                                                                 131 “(...) selon un principe universellement admis, en effet, les autorités administratives ou juridictionnelles de chaque pays appliquant toujours les règles de procédure de ce pays, et jamais celles d’un Etat étranger." GOLDMAN, Berthold. Les champs d'application territoriale des lois sur la concurrence. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 128, n. 3, 1969, p. 646. 132 DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. The Forum Law Rule in International Litigation – Which Law Governs Proceedings to be Performed in Foreign Jurisdictions: Lex Fori or Lex Diligentiae? In: Texas International Law Journal. Austin, Texas: University of Texas at Austin School of Law, v. 33, n. 3, 1998, p. 427-428. 133 A regra, por exemplo, está nas Convenções de Haia e Interamericanas, incluindo a Convenção sobre Adoção. Ademais, pode ser encontrada no Código de Bustamante. A respeito, leia DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Op. Cit., p. 435-440. 134 “Bilateral conventions also tend to include terms similar to the provisions discussed in the above-mentioned conventions.” (DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. Op. Cit., p. 440). 135 Veja JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 258. 136 “There are two reasons to apply lex diligentiae to the collection of evidence. The first and foremost reason is the respect due the foreign jurisdiction where the evidence is to be collected. The state where the suit is brought does not have jurisdiction outside its territorial limits. For example, under what authority may a judicial authority determine that a witness domiciled in Brazil be heard or that a document located in Brazil be analyzed? The jurisdiction of a judicial authority is limited to the territory in which the judge exercises his or her functions and 57   desta dissertação, de apresentar a cooperação como alternativa ao exercício da jurisdição extraterritorial direta, nos casos em que seja exercida sem a autorização do Estado estrangeiro, acrescentamos que a regra tem a função de impedir eventual exercício invasivo e propenso a criar conflitos. Ora, uma vez que se exige, via de regra, o cumprimento da lex diligentiae para que a medida seja válida, a exigência estimularia a busca da cooperação internacional, e, no limite, a convivência harmônica entre os povos. Conforme aqui defendemos, o princípio de obediência à lex diligentiae inclui não só a observância às normas processuais, mas também às regras de organização administrativa da jurisdição que cumpre a diligência. Definições tais como as referentes a competências e legitimidade ativa das autoridades para determinado fim são afetas, em rigor, à soberania de cada Estado. Portanto, estas devem ser delimitadas no Estado requerente (de origem), e não no Estado requerido137. O tema, não raro, costuma gerar confusões por parte de autoridades não suficientemente familiarizadas com o dia a dia da cooperação. Lembramos aqui as sábias palavras do Ministro Francisco Rezek, em seu voto na Extradição nº 504: “não podemos impor ao direito estrangeiro contornos exatamente idênticos àqueles do nosso direito”138. À luz dessa compreensão, tentar impor o Direito do Estado requerente seria solução a ser evitada, sempre que possível. Logo, o cumprimento da diligência solicitada seguirá essencialmente os procedimentos exigidos na lex diligentiae. Porém, quando necessário que o Estado requerido siga algum procedimento especial, de forma a assegurar que a medida seja válida no Estado requerente, isso poderá ser solicitado no bojo do pedido. O princípio da lex diligentiae, assim,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           not beyond. The second reason is more practical: ensuring that the decision is recognized and enforced abroad, particularly in the state where the evidence was collected. As a rule, a jurisdiction will not recognize a foreign decision if that decision was reached by violating basic principles of domestic legislation. Conversely, evaluation of evidence b a court should be regulated by lex fori because this function is connected to the process by which a judicial authority renders its decision, which goes to the essence of the judicial role.” (DOLINGER, Jacob; TIBURCIO, Carmen. The Forum Law Rule in International Litigation – Which Law Governs Proceedings to be Performed in Foreign Jurisdictions: Lex Fori or Lex Diligentiae? In: Texas International Law Journal. Austin, Texas: University of Texas at Austin School of Law, v. 33, n. 3. 1998, p. 434). Assim, ao lado do respeito à jurisdição estrangeira, Dolinger e Tiburcio ainda acrescentam uma segunda razão essencialmente prática: garantir que a decisão seja reconhecida e executável no estrangeiro, em especial, onde a prova foi coletada. Se tiver como contrafactual a possível homologação de sentença estrangeira, de fato, parece desejável que se respeite procedimento nacional, de forma a evitar que argumento seja levantado pela defesa. Não obstante, segundo os autores, tal argumento só poderia ser aventado em processo oriundo de Estado requerente. 137 “Porém, é preciso observar se a autoridade do Estado rogante é competente para determinar a medida cuja eficácia pretende seja estendida ao território nacional. Trata-se, neste caso, do critério da competência na origem. É possível que determinada medida que, no Brasil, somente seria processada por autoridade do Poder Judiciário seja, na origem, atribuição de outra autoridade, como um membro do Ministério Público.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento na Carta Rogatória nº 998. Voto Min. Gilson Dipp. Voto Rel. Min. Edson Vidigal. Publicado no DJ em 30 de abril de 2007). 138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição nº 504. Voto do Rel. Min. José Francisco Rezek. Publicado no DJ em 29 de junho de 1990. 58   comporta exceções. De um lado, o Estado requerente pode solicitar que a autoridade do Estado requerido cumpra com alguns aspectos procedimentais especiais139. De outro, a autoridade requerida pode cumprir com alguma forma especial, caso compreenda ser o ônus desse cumprimento suportável, bem como que o procedimento solicitado não viola a ordem pública do lugar onde a medida há de ser executada. Alguns tratados fazem referência expressa a essa possibilidade, a exemplo dos MLATs vigentes no Brasil140. 2.3 DA APLICABILIDADE DA CARTA ROGATÓRIA PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA A carta rogatória é disciplinada pelos arts. 13, 102, inc. I, alínea “h”, 109, inciso X, e 210, § 2.º, todos da Constituição Federal brasileira141; art. 2o e arts. 6 a 14 da Resolução no. 9, de 2005, do STJ142; a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro143; o Código de Processo                                                                                                                 139 Para os pedidos de interrogatório destinados ao exterior, por exemplo, é recomendado que as autoridades brasileiras solicitem, no bojo do pedido, que ao interrogado na audiência de interrogatório seja facultado: (i) confessar ou negar os crimes que lhe foram atribuídos e (ii) indicar, se for da sua vontade, advogado que possa promover sua defesa. Nesse sentido, veja BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 67-86; e Idem. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Civil. Brasília: Publicação Oficial, 2009, p. 80. 140 Veja, por exemplo, o art. 5.(3) do MLAT assinado com os Estados Unidos, que estipula: “(a)s solicitações serão executadas de acordo com as leis do Estado Requerido, a menos que os termos deste Acordo disponham de outra forma. O método de execução especificado na solicitação deverá, contudo, ser seguido, exceto no que tange às proibições previstas nas leis do Estado Requerido.” (BRASIL. Decreto nº. 3.810, de 02 de maio de 2001. Promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012.) Ler ainda o art. 2(1) do MLAT assinado com o Canadá, que disciplina que: “(a)s solicitações de assistência deverão ser prontamente executadas de acordo com a legislação do Estado requerido e, desde que não seja proibida por esta legislação, na maneira solicitada pelo Estado requerente.” (BRASIL. Decreto nº 6.747, de 22 de janeiro de 2009. Promulga o Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 141 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 142 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Presidência. Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 143 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. (Redação dada pela Lei nº 12.376, de 2010). Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 59   Civil144; o Código de Processo Penal145; a Portaria Interministerial nº 26, de 1990, do Ministério da Justiça e do Ministério das Relações Exteriores146; e outras demais legislações específicas aplicáveis147. A despeito de legislação de origem puramente doméstica que trata sobre as cartas rogatórias, há ainda convenções e tratados que dispõem a respeito. São diversos os acordos aplicáveis para as cartas rogatórias em matéria civil e demais áreas não- penais em vigor no Brasil148 149. Sabe-se que a carta rogatória, por definição, é o mecanismo que se presta ao envio de um pedido de cooperação jurídica internacional oriunda da autoridade do Poder Judiciário de um país “A”, dirigido à autoridade do Poder Judiciário de um país “B”. Em rigor, deveria conter uma decisão a ser delibada. No Brasil, uma vez realizado o juízo de delibação e averiguado que a decisão estrangeira não fere a soberania e a ordem pública150 151, o exequatur, ou seja, o “cumpra-se” à execução do ato processual solicitado será concedido152.                                                                                                                 144 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 145 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 146 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Secretaria-Geral Executiva. Departamento Consular e Jurídico. Ministério da Justiça. Determina a divulgação da seguinte lista de condições que possibilitarão, sem maiores delongas, a transmissão, via diplomática, das Cartas Rogatórias aos Países destinatários. Portaria Interministerial nº 26, de 14 de agosto de 1990. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 147 Por exemplo, a Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, para ações de alimentos; e o Estatuto da Criança e do Adolescente, quando for o caso. Veja BRASIL. Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968. Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 148 Para uma lista atualizada dos tratados bilaterais e regionais e das convenções multilaterais em vigor no Brasil que dispõem sobre a carta rogatória em matéria civil e demais matérias não penais, veja o sítio eletrônico do Ministério da Justiça. Disponível em: . Acesso em: 18 de maio de 2011. 149 Percebemos que as convenções e convênios sobre cartas rogatórias dividem-se conforme a medida cuja execução é solicitada. Tal divisão implica em uma pluralidade de Autoridades Centrais para o envio e o recebimento de pedidos, bem como de autoridades competentes para a execução dos pedidos. Outrossim, interessante notar que há uma miríade de protocolos e formulários, conforme a convenção aplicável. A situação, como veremos posteriormente, é diferente em matéria de cooperação penal. Veja, nesse sentido, BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 67-86; e Idem. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Civil. Brasília: Publicação Oficial, 2009, p. 55-66. 150 Segundo a definição de Clóvis Bevilácqua, as normas de ordem pública são aquelas que estabelecem princípios cuja manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os preceitos do Direito. In: BEVILÁCQUA, Clóvis. Theoria geral do direito civil. 6 ed. s. 1: Francisco Alves, 1953, p. 15. Em análise do conceito no contexto específico do direito internacional, Irineu Strenger define a ordem pública como uma barreira contra a aplicação do direito estrangeiro, na medida em que este contenha elementos violadores que possam atingir os princípios básicos e fundamentais do direito local. Seria um conjunto de princípios, implícita ou explicitamente conhecidos na ordenação jurídica que, considerados fundamentais, 60   A carta rogatória é classicamente vista como destinada à produção de diligências153. Seu objeto, conforme definição mais corriqueira, visa à citação, intimação, obtenção provas e interrogatório, ou seja, a medidas de primeiro grau (i.e., aquelas que dispensariam autorização ou intervenção judicial). A jurisprudência brasileira, pela toga do Supremo Tribunal Federal, durante muito tempo rechaçou a carta rogatória executória154 155. A carta rogatória executória é a solicitação                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           excluem a aplicação do direito estrangeiro. In: STRENGER, Irineu. Curso de direito internacional privado. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 512. Jacob Dolinger, ao escrever sobre ordem pública, leciona: “No Direito Internacional Privado a ordem pública impede a aplicação de leis estrangeiras, o reconhecimento de atos realizados no exterior e a execução de sentenças proferidas por tribunais de outros países, constituindo-se no mais importante dos princípios da disciplina. (...) Diríamos que o princípio da ordem pública é o reflexo da filosofia sócio-político-jurídica de toda legislação, que representa a moral básica de uma nação e que atende às necessidades econômicas de cada Estado”. (DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado – Parte Geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 349-350). 151 Com a Resolução no 9 do STJ, de 2005, que entrou em vigor após a edição da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, afastou-se a análise de potencial ofensa aos bons costumes. A regra está no art. 6o da Resolução. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Presidência. Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 152 “Em 1894, a regulamentação do cumprimento das cartas rogatórias ganha novo redirecionamento. No dia 20 de novembro daquele ano é editada a Lei Federal n. 221, que completa a organização da Justiça Federal, divisão judiciária que fora criada pelo Decreto n. 848 de 11 de outubro de 1890. Por esta Lei, somente os juízes seccionais federais do local onde deveriam ser executadas as diligências das cartas rogatórias passam a ser os competentes para cumpri-las. A mais interessante inovação da Lei é a criação do exequatur administrativo. A partir dela, as rogatórias deveriam receber a autorização do governo brasileiro (Ministério da Justiça) para que fossem cumpridas. Surge, portanto o exequatur. Somente com a Constituição Federal de 1934 é que a competência para a concessão do exequatur foi retirada do Ministério da Justiça e passou para a esfera de atribuições do Presidente do Supremo Tribunal Federal. (...)”. (MENKE, Fabiano. O Cumprimento das Cartas Rogatórias no Brasil: Antecedentes e Atualidade. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Orgs.). O Novo Direito Internacional: Estudos em Homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 247-248). 153 “A carta rogatória é o requerimento formal pelo qual um Estado (Rogante) solicita à autoridade soberana de outro Estado (Rogado) a realização de determinada diligência no território deste. Objetiva viabilizar uma prestação jurisdicional que se desenvolve perante a autoridade requerente.” (ARAUJO, Nadia de. Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. 72). 154 Carmen Tiburcio escreve a respeito: “Nenhuma medida de caráter executório pode ser requerida ao STF por via da carta rogatória, entendimento este pacífico e sedimentado, em sede doutrinária e jurisprudencial”. (TIBURCIO, Carmen. As Cartas Rogatórias Executórias no Direito Brasileiro no Âmbito do Mercosul. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 348, a. 95, out./dez. 1999, p. 85). Ainda sobre o tema, a autora postula: “Porém, o STF adotou entendimento múltiplo sobre a tipificação dos atos executórios, não passíveis de receber exequatur. Confira-se: (1) atos de constrição judicial inerentes à execução forçada (CR nº 1.395); (2) exibição de documento (CR nº 9.977); (3) coleta de amostras biológicas (CR nº 10.925); (4) obtenção de documentos em cartório e informações bancárias (CR nº 10.925); (5) quebra de sigilo bancário (CR nº 10.661); (6) embargo executivo de cotas sociais (CR º 7.044); (7) penhora de imóveis (CR nº 9.612) ou de móveis (CR nº 10.479).” (TIBURCIO, Carmen. Temas de Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 482). Além dos exemplos citados por Tiburcio, para outros exemplos sobre a jurisprudência do Supremo refratária à “carta rogatória executória”, veja BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Carta Rogatória nº 2.963. Voto do Rel. Min. Antonio Neder. Publicado no DJ em 26 de março de 1979; Idem. Carta Rogatória nº 8.377. Voto do Rel. Min. Celso de Mello. Publicado no DJ em 26 de março de 1999; Idem. Carta Rogatória nº 8.443. Voto do Rel. Min. Celso de Mello. Publicado no DJ em 14 de setembro de 1998; Idem. Carta Rogatória nº 8.622. Voto do 61   que busca a cooperação de segundo grau, i.e., a que visa à produção de medidas que exigiriam autorização ou intervenção judicial. Exemplos seriam as medidas de busca e apreensão e de quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático, além das medidas acautelatórias156. Inobstante a jurisprudência conservadora do STF, o fato é que com a mudança da competência para deliberar e conceder o exequatur passando do STF para o STJ em 2004157, a jurisprudência flexibilizou-se. Na atualidade, o STJ confere o “cumpra-se” às medidas de 1º grau e, a depender do caso e da autoridade requerente, igualmente às de 2º grau158.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Rel. Min. Marco Aurélio de Mello. Publicado no DJ em 01 de agosto de 2002; Idem. Carta Rogatória nº 9.511. Voto do Rel. Min. Celso Velloso. Publicado no DJ em 01 de fevereiro de 2001; e Idem. Carta Rogatória nº 10.484. Voto do Rel. Min. Maurício Corrêa. Publicado no DJ em 23 de outubro de 2003. Para relevantes análises da evolução da jurisprudência, ler: ARAUJO, Nadia de. Cooperação judiciária internacional e Mercosul: razões de sua existência e análise das cartas rogatórias de caráter executório. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público. Rio de Janeiro: América Jurídica, v. XVIII, 2005, p. 296. 155 Nesse sentido, o entendimento de Moreira Alves deixa claro o pensamento da época: “De maneira alguma se concederá exequatur à carta rogatória que vise à execução, no território brasileiro, de decisão de órgão judicial estrangeiro. A inadmissibilidade abrange o cumprimento de providências acaso decretadas a título cautelar – v.g., arresto ou sequestro de bem situado no Brasil. Em hipóteses tais, o único meio de alcançar o resultado pretendido consiste em submeter à homologação pelo Supremo Tribunal Federal a sentença que se quer fazer cumprir aqui”. E durante muito tempo, jurisprudência do STF foi pacífica nesse sentido. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa Temas de Direito Processual (Quinta Série). Rio de Janeiro: Saraiva, 1994, p.150. Igualmente nessa linha de entendimento, veja CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 550; e VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado: em base histórica e comparativa, positiva e doutrinária, especialmente dos estados americanos. Tomo I. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1978, p. 176. 156 Para discussão acerca da possibilidade da carta rogatória para homologação de sentença estrangeira, ver: LOULA, Maria Rosa Guimarães. Cooperação jurisdicional no Mercosul. Rio de Janeiro: Programa de Pósgraduação em Direito (UERJ). Dissertação de Mestrado, 2001; Idem. A extraterritorialidade das sentenças no Protocolo de Las Leñas sobre cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. In: TIBURCIO, Carmen; BARROSO, Luís Roberto (Org.). O Direito Internacional Contemporâneo: Estudos em Homenagem a Jacob Dolinger. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 651-678; e Idem. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 206. 157 A competência para a concessão de exequatur à carta rogatória é da Presidência do órgão. Antes da reforma constitucional de 2004, cabia à Presidência do STF tal competência; após essa reforma, a incumbência passou à Presidência do STJ. Dessa forma, a Resolução no. 9 do STJ, em seu art. 2º, manteve a regra consagrada na Constituição Federal Brasileira de 1934 e desde então continuamente repetida nas magnas cartas brasileiras: a decisão sobre o exequatur à carta rogatória é monocrática da presidência do órgão. Acreditamos que a regra assim o é pois a decisão sobre o exequatur é meramente delibatória, restrita à verificação de aspectos formais, da autenticidade dos documentos e da conformidade com nossa soberania e ordem pública. Não há, assim, exame de mérito. Quanto à carta rogatória, anotamos ainda que, uma vez concedido o exequatur, esta será cumprida por juiz federal (art. 109, inc. x, da CF), ocasião na qual se permite a interposição de embargos do interessado. In: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Superior Tribunal de Justiça. Presidência. Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 158 Alguns exemplos da jurisprudência mais flexível do STJ pode ser encontrados in: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Carta Rogatória nº 1.457. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 30 de outubro de 2006; Idem. Carta Rogatória nº 1.684. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 28 de agosto de 2006; Idem. Carta Rogatória nº 1.879. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 17 de dezembro de 2007; Idem. Carta Rogatória nº 2.078. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ 62   Não nos dedicaremos, neste ponto, a compreensivas explanações acerca dos mecanismos da carta rogatória. Além de haver doutrina qualificada sobre o tema, uma análise extensiva sobre o mesmo escaparia do foco desta dissertação. Ater-nos-emos aqui ao nosso ponto: aspectos diretamente afetos ao tema de cooperação em matéria de defesa da concorrência. A despeito de acreditarmos que a carta rogatória nem sempre seria, em rigor, mecanismo mais adequado para as autoridades da defesa da concorrência, não descartamos sua aplicação. Pensamos que uma das utilidades que a carta rogatória poderia ter para o antitruste seria a notificação e a intimação, em jurisdição estrangeira, de representados no bojo de processo administrativo nacional. Outra possibilidade, em sentido inverso, seria a citação, a notificação e intimação, em jurisdição brasileira, de parte ou representado, no bojo de processo estrangeiro. Como já consignado nesta dissertação, a citação e a notificação inicial são medidas cruciais, ao assegurar que o réu ou o representado tome ciência dos fatos trazidos a julgamento contra si. Representa o momento mais importante no sentido de viabilizar que a pessoa tenha conhecimento das acusações que dão base à ação proposta contra ela e possa constituir advogado para sua defesa. Serão a citação e a notificação inicial os atos que possibilitarão a afirmação do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, de modo a garantir o respeito a garantias fundamentais. Como tal, o ato necessita de regras especiais, evitando-se abusos. Quanto à jurisprudência brasileira, esta entenderia que a citação por carta rogatória assegura que o ato seja regular e, consequentemente, válido no sentido de possibilitar futura homologação de sentença estrangeira. Entende-se que os atos de citação são atos de soberania159. Por esse motivo, tem-se negado homologação e execução de sentenças proferidas em processos estrangeiros quando a parte domiciliada no Brasil tenha sido citada de algum modo julgado como “irregular” (v.g., mediante via postal direta). Segundo a antiga jurisprudência do STF e a atual do STJ, a carta rogatória seria o meio adequado quando                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           em 11 de setembro de 2007; Idem. Carta Rogatória nº 2.189. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 13 de junho de 2007; Idem. Carta Rogatória nº 2.653. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 16 de agosto de 2007; e Idem. Carta Rogatória nº 2.874. Voto do Rel. Min. Barros Monteiro. Publicado no DJ em 17 de dezembro de 2007. 159 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 72, ao comentar a jurisprudência, afirma que a “citação em território nacional é vista como potestade que decorre da noção de soberania nacional.” Por isso, teria feito nascer no Brasil a “verberação da forma da carta rogatória para a citação do réu domiciliado no Brasil”. 63   autoridades estrangeiras necessitassem citar pessoas no Estado brasileiro, para futuramente pleitear a homologação da sentença estrangeira no Brasil. Vale frisar que a cooperação jurídica em matéria de defesa da concorrência vem sendo feita hoje, em grande parte, pelo mecanismo da carta rogatória. Essa parece ter sido a solução buscada pelos órgãos de defesa da concorrência não só do Brasil, mas também de outros países160. Conforme dados levantados junto ao DRCI/SNJ/MJ, foram tramitados pela Autoridade Central brasileira: (i) 23 cartas rogatórias ativas; e (ii) 3 pedidos de cooperação jurídica passivos. Das solicitações passivas, (ii.a) 2 foram cumpridas como carta rogatória civil, e (ii.b) 1 como assistência administrativa161. Mas, como já mencionamos, a carta rogatória, em teoria, não seria sempre mecanismo mais adequado para a cooperação em matéria de defesa da concorrência. A literatura relata162 a dificuldade em se obter a cooperação de outros países com base na carta rogatória para temas antitruste. Registramos que algumas jurisdições mesmo rejeitam pedidos que não são expedidos no bojo de processos judiciais já instaurados por cortes judiciais tradicionais163. É oportuno repisar que a carta rogatória destina-se essencialmente a relações estabelecidas entre magistrados, ou seja, autoridades dos tribunais (courts). Já os processos administrativos desenvolvidos para a apuração de infrações à ordem econômica são conduzidos pelos órgãos do SBDC, integrantes do Poder Executivo. Afigurar-se-ia, à primeira vista, uma inconsistência conceitual quanto ao uso da carta rogatória, quando não houvesse um processo judicial aberto para a apuração de outras responsabilidades, além da administrativa. Poder-se-ia argumentar que o Cade, sim, poderia ser identificado como um                                                                                                                 160 Por meio da aplicação de questionário, a Rede de Defesa da Concorrência Internacional (International Competition Network, doravante “ICN”) relata pesquisa empreendida recentemente. Dos 10 órgãos antitruste, que responderam o questionário, 8 declararam já ter usado alguma experiência com o mecanismo para casos de cartel. In: INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007. Mimeo. p. 17. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 161 Os dados mencionados foram coletados pela mestranda diretamente junto ao Departamento de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça em julho de 2011. 162 Nesse sentido: MCCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2002, p. 25-55; ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 147-148; e LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association - Section of Antitrust Law, 2005. 163 Bruno Zanettin (In: ZANETTIN, Bruno. Op. Cit., p. 147-148) discorre sobre o tema: “(...) most nations seem to have restricted the scope of judicial assistance provided pursuant to a letter of request. For instance, only letters issued by traditionally defined courts, in an action that is pending, are usually honoured. (…).” Quanto ao uso da Convenção de Haia, sobre obtenção de provas, o mesmo autor escreve que a Convenção prevê que o pedido seja emanado por “autoridade judicial”. Segundo Zanettin, a expressão claramente excluiria órgãos administrativos adjudicatórios. Afirma: “Only when an agency has brought a case before a court can the Hague Convention be of any relevance.” 64   tribunal, ainda que administrativo, e assim poderia usar a carta rogatória. No entanto, vale lembrar que, no Brasil, na esmagadora maioria dos casos, as cartas rogatórias são usadas pela SDE, para notificação e intimação no exterior e produção de provas em sede de investigação administrativa, o que traria complicador adicional. Ainda quanto ao emprego do mecanismo para processos administrativos de persecução de condutas por autoridades brasileiras do SBDC, poder-se-ia acrescentar a falta de previsão, em alguns tratados e convenções assinadas pelo Brasil, da aplicabilidade da carta rogatória a temas de direito administrativo. Com referência especificamente ao direito administrativo antitruste, certos autores comentam o fato de que a carta rogatória serviria, em rigor, somente para fins de preservar interesse privado (private enforcement). Ou seja, não serviria para preservar interesse de órgãos públicos de governo. Em acréscimo a essa aparente inconsistência – que, na maioria dos casos, estaria intimamente relacionada ao fato de a carta rogatória ser um instrumento próprio de membros do Poder Judiciário –, poder-se-ia ainda aventar a inadequalibilidade da carta rogatória civil para fins de obtenção de prova ou investigativos. Citamos o caráter restrito das medidas que podem ser cumpridas mediante o mecanismo da carta rogatória. Em especial, quanto às medidas investigativas, estas, em geral, não encontram previsão legal ou em acordos internacionais. Em alguns casos, as medidas investigativas são mesmo vedadas, como no caso daquelas que visam à instrução pré-processo (pre-trial discovery)164. A título exemplificativo, na Convenção de Haia para obtenção de provas, o art. 23 permite que os Estados parte manifestem declaração no sentido de que não executarão pedidos para o propósito de obter “pre-trial discovery of documents”, e a maioria dos signatários apôs tal declaração165. Especificamente no tocante ao Brasil, importante alguns esclarecimentos. Em processos versando sobre a homologação de sentenças estrangeiras, a jurisprudência possui entendimento de que a citação do réu só poderia ser buscada por meio da chamada carta rogatória citatória. A problemática acudiu frente a situações em que a citação era feita, compreendia-se, de forma “irregular”. A citação era entendida como “irregular” seja porque era feita de modo julgado desrespeitoso a regras de competência executiva, com a era realizada diretamente pelas autoridades estrangeiras em solo nacional, seja porque era feita, entendia-se, por modos impróprios, como a citação postal e por edital166. Dessa forma, a                                                                                                                 164 “Letters for pre-trial discovery purposes are very often rejected.” (ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 147). 165 ZANETTIN, Bruno. Op. Cit., p.148. 166 Leia, por exemplo, os acórdãos exarados in: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sentença Estrangeira no 2.912. Voto do Min. Rel. Néri da Silveira. Publicado no DJ em 02 de dezembro de 1983; Idem. Sentença 65   jurisprudência fez surgir no Brasil a “sacralização da via da rogatória”167. O Entendimento jurisprudencial do STF foi mantido pelo STJ168 após a reforma de 2004. Para alguns, no entanto, o mérito de tal jurisprudência parece ser bastante controverso169. De qualquer sorte, ao se desconsiderar adicionais discussões a respeito, ainda que consideremos a citação por carta rogatória a única via apropriada, postulamos ser adequado perquirir se esse mecanismo seria sempre o veículo necessário. Vale lembrar que a exigência da jurisprudência dá-se em relação ao cumprimento de pedidos passivos no Brasil. No que se refere especificamente a pedidos ativos, a jurisprudência brasileira não exige que a citação (tampouco para a notificação) seja feita pelo mecanismo da carta rogatória. Ad absurdum, poderíamos mesmo aventar que os argumentos que sustentam a exigência do cumprimento da exigência no caso de pedidos passivos cairiam por terra no caso de pedidos ativos. Isto porque não há necessidade de se pleitear a futura homologação de sentença perante o Judiciário brasileiro no caso dos pedidos ativos, eis que a decisão já é nacional. Nos casos em que a jurisdição brasileira possa solicitar a homologação de sentença à jurisdição estrangeira, lembramos que a validade ou não da citação e sua importância para a aceitação do pedido de homologação é tema a ser definido por esta jurisdição, à luz da legislação doméstica estrangeira. Mais uma vez, deve-se observar a legislação do Estado requerido, e não a do Estado requerente. Sobre o tema, refutamos posições extremadas a ponto de rechaçar a aplicabilidade de carta rogatória em matéria não-penal ao direito administrativo da defesa da concorrência. No                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Estrangeira no 3.495. Voto do Min. Rel. Octavio Gallotti. Publicado no DJ em 25 de outubro de 1985; Idem. Sentença Estrangeira no 3.534. Voto do Min. Rel. Sidney Sanches. Publicado no DJ em 21 de março de 1986; Idem. Sentença Estrangeira no 4.248. Voto do Min. Rel. Carlos Velloso. Publicado no DJ em 13 de março de 1992; Idem. Sentença Estrangeira no 4.307. Voto do Min. Rel. Paulo Brossard. Publicado no DJ em 3 de abril de 1992; Idem. Sentença Estrangeira no 6.122. Voto do Min. Rel. Sepúlveda Pertence. Publicado no DJ em 20 de outubro de 2000; Idem. Sentença Estrangeira no 6.304. Voto do Min. Rel. Sepúlveda Pertence. Publicado no DJ em 31 de outubro de 2001; Idem. Sentença Estrangeira no 6.729. Voto do Min. Rel. Maurício Corrêa. Publicado no DJ em 07 de junho de 2002; e Idem. Sentença Estrangeira Contestada no 7.696, STF, 2004. Voto do Min. Rel. Marco Aurélio Mello. Publicado no DJ em 12 de novembro de 2004. 167 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006. 168 Para alguns exemplos bem recentes dessa manutenção de entendimento pelo STJ, veja BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sentença Estrangeira Contestada nº 477. Voto do Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJe em 26 de novembro de 2009; Idem. Sentença Estrangeira Contestada nº 1.483. Voto do Rel. Min. Ary Pargendler. Publicado no DJe em 29 de abril de 2010; Idem. Sentença Estrangeira Contestada nº 3.383. Voto do Rel. Min. Theori Albino Zavascki. Publicado no DJe em 02 de setembro de 2010; e Idem. Sentença Estrangeira Contestada nº 4.611. Voto do Rel. Min. João Otávio de Noronha. Publicado no DJ em 07 de abril de 2010. 169 Nesse sentido: LOULA, Maria Rosa Guimarães. Op. Cit.; TIBURCIO, Carmen. As Cartas Rogatórias Executórias no Direito Brasileiro no Âmbito do Mercosul. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 348, a. 95, out./dez. 1999; e TIBURCIO, Carmen. Temas de Direito Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 482. 66   entanto, comungamos com a ideia de que este talvez não constitua o veículo mais apropriado para produzir uma medida ou conferir eficácia a um ato no estrangeiro. Lembramos que existem, entre os acordos ratificados pelo Brasil, alguns diplomas que não afastam a possibilidade de aplicação para temas do direito administrativo. Do cabedal de acordos internacionais em matéria civil em vigor no País, alguns se referem expressamente a essa possibilidade de aplicação. Dessa forma, acreditamos que se aplicam à matéria antitruste, em geral, no âmbito da Organização dos Estados Americanos – OEA -, a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias (Panamá/1975)170, o Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias (Montevidéu/1979)171 e a Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro (Montevidéu/1979)172. Já no âmbito do Mercado Comum do Sul - Mercosul173, citamos o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa (Las Leñas/1992)174 175, o Protocolo de Medidas Cautelares (Ouro                                                                                                                 170 BRASIL. Decreto n° 1.898, de 09 de maio de 1996. Promulga a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, de 30 de janeiro de 1975. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 171 BRASIL. Decreto n° 2.022, de 07 de outubro de 1996. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, concluído em Montevidéu, em 8 de maio de 1979. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 172 BRASIL. Decreto n° 2.067, de 12 de novembro de 1996. Promulga a Convenção Interamericana sobre Prova de Informação acerca do Direito Estrangeiro, concluída em Montevidéu, Uruguai, em 8 de maio de 1979. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 173 Importante, neste ponto, destacar o papel fundamental do Mercosul para a cooperação e assistência internacionais. Como bem lembra Nadia de Araújo, tais instrumentos tiveram “importância histórica, pois permitiram uma primeira abertura na jurisprudência do STF em matéria de cartas rogatórias executórias e que vem sendo mantida pelo Superior STJ” (ARAUJO, Nadia de. Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. 79-80). Ademais, a autora consigna “os referidos Protocolos efetivamente trouxeram alguma mudança na hermética posição jurisprudencial brasileira, pois determinadas diligências até então consideradas executórias passaram a ser cumpridas no Brasil pela via da carta rogatória, desde que provenientes dos países do Mercosul.” (Idem, ibidem, p. 82.). Veja, nesse sentido, BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Carta Rogatória nº 9.713. Voto do Rel. Min. Nelson Jobim. Publicado no DJ em 16 de dezembro de 2004; e Idem. Carta Rogatória nº 10.162. Voto do Rel. Min. Marco Aurélio de Mello. Publicado no DJ em 18 de março de 2002. Para uma abrangente sobre o processo de integração mercosulino, leia KAKU, William Smith. Habitus (ethos e práxis) na civilização latino-americana: uma compreensão da formação social, cultural e ideológica da América Latina e sua influência nos processos de integração internacional regional e sub-regional, com enfoque no Mercosul. Florianópolis: Curso de Pós-Graduação em Direito (UFSC). Tese de Doutorado, 2006; bem como KAKU, William Smith. Sociedades, culturas e processos de integração internacional. In: Revista Direitos Culturais. Santo Ângelo: URI, v. 3, 2008, p. 175-198. 174 O “Protocolo de Las Leñas”, tal como conhecido, é entendido como o documento fundamental para a integração regional no âmbito do Mercosul. Nesse sentido veja MARQUES, Claudia Lima. Conflitos de convenções de processo civil internacional: por um diálogo das fontes universais e regionais nos países do Mercosul. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 45. 175 BRASIL. Decreto n° 2.067, de 12 de novembro de 1996. Promulga o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 67   Preto/1994)176 e o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile (Buenos Aires/2002)177. No plano bilateral, julgamos aplicáveis o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha178, o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa179, o Tratado relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana180 e o Acordo relativo ao Cumprimento de Cartas Rogatórias entre Brasil e Portugal181. Nas hipóteses de eventual inexistência de previsão expressa de aplicabilidade do tratado ou convenção à matéria de direito administrativo, lembramos que a sua aplicabilidade ou não irá depender de uma decisão soberana do Estado requerido no caso concreto e conforme os ditames da lex diligentiae. Assim, se defendemos que a carta rogatória em matéria não-penal seria aplicável à matéria de defesa da concorrência, refutamos visão de que seria o único mecanismo aplicável. Veremos, adiante, acerca de outras possibilidades.                                                                                                                       176 BRASIL. Decreto n° 2.626, de 15 de junho de 1998. Promulga o Protocolo de Medidas Cautelares, concluído em Ouro Preto, em 16 de dezembro de 1994. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 177 BRASIL. Decreto nº 6.891, de 02 de julho de 2009. Promulga o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 178 BRASIL. Decreto nº 166, de 03 de junho de 1991. Promulga o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 179 BRASIL. Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000. Promulga o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa, celebrado em Paris, em 28 de maio de 1996. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 180 BRASIL. Decreto nº 1.476, de 02 de maio de 1995. Promulga o Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, de 17 de outubro de 1989. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 181 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Acusa o recebimento de notas nos dias 23 e 29 de agosto de 1895. Troca de Notas que põe em vigor o Acordo relativo ao Cumprimento de Cartas Rogatórias entre Brasil e Portugal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 68   2.4 DA APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA PENAL PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA Para fazer frente aos “tempos de urgência”182 da criminalidade em sua faceta pós- moderna, urgiam novos mecanismos de cooperação para combatê-la. A carta rogatória em matéria penal183, por exemplo, vinha se mostrando mecanismo, muitas vezes, ineficiente para fazer frente aos novos paradigmas da criminalidade. A ineficiência decorria, não raro, da necessidade de uma cooperação rápida e pautada pela flexibilidade diante das idiossincrasias dos sistemas jurídicos184. O desafio era assegurar execução célere, previsível e eficiente de medida no exterior que, simultaneamente, respeitasse a soberania e a jurisdição de outros países, além de preservar garantias e direitos individuais185. No plano do direito processual                                                                                                                 182 A expressão é empregada com propriedade para descrever os dilemas da sociedade pós-industrial por Claudia Lima Marques. Veja: MARQUES, Claudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado - da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 788, n. 34, abr./jun. 2001, p. 11-56. 183 Se, em matéria civil, a cooperação por meio da carta rogatória é mais antiga e desenvolvida, em matéria penal, é o oposto. Tiburcio refere que a carta rogatória em civil teve maior aceitação do que em penal, e uma das razões para tanto, seria que a doutrina clássica entende que Judiciário não poderia aplicar Direito Público estrangeiro, só privado. E Direito Penal é Direito Público. “Por isto, a cooperação desenvolveu-se bem na área cível; na criminal, porém, foi relegada ao segundo plano”. In: TIBURCIO, Carmen. A importância da cooperação entre Estados. Mimeo. p. 1. Disponível em: , Acesso em: 18 de março de 2011. 184 “For many years, states were required to rely entirely upon traditional letters rogatory, submitted through diplomatic channels, to gain access to such evidence. However, in our modern age, this method was insufficient to meet the growing demand for speedy and effective assistance, in evidence gathering. Letters rogatory did not provide for the scope of assistance required, nor were they efficient enough to allow for the production of the evidence, within a reasonable period of time. As well, because of fundamental differences between investigative authorities and process in civil and common law states, letters rogatory were in many instances ineffective as between states of a different legal tradition. In the second half of the twentieth century, the need for alternative methods of evidentiary assistance was apparent. The identifiable gaps, combined with the rise of terrorism and transnational organized crime, combined to spur the development of mutual assistance in criminal matters, a new concept for cooperation in evidence gathering. Mutual assistance was ‘an idea whose time had come’”. In: PROST, Kimberly. Breaking Down the Barriers: Inter-national Cooperation in Combating Transnational Crime. Disponível em: Acesso em: 14 jun. 2009. 185 “Surge então naturalmente uma pergunta obrigatória: como se podem amalgamar os aspectos garantistas da tese restritiva com a necessária solidariedade internacional que inspira a tese ampla? A resposta, a nosso juízo, deve encontrar-se na própria estrutura da interação processual - funcional entre as jurisdições dos diferentes Estados, comprometidos em níveis de assistência penal. (...) Pela sensibilidade dos temas que aborda, a prestação da assistência deve ter como um dos critérios o respeito às máximas garantias individuais. (...) Neste âmbito, interagirá, necessariamente, uma rede de Princípios de eficácia e de garantias. Dentro destes últimos, aqueles de natureza formal e substancial, ou seja, aqueles próprios do processo e também, muito especialmente, os inerentes ao dogma penal, como são: a dignidade da pessoa humana, o da relevância do bem jurídico, o respeito às categorias lógico-objetivo e da culpabilidade”. In: CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 65-66. 69   internacional, o auxílio direto186 foi visto como solução para grande parte dos problemas envolvendo os imperativos de prestação de assistência em moldes adequados187. Detemo-nos então, neste subcapítulo, no exame específico dos requerimentos de auxílio direto com base legal nos instrumentos internacionais denominados Mutual Legal Assistance Treaty - MLAT188 189. Por meio da celebração de tratados nesse formato, tornou-se possível a coordenação formal entre jurisdições para obtenção de elementos e realização de diligências e medidas em um Estado, necessárias ao êxito de procedimento ou processo em curso em outro. Atentos aos graus de fluidez e eficiência da cooperação internacional conquistados com a adoção do modelo concebido no seio de esquema de integração regional190, os países passaram a firmar acordos internacionais nos mesmos moldes também                                                                                                                 186 Denominado Mutual Legal Assistance - MLA request em Idioma inglês, o instituto recebeu a denominação de “auxílio direto” no Estado brasileiro. É a denominação empregada, v.g., no art. 7º, parágrafo único, da Resolução nº. 9 do STJ; bem como no Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional, cuja comissão de elaboração foi instituída pelo Ministério da Justiça em 2004, pela Portaria nº 2.199, de 10 de agosto de 2004, sendo presidida pela então Secretária Nacional de Justiça, Dra. Claudia Chagas, dela fazendo parte integrante Antenor Madruga; Athos Gusmão Carneiro; Carmem Tiburcio; Gilson Dipp; Maria Rosa Guimarães Loula; Marcio Pereira Pinto Garcia; Nadia de Araújo; Walter Nunes Junior, entre outros. Ademais, é a nomenclatura oficial adotada pela Autoridade Central brasileira, o DRCI/SNJ/MJ. Para uma explanação abrangente sobre a trajetória de adoção da nomenclatura no País, ver: LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós- graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 95-99. 187 ARAUJO, Nadia de. Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. 12. 188 Identifica-se total pluralidade de termos empregadas pelo Legislador brasileiro – ou, melhor seria, o “Tradutor” brasileiro? – na titulação de tratados de conteúdo e disciplina semelhantes. “Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal”, “Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal”, “Acordo de Cooperação Judiciária e Assistência Mútua em Matéria Penal", “Acordo de Cooperação Judicial em Matéria Penal” são apenas alguns exemplos de títulos que denotam a inteira confusão entre conceitos distintos. Usa-se indistintamente e, portanto, de modo não acurado, expressões como “cooperação” (gênero) e “assistência” (gênero) e “auxílio mútuo” (espécie); bem como confunde-se o adjetivo “jurídica” (gênero) com “judiciária” (espécie). Chamamos, neste trabalho, os diplomas conforme sua denominação padrão em Língua Inglesa, consagrado nos círculos internacionais: para tratados bilaterais, “Mutual Legal Assistance Treaties – MLATs”, e, para tratados regionais e convenções multilaterais, “acordos contendo disposições sobre Mutual Legal Assistance – MLA”. A eleição dos termos em idioma estrangeiro, embora não seja tecnicamente a mais indicada, visa precipuamente afastar imprecisões e multiplicidade de significados. 189 Com vistas a preservar a delimitação temática, não conferiremos tratamento particular ao recebimento dos pedidos de auxílio direto com fundamento em promessa de reciprocidade, hipótese que carreia certas peculiaridades, em especial a necessidade de estrita observância – na falta de tratado ou convenção internacional – da lei doméstica do país requerido. Nesse caso, válido referir que a lei doméstica do Estado requerido poderá prever sua aplicação a todos os Estados estrangeiros indistintamente ou tão-somente a alguns previamente designados. Nesse sentido: PROST, Kimberly. Breaking Down the Barriers: inter-national cooperation in combating transnational crime. Disponível em: Acesso em: 14 de junho de 2009. 190 A Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal do Conselho da Europa (Convenção de Estrasburgo), de 1959, foi editada no seio do esquema de integração europeu. Na ocasião, as autoridades europeias já perceberam que a abertura de fronteiras para a formação do mercado comum teria de ser acompanhada, como contrapartida, de esforços para fortalecer mecanismos de segurança pública e justiça. Não obstante a Convenção não fosse específica a tipo de delito e previsse o cumprimento de uma abrangente gama de medidas, incluindo tanto investigações como persecuções, ainda se baseava em pedidos de magistrado para magistrado. Como tal, a legitimidade para formular o pedido seria aceitável em países do Civil Law, mas não do Common Law, em que as investigações são presididas pela Polícia, independentemente do Judiciário. Nesse 70   nos planos bilaterais191 e multilaterais192. A partir dos idos da década de 90, o modelo tomou forte impulso. Hoje, estão em vigor diversos instrumentos desse tipo, seja em seu formato bilateral, seja em seu formato regional ou multilateral. Cabe, neste ponto, depurar as características basilares do auxílio direto. Os MLATs e acordos regionais193 e multilaterais contendo disposições sobre MLA idealmente provêm regras do jogo claras, com requisitos transparentes para o cumprimento do pedido de auxílio direto, bem como rol de medidas executáveis pelos signatários. Dentre as características dessa nova espécie de cooperação, salienta-se como principal vantagem a obrigatoriedade do cumprimento do requerimento de assistência, eis que está previsto em tratado ou convenção internacional. Respeitar os compromissos assumidos em sede de tratado ou convenção representa obrigação internacional. É, no jargão do Direito Internacional, vinculativa ou obrigatória (binding)194. Como suas regras estão inseridas dentro de um acordo internacional                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           sentido: PROST, Kimberly. Op. Cit.; e KRIZ, George J. International Co-operation to Combat Money Laundering: The Nature and Role of Mutual Legal Assistance Treaties. In: Commonwealth Law Bulletin. Londres: Routledge, v. 18, n. 2, abr. 1992, p. 727. 191 O grande promotor dos tratados bilaterais de assistência mútua em matéria penal foram os Estados Unidos da América, que, em idos dos anos 70, trouxeram o tema para a mesa de negociações e fecharam seu primeiro tratado bilateral de assistência mútua em matéria penal com a Confederação Helvética. O objetivo principal do acordo era prover uma ferramenta capaz de facilitar a obtenção de documentos protegidos pelas regras de sigilo bancário na Suíça. Depois da celebração do primeiro tratado em 1973, os EUA concluíram diversos acordos desse estilo com vários países do mundo, os quais passaram a ficar conhecidos por sua denominação e sua sigla em Língua Inglesa, respectivamente, Mutual Legal Assistance e MLAT. 192 No plano multilateral, observamos que o modelo tomou impulso por meio dos esforços da Organização das Nações Unidas no combate, primeiramente, ao tráfico de drogas e, posteriormente, ao crime organizado transnacional e à corrupção. Voltaremos a esse tema em momento oportuno. In: BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico e uso de substâncias psicotrópicas. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; Idem BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 193 Esclarecemos que empregamos o adjetivo “regional” para denominar os instrumentos elaborados no âmbito de um esquema de integração regional ou hemisférico. Adotamos assim terminologia semelhante à utilizada por Claudia Lima Marques para designar os acordos firmados, por exemplo, sob o signo no Mercosul, da Organização dos Estados Americanos e da União Europeia. Veja MARQUES, Claudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado - da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 788, n. 34, abr./jun. 2001; Idem. Procédure civile internationale et Mercosur: pour un dialogue des règles universelles et régionales. In: Revue du Droit Uniforme. Roma: Unidroit, v. 1, 2003, p. 465-484; Idem. Conflitos de convenções de processo civil internacional: por um diálogo das fontes universais e regionais nos países do Mercosul. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 33-57; e Idem. A proteção do consumidor: aspectos de direito privado regional e geral. In: El Derecho Internacional Privado en las Américas (1974-2000), Cursos de Derecho Internacional - vol. I (Parte 1). Washington: Secretaria General - Subsecretaria de Asuntos Jurídicos, 2002, p. 1503-1622. 194 Portanto, a norma obrigatória (binding) possui outro grau de coercitividade. Ver: LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009, p. 82. 71   ratificado por ambos os países, sai-se da esfera do comitas gentium ou do comity, tradicionalmente implicados na recepção e execução dos pedidos de outras espécies de cooperação jurídica, como a carta rogatória de um modo geral195. Tal modalidade de cooperação é, assim, aquela que se dá pela via institucionalizada profetizada por Erik Jayme, por meio de autoridades centrais e convenções, que torna a cooperação não mais facultativa, e sim obrigatória196. Trata-se de cooperação não só jurídica, como também prevista em tratado. Logo, seu cumprimento obrigatório e eventual descumprimento entendido como injustificado poderá ser reclamado em tribunais internacionais197. Consagra-se, assim, o auxílio direto como uma verdadeira revolução em termos de cooperação jurídica internacional para assegurar o cumprimento de medidas rotineiras e nada “glamorosas”198, com fins de impulso processual, instrutórias, persecutórias e acautelatórias. Ao contrário da carta rogatória, que pode encontrar resistências no cumprimento de certas medidas conforme já referimos, o novo instrumento idealmente poderia ser usado para os fins mais diversos, desde os mais simples, como citação e intimação, até os mais complexos, como repatriar bens ou valores produtos de crimes; transferir pessoas sob custódia, executar pedidos de busca e apreensão, arresto, restituição e cobrança de multas199. A execução de requerimento de assistência cujo substrato legal constitua dispositivo de acordo é obrigação internacional, não cortesia. Reduzir-se-iam as possibilidades de discricionariedade imbricadas no recebimento dos pedidos, dado que sua denegação deve ser justificada em hipóteses previstas no bojo do diploma negociado. Assim, quaisquer negativas                                                                                                                 195 “MLATs are important because they make assistance obligatory as a matter of international law, whereas their main alternative – letters rogatory – are executed solely on the basis of comity” (ZAGARIS, Bruce. International Criminal Law: Cases And Materials. 2. ed. Durham: Carolina Academic Press, 2000, p. 385). 196 Também sentencia o mestre Erik Jayme, quanto ao caráter relativamente obrigatório da cooperação: “(...) cette collaboration n’est plus facultative mais, dans certains cas, obligatoire.” In: JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251,1995, p. 258. 197 Eric David conclui que os mecanismos clássicos de responsabilidade internacional podem, em princípio, serem aplicados no âmbito da cooperação da mesma forma que em outros domínios do Direito Internacional Público. Ressalva David que, na prática, seria muito raro colocar em movimento a pesada máquina da justiça internacional por uma questão de ausência de cooperação judiciária. No entanto, a dúvida do autor não parece mais hoje receber respaldo, eis que, especialmente, na corte de direitos humanos, tem se recebido algumas ações nesse sentido. Ver : DAVID, Eric. La responsabilité de l’État pour absence de cooperación. In: ASCENSIO, Hervé; DECAUX, Emmanuel e PELLET, Alain (Org.). Droit International Pénal. Paris: A. Pedone, 2000, p. 135. 198 “(…) such unglamourous but highly practical matters as the provision of evidence, documentary and viva voce, for use abroad; the search and seizure of evidence for use in foreign proceedings; the transfer of witnesses for interview; and the serving of documents originating in another jurisdiction”. (GILMORE, William C. Mutual assistance in criminal and business regulatory matters. Cambridge: University Press, 1995, p. XII). 199 TIBURCIO, Carmen. A importância da cooperação entre Estados. Mimeo. p. 2. Disponível em: Acesso em: 18 de março de 2011. 72   ao cumprimento do requerimento deveriam ter como fundamento as escusas previstas como possíveis no texto do tratado200, pela questão do pacta sunt servanda e possibilidade de reclamação no plano internacional201. Relevante destacar a previsão, nesses instrumentos, da figura da Autoridade Central. E um dos principais benefícios dos acordos de cooperação jurídica internacional em comento é justamente obrigar as partes a apontar uma autoridade central. Dentre as funções de tal órgão, está que, por meio de seu trâmite, a legalidade e a autenticidade dos elementos obtidos pela cooperação são asseguradas, como já referido. Registramos ainda que tal órgão é incumbido de receber e prover resposta a pedidos formulados com base no acordo. Logo, é um ente “distribuidor”, a centralizar a comunicação e identificar a autoridade competente para executar o pedido. Não por outra razão, torna-se responsável por zelar pelo bom cumprimento do acordo, de forma a cumprir com as obrigações a que a jurisdição está compromissada pelo instrumento. Salientamos igualmente como vantagens do auxílio direto, além de o escopo ampliado de atos e medidas que podem ser executados no Estado requerido, o escopo igualmente ampliado de autoridades competentes para formularem o pedido. Ademais, citamos como avanço do auxílio direto a reduzida burocracia envolvida no procedimento, especialmente em face da documentação exigida e da fluidez do trâmite. Outrossim, ressaltamos como vantagem a tendência à eliminação do requisito da dupla incriminação, mormente por intermédio dos tratados bilaterais e regionais. Por fim, identificamos como avanço adicional a possibilidade de instauração, a depender da necessidade202, de uma ação inteiramente nacional203 na jurisdição do Estado requerido, o que possibilitaria assim a ampla defesa e o contraditório ao interessado. Os tratados ainda trazem expresso a regra da lex diligentiae. Deve-se aplicar a lei do Estado requerido, a não ser que forma diferente seja requisitada pelo Estado requerente, e isso                                                                                                                 200 CAPATINA, Octavian. L’entraide Judiciaire Internationale en Matière Civile et Commerciale. In : Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1984, p. 326-327. 201 DAVID, Eric. La responsabilité de l’État pour absence de cooperación. In: ASCENSIO, Hervé; DECAUX, Emmanuel e PELLET, Alain (Org.). Droit International Pénal. Paris: A. Pedone, 2000, p. 135. 202 Nesse particular, importante distinguir o auxílio direto em matéria penal do auxílio direto em matéria civil. Por meio do auxílio direto em matéria civil, acreditamos que o Estado requerente abre mão de sua jurisdictio, ou seja, do poder de dizer o direito no caso real e concreto, para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Portanto, refere-se mais propriamente à afirmação do direito material. Por sua vez, por meio do auxílio direto, em matéria penal, entendemos que o Estado requerente mais propriamente oferece uma notitia criminis, possibilitando que o Estado requerido instaure procedimento administrativo ou processo judicial pertinente, conforme a lex diligentiae, para a execução da medida solicitada. 203 LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 107. 73   não fira o direito do Estado requerido, tampouco lhe traga ônus excessivo. Portanto, aqui, diferentemente da aplicação da jurisdição extraterritorial (sem autorização), possibilita-se eventual aplicação da lei nacional em território estrangeiro (ou seja, a lei do Estado requerente, desde que haja expressa anuência do Estado requerido). Afastam-se, assim, hipótese de constrangimentos no plano internacional204. Enquanto os membros do Conselho da Europa incorporaram o instrumento do auxílio direto no final da década de 50, e países como os Estados Unidos e a Suíça já o haviam adotado nos idos de 70, o Estado brasileiro passou a firmar acordos com esse fim apenas nos anos 90. O primeiro documento nesse sentido foi a Convenção de Viena de 1988, ratificada e com entrada em vigor no sistema jurídico pátrio em 1991205. O segundo foi o tratado bilateral com a República Italiana, que adentrou no ordenamento doméstico em 1993206. No entanto, foi somente no início do século XXI, com as alterações constitucionais e normativas promovidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004207, e pela Resolução nº. 9, de 2005, do Superior Tribunal de Justiça208, que o veículo do auxílio direto tomou terreno na prática jurídica brasileira. Outros fatores que facilitaram sua maior penetração foram a estruturação de arranjos institucionais próprios, especialmente por meio da criação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça                                                                                                                 204 “(...) even though the result might assist in the enforcement of the foreign law in the foreign proceedings, did not constitute enforcement, direct or indirect, of that law in England. It is believed that this judgment is of general application, and that it removes any doubts as to the legitimacy at common law of the provision of assistance in criminal matters." (MCCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2002, p. 155). 205 A Convenção foi ratificada pelo Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. In: BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico e uso de substâncias psicotrópicas. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 206 BRASIL. Decreto nº 862, de 9 de julho de 1993. Promulga o Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 207 BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 30 dezembro de 2004. Altera dispositivos dos artigos 5, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal do Brasil, acrescenta os artigos 103-A, 103-B, 111-A e 130-A e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 208 Após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº. 45, de 2004, nas disciplinas constitucionais afetas à carta rogatória e à ação de homologação de sentença estrangeira, foi editada a Resolução nº 09 do Superior Tribunal de Justiça, de 04 de maio de 2005. Aludida Resolução disciplina o procedimento, no STJ, de análise de tais espécies de cooperação jurídica internacional, bem como contém disposição sobre o auxílio direto. In: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Presidência. Dispõe, em caráter transitório, sobre competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Resolução nº 9, de 4 de maio de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 74   do Ministério da Justiça – DRCI/SNJ/MJ209, a Autoridade Central brasileira; bem como a própria internalização de diversos MLAT e acordos contendo disposições sobre MLA pelo ordenamento pátrio. Os textos dos acordos firmados pelo Brasil seguem estrutura razoavelmente padrão e consagrada na elaboração de MLATs. Dessa forma, apresentam substanciais assimetrias. Estão em vigor hoje no Brasil dezesseis tratados bilaterais, firmados com: Canadá210, China211, Colômbia212, Coréia do Sul213, Cuba214, Espanha215, Estados Unidos216, Itália217,                                                                                                                 209 O DRCI/SNJ/MJ foi criado pelo Decreto nº. 4.991, de 18 de fevereiro de 2004, e é a Autoridade Central brasileira, tanto para os pedidos passivos como para os ativos de cooperação jurídica internacional, em matéria penal e em matéria civil. Suas atribuições estão reguladas no Decreto nº 6.061, de 2007. Em matéria penal, as exceções constituem as cartas rogatórias e os pedidos de auxílio direto em matéria penal recebidos e enviados para Portugal. Está designada como autoridade central, no tratado bilateral firmado entre Brasil e Portugal e o firmado entre Brasil e Suíça, a Procuradoria-Geral da República. Outra exceção são os pedidos de extradição e transferência de apenados, para o qual a Autoridade Central é o Departamento de Estrangeiro - DEEST, igualmente da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça - SNJ/MJ. Já em matéria civil, exceções constituem as solicitações envolvendo casos de sequestro de menores e adoção internacional. Para tais casos, a Secretaria Especial de Direitos Humanos é a Autoridade Central, nomeada, respectivamente, pela Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro de Menores de Haia e a Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional de Haia. Nesse sentido, veja: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 67-86; e Idem. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Civil. Brasília: Publicação Oficial, 2009, p. 55-66. Voltaremos, em momento posterior, a maior explanação sobre a concepção de aparato institucional denominado “Autoridade Central”. 210 BRASIL. Decreto nº 6.747, de 22 de janeiro de 2009. Promulga o Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 211 BRASIL. Decreto nº 6.282, de 3 de dezembro de 2007. Promulga o Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Popular da China. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 212 BRASIL. Decreto nº 3.895, de 23 de agosto de 2001. Promulga o Acordo de Cooperação Judiciária e Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Colômbia. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 213 BRASIL. Decreto nº 5.721, de 13 de março de 2006. Promulga o Tratado entre a República Federativa do Brasil e a República da Coréia sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 214 BRASIL. Decreto nº 6.462, de 21 de maio de 2008. Promulga o Acordo de Cooperação Judicial em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República de Cuba. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 215BRASIL. Decreto nº 6.681, de 08 de dezembro de 2008. Promulga o Acordo de Cooperação e Auxílio Jurídico Mútuo em Matéria Penal entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 216 BRASIL. Decreto nº. 3.810, de 02 de maio de 2001. Promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 75   França218, Peru219, Portugal220, Suriname221, Suíça222, Ucrânia223 e Uruguai224. Já na esfera regional, há três instrumentos em vigor: um no âmbito do Mercosul225 (Protocolo de San Luis) e dois no da Organização dos Estados Americanos - OEA (Convenção de Nassau)226 . Há também os instrumentos multilaterais em vigor no sistema jurídico doméstico: no foro da Organização das Nações Unidas - ONU, os três principais documentos são a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena de 1988)227, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo)228 e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           217 BRASIL. Decreto nº 862, de 9 de julho de 1993. Promulga o Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal, entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/dpj/cji/handle/26501/1161>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 218 BRASIL. Decreto nº 3.324, de 30 de dezembro de 1999. Promulga o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 219 BRASIL. Decreto nº. 3.988, de 29 de outubro de 2001. Promulga o Acordo de Assistência Jurídica em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Peru. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 220 BRASIL. Decreto nº 1.320, de 30 de novembro de 1994. Promulga o Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 221 BRASIL. Decreto nº 6.832, de 29 de abril de 2009. Promulga o Tratado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Suriname sobre Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 222 BRASIL. Decreto nº 6.974, de 7 de outubro de 2009. Promulga o Tratado de Cooperação Jurídica em Matéria Penal entre a República Federativa do Brasil e a Confederação Suíça. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 223 BRASIL. Decreto nº 5.984, de 12 de dezembro de 2006. Promulga o Acordo de Assistência Jurídica em Matéria Penal entre a República Federativa do Brasil e a Ucrânia. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 224 Ponderamos que, na prática, o acordo bilateral com o Uruguai encontra sua vigência comprometida, tendo em vista o instrumento firmado sob o marco do Mercado Comum do Sul - Mercosul. In: BRASIL. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 225 BRASIL. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 226 BRASIL. Decreto nº 6.340, de 3 de janeiro de 2008. Promulga a Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana Contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 227 BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico e uso de substâncias psicotrópicas. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 228 BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 76   (Convenção de Mérida)229; e no da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, destaca-se a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais230. Tanto a Lei nº 8.884, de 1994, como a nova Lei no 12.529, de 2011, disciplinam acerca da responsabilidade administrativa dos agentes econômicos e não contêm qualquer dispositivo prevendo sanções puramente criminais231. A despeito dessa constatação, é digno de nota que as condutas descritas nos art. 20 c/c art. 21 na Lei nº 8.884, de 1994, bem como no art. 36 da nova Lei no 12.529, de 2011, que caracterizam infrações à ordem econômica constituem, em muitos casos, as mesmas ações e omissões tipificadas em outros diplomas legais como crimes. Vale lembrar que um mesmo ato ou fato pode produzir efeitos distintos na ordem jurídica e ser objeto de diversas áreas do Direito. No caso, as infrações à ordem econômica são caracterizadas por sua natureza multifacetada: a mesma conduta, com prática ilícita, pode dar base a uma responsabilização administrativa, penal ou civil. A característica decorre do fato de que essas infrações atingem não pessoas individualmente, mas sim a coletividade232. À luz dessa compreensão, um agente econômico, quando comete uma infração à ordem                                                                                                                 229 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 230 BRASIL. Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. Promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 231 Há de se registrar, no entanto, que, por meio de dispositivos inseridos no bojo da legislação antitruste brasileira, nominalmente, nos arts. 85 e 86 da Lei no 8.884, de 1994, e no arts. 87 e 111 da nova Lei no 12.529, de 2011, promoveram-se alterações em dispositivos sobre responsabilização criminal na Lei no 8.137, de 1991, na Lei no 8.886, de 1994 e no Código Penal brasileiro. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 232 “O sistema capitalista sustenta-se sobre dois pilares: a propriedade privada e a livre iniciativa. O Estado, com a revolução burguesa, assume o papel de protetor desse sistema, que se desenvolve a partir da consagração da liberdade de apropriação de bens e dos meios de produção, liberdade que se mantém intangível até o princípio deste século, quando se pôs em questionamento a necessidade do bem-estar coletivo.” (BUCHAIN, Luiz Carlos. O poder econômico e a responsabilidade civil concorrencial. Porto Alegre: Nova Prova, 2006, p. 19). “A lei penal-econômica é, principalmente, de interesse público e sua efetivação aproveita a Coletividade, mais do que aos individualmente prejudicados. A observância coativa da lei penal-econômica beneficia a todos, indistintamente, sendo de proveito geral, desse abono necessitando a sociedade para que não sejam ilusórios os privilégios individuais de seus membros.” (FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Roteiro do processo penaleconômico na legislação concorrencial. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 5, n. 10, 1998, p. 10). 77   econômica, não está o fazendo contra seu concorrente, mas sim contra a estrutura concorrencial, os ganhos em eficiência233 234 e inovação235 e os consumidores coletivamente236 237. É isso que distingue tal infração, portanto, de outras práticas. O que as leis de repressão à infração à ordem econômica busca não é proteger um concorrente contra o outro, mas sim uma estrutura competitiva dada em termos de interesses supraindividuais da vida econômica238. O objetivo dessa legislação deve ser impedir a concorrência, não o concorrente ou os concorrentes: é nesse sentido que a infração é contra a ordem econômica239. Ad argumentandum tantum, o Cade tutela direitos coletivos e conhece e julga acerca de infrações à ordem econômica. Em que pese o órgão possuir caráter administrativo, dispõe de funções e exerce atividade, nas palavras de José Inácio Gonzaga Franceschini, “para-                                                                                                                 233 A respeito dos efeitos da concorrência sobre a eficiência redistributiva e o tratamento legal da matéria, veja SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 145. 234  Acerca dos efeitos da concorrência sobre a eficiência alocativa e a evolução histórica das teorias a respeito, ler SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001, p. 104-167. 235 Acerca de recentes abordagens sobre a relação entre concorrência e inovação, leia CARLTON, Dennis W. Trad. de Tatiana de Campos Aranovich. Revisando o Guia norte-americano para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 121-160. 236 Ao referir-se ao art. 54 da Lei no 8.884, de 1994, escreve Calixto Salomão Filho: “Ocorre que a única maneira efetiva de garantir essa repartição de benefícios com os consumidores é a proteção do sistema concorrencial, isto é, da existência da concorrência, efetiva, ou ao menos, potencial. Só ela pode garantir a preocupação constante dos agentes econômicos com a redução de preços, melhoria da produtividade e qualidade dos bens e serviços. Mas não apenas do ponto de vista do consumidor a proteção do sistema concorrencial (isto é, da existência de concorrência) é necessária. Afetando o direito concorrencial os interesses de todos os participantes do mercado, isto é, sendo necessariamente não neutro em relação a todos eles, é necessário e não paradoxal incluir entre os titulares dos direitos subjetivos dele decorrentes todos os componentes do mercado, tanto os consumidores como os concorrentes. A explícita inclusão de interesses conflitantes é necessária à aplicação da norma. Essa inclusão se torna tanto mais fácil quando se nota que, uma vez entendido o processo concorrencial como um processo de escolha racional, os interesses dos concorrentes e consumidores, ao contrário de conflitantes, são reciprocamente instrumentais. Sob essa perspectiva, a resolução de eventuais conflitos que possam aparecer em casos específicos se resume a verificar, relativamente a uma determinada situação, que interesse o legislador considerou predominante e se a proteção desse interesse é passível ao menos em tese de ser instrumental à proteção do remanescente. Nesse caso, não há como negar a racionalidade da aplicação estrita da norma. O constituinte e o legislador brasileiro claramente encamparam a tese do reconhecimento e representação dessa pluralidade de interesses na legislação antitruste. (...) Livre concorrência e proteção do consumidor convivem como objetos da legislação antitruste brasileira.” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 33-36). Já ao se referir ao art. 1o da Lei no 8.884, de 1994, afirma Salomão Filho: “Entre essa perspectiva e a defesa da livre concorrência não existe qualquer incompatibilidade. Existe, isso sim, uma relação de instrumentalidade”. (SALOMÃO FILHO, Calixto. Op. Cit., 2002, p. 37). 237 O Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer lembra que a livre concorrência consubstancia igualmente interesse difuso, seja por seu objeto, seja por própria previsão do Legislador brasileiro. Isto porque a Lei nº 8.884/94 prevê a aplicação subsidiária da Lei nº 7.347, de 1985 e do art. 83 da Lei nº 8.078, de 1990. A respeito, leia PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Tutela coletiva da livre concorrência. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, v. especial, n. especial, 2003, p. 227-268. 238 ARAUJO JÚNIOR, João Marcelo de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 94. 239 FERRAZ, Tercio Sampaio. Underselling na lei 8137/90 considerações sobre o tipo penal. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, p. 143. 78   jurisdicional penal”240. A interfase entre as matérias administrativa e criminal no combate às infrações à defesa da concorrência parece cristalina. Com a edição da Lei nº 10.149, de 2000, e o acréscimo do art. 35-A, isso parece ainda mais evidente241. Ademais, o endurecimento do processo criminal é benéfico à eficácia da persecução administrativa, de forma a incrementar os incentivos para que se entre em acordo242 e inclusive para o não cometimento da infração. Por fim, parece que o temor de ser preso, ou seja, de se atingir a liberdade individual da pessoa física, é repressão contundente e a fortalecer o enforcement da defesa da concorrência. É válido lembrar que as multas pecuniárias que infringem à pessoa jurídica poderiam ser com maior facilidade repassadas aos acionistas e ao orçamento da empresa. Por variados motivos, tanto jurídicos como práticos, entendemos que a relação entre as leis criminais e a Lei nº 8.884, de 1994, e a nova Lei no 12.529, de 2011, são de complementaridade. Mormente, tais condutas delitivas (ou seja, as que podem caracterizar simultaneamente infrações administrativas à ordem econômica e infrações criminais) encontram-se disciplinadas em dispositivos da Lei nº 8.137, de 1990, e da Lei nº 8.666, de 1993. Mencionados diplomas descrevem o tipo e preveem sanções, respectivamente, para os crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo 243 244 e os concernentes às                                                                                                                 240 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Roteiro do processo penal-econômico na legislação concorrencial. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 5, n. 10, 1998, p. 10. 241 A assinatura de acordo de leniência não só assegura o benefício da imunidade total frente às penas previstas na Lei no 8.884, de 1994, caso o SDE não tenha conhecimento (leniência), e de 1/3 a 2/3, se leniência plus; mas também determina suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento de denúncia por crimes contra a ordem econômica tipificados na Lei no 8.137, de 1990. Além disso, seu cumprimento implica a extinção automática da punibilidade desses crimes. Portanto, tem processo administrativo efeitos no criminal. A regra, de forma semelhante, é reproduzida na nova Lei no 12.529, de 2011. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: .>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 242 “É ponto pacífico que a atratividade da leniência é maior nos países em que o cartel é tipificação como infração criminal.” In: RIBEIRO, Amadeu; NOVIS, Maria Eugênia. Programa brasileiro de leniência: evolução, efetividade e possíveis aperfeiçoamentos. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 17, n. 1, jan./jun. 2010, p. 156. 243 Leia os arts. 4º, 5º e 6º da Lei nº 8.137, de 27 de setembro de 1990. In: BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 244 Há crimes contra a ordem econômica também previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, que define crimes contra o sistema de abastecimento de combustíveis. No entanto, deixaremos, aqui, de analisar referida legislação. Veja BRASIL. Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991. Define crimes contra a 79   licitações e contratações da Administração Pública245. Ademais, podem ser encontradas tais condutas na Convenção de Palermo (Decreto nº 5.015, de 2004) e no o Código Penal brasileiro246. Esses diplomas incriminam, respectivamente, as condutas de criminalidade organizadas e de formação de quadrilha ou bando e outros crimes, de modo a que não se excluam demais possibilidades que podem decorrer do caso concreto. Caso as condutas descritas nos diplomas legais sejam cometidas, hipoteticamente constituirão, além de infrações sujeitas à responsabilização administrativa e civil da legislação antitruste, simultaneamente ilícitos sujeitos à responsabilização criminal. Enquadra-se nesse padrão, a título exemplificativo, o ilícito de cartel, considerado a mais grave lesão à concorrência. A luta pelo desmonte dos cartéis é hoje prioridade da OCDE247 e diversos países do globo, inclusive o Brasil248. Essa luta deu início ao empenho das autoridades internacionais em viabilizar a utilização dos MLATs e acordos dispondo sobre MLA para a defesa da concorrência249. Apesar de estes instrumentos serem específicos para matéria criminal, mesmo assim, defendemos, nesta dissertação, que as autoridades dos países signatários poderão invocá-los para solicitar assistência referente à investigação de violação antitruste cujo ato constitua, igualmente, uma ofensa criminal dentro de sua própria legislação. Assim, caso o ato ou fato investigado possa ser penalizado administrativamente por constituir infração anticoncorrencial e também possa ser condenado penalmente por ser crime, poder-se-á usar a via do auxílio direto para solicitar medidas no estrangeiro. Importante enfatizar que, na                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 245 Nesse sentido, leia os arts. 89 a 97 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. In: BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 246 Veja o art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. In: BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 247 “The OCED gives high priority to effective competition law enforcement, particularly against hard core cartels.” In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Best Practices for the Formal exchange of Information between Competition Authorities in Hard Core Cartel Investigations. Paris: OCDE, 2005, p. 2. ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Op. Cit., 2005, p. 2. 248 BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Departamento de Proteção e Defesa Econômica. Combate a Cartéis e Programa de Leniência. 2. ed. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 6. FRANÇA - ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Lei e Política de Concorrência no Brasil. Uma Revisão pelos Pares. Paris: OCDE, 2010, p. 15. Disponível em: . Acesso em: 18 de agosto de 2010. 249 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department of Justice. International Antitrust in the Bush Administration. Disponível em: . Acesso em: 10 de maio de 2009. 80   hipótese acima aventada, basta que a violação à legislação antitruste (ou seja, à Lei nº 8.884, de 1994, ou à nova Lei no 12.529, de 2011) constitua ofensa criminal no âmbito do Estado requerente, independentemente de a violação constituir ou não crime no Estado requerido. Assim, como postulamos aqui, será somente nos tratados em que há a exigência expressa da dupla incriminação, que se averiguará a tipificação da conduta, igualmente, no Estado requerido. Vale frisar, portanto, que, segundo a hipótese aventada, os acordos de cooperação penal aplicar-se-iam à investigação e julgamento de condutas anticoncorrencias250 em processos administrativos, os quais possuem como objeto, propriamente, apurar e reprimir infrações251. Não se aplicariam, então, à análise de atos de concentração, no qual não se perquirem práticas ou condutas anticompetitivas, sim em que se aprovam ou não atos de fusão e incorporação. Enquanto a jurisdição do processo administrativo, no primeiro caso, é contenciosa; a jurisdição do procedimento de análise de ato de concentração é voluntária252. Para essa última hipótese, acreditamos que ainda teriam de ser usados mecanismos de cooperação informal, por meio de contatos diretos e/ou com base em acordos firmados pelos próprios órgãos de defesa de concorrência de cada país, conforme se estuda no Capítulo 4. 2.5 LEGITIMIDADE DAS AUTORIDADES ANTITRUSTE PARA SOLICITAR COOPERAÇÃO COM BASE EM MLATs E ACORDOS DISPONDO SOBRE MLA                                                                                                                 250 Arts. 20 e 21 da Lei no 8.884, de 1994; e art. 36 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 251 “O processo penal-econômico, destinado a apurar e reprimir as infrações à ordem econômica, regido pelo Título VI da LDC, distingue-se na essência e propósito do procedimento de análise de atos de concentração, objeto do Título VII da Lei de Regência. (...) O processo penal-econômico é, portanto, de natureza tipicamente contenciosa, sujeitando-se aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (...); já o procedimento de análise de atos de concentração é voluntário: não há pretensão resistida (ainda quando o ato de concentração seja alvo de objeções de concorrentes ou outros agentes econômicos), não há lide, nem partes, e, muito menos, contraditório, mas apenas um negócio procedimental entre o CADE e os partícipes do ato de concentração.” (FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Roteiro do processo penal-econômico na legislação concorrencial. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional 1998, p. 13). 252 FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Op. Cit., p. 13. 81   Passemos a analisar então o tema da competência para formular o pedido de auxílio direto. Os MLATs e tratados regionais e convenções multilaterais que contêm disposições sobre MLA firmados pelo Brasil disciplinam acerca das autoridades competentes para requerem a assistência. Desse modo, esses instrumentos contêm rol, que pode ser mais ou menos aberto. De modo geral, possibilita-se que autoridades solicitem medida à jurisdição estrangeira, desde que estejam a cargo de investigações cujos fatos podem redundar em processo criminal na jurisdição nacional. Conforme a redação da disposição correlata, entende-se estarem no rol de autoridades com legitimidade ativa: (i) somente as autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público253; ou (ii) todas as autoridades jurisdicionais responsáveis pela condução de tais procedimentos e processos, sejam as propriamente judiciais, ou as administrativas envolvidas na investigação ou na persecução254, tais como os membros não só do Ministério Público, como também das Polícias, da Receita Federal255 e outras. No Brasil, a investigação dos crimes contra a ordem econômica é de competência do Ministério Público e das Polícias. Seu julgamento ficará a cargo do Poder Judiciário. Portanto, o parquet e magistrado, e, a depender da redação do tratado e da interpretação conferida pelo Estado requerente, também o delegado de Polícia, possuirão legitimidade ativa na submissão de pedidos de auxílio direto referentes a tais delitos. Já com referência às autoridades do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, oportuno uma digressão sobre o tema. Tais autoridades são responsáveis pela investigação e pela persecução das infrações administrativas. Portanto, diferentemente de sistemas como o norte-americano, onde o Departamento de Justiça (Department of Justice, doravente “DOJ”)256 é responsável pela condução de casos envolvendo tanto responsabilidade                                                                                                                 253 A título ilustrativo, citamos o Protocolo de San Luís (do Mercosul), que contém rol fechado de autoridades requerentes. Em seu art. 4o, refere-se somente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, e não ressalva as diferenças entre sistemas. Veja BRASIL. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 254 Por exemplo, o art. 4 da Convenção de Nassau estipula que o pedido será formulado por “autoridades encarregadas da investigação e do julgamento de delitos no Estado requerente” e que se deverá levar em conta “a diversidade dos sistemas jurídicos dos Estados Partes”. Nossa compreensão diante de tais dispositivo é que tal redação amplia o rol de autoridades competentes para solicitar o auxílio direto. Entendemos, então, que demais autoridades, além dos representantes do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos, poderão solicitar a assistência jurídica, como membros das Polícias e demais autoridades administrativas envolvidas na persecução criminal. Ainda, acreditamos que o diploma, ao ressalvar as diferenças entre sistemas jurídicos, carrega a ambição de afastar compreensões mais restritivas em face da cooperação jurídica, especialmente as sobreviventes nos países da Civil Law, onde certas autoridades ainda estão presas à ótica da cooperação jurídica como canal de comunicação restrito a magistrados. 255 Nesse sentido: SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 297-326. 82   administrativa como penal, tais autoridades não são encarregadas da investigação e do julgamento de delitos criminais. Ao se seguir interpretação bastante estreita, não poderiam, em teoria, atuar os representantes do SBDC como autoridades requerentes em pedidos de cooperação com base em acordos e convenções de cooperação em matéria penal. De qualquer forma, em se tratando da investigação ou persecução de ato ou fato anticompetitivo para o qual sejam aplicáveis tanto sanções não-criminais como sanções tipicamente criminais, as autoridades antitruste poderiam, sim, lançar mão do instrumento de auxílio direto provido com base em acordos e convenções internacionais em matéria penal. A tese aqui defendida aplica, por analogia, argumento empregado para cumprimento de pedidos com vistas a apurar atos de improbidade administrativa no Brasil. As práticas consideradas improbidade administrativa, tais como aquelas consideradas infração à concorrência, são atos ilegais que podem gerar a aplicação de cominações nas esferas administrativa, civil e penal257. No entanto, a ação de improbidade administrativa estabelecida na Lei no 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), claramente não tem natureza penal, sim civil, conforme pacificado na jurisprudência e na doutrina.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           256 O sistema norte-americano é composto por dois órgãos executivos independentes: a Divisão Antitruste (Antitrust Division) do DOJ e o a Comissão de Comércio Federal (Federal Trade Commission, doravante “FTC”). De modo distinto do Brasil, em que os órgãos executivos do SBDC são responsáveis tanto por apurar como por julgar a responsabilidade administrativa; nos Estados Unidos, o FTC e o DOJ apuram a responsabilidade civil, enquanto o DOJ isoladamente ocupa-se também de perseguir infrações penais. O DOJ e o FTC submetem o produto de suas investigações aos tribunais judiciais, os quais irão chancelar ou não o entendimento dos órgãos executivos em veredicto final. Veja, nesse sentido: GLOBAL COMPETITION REVIEW. The Handbook of Competition Enforcement Agencies 2011. Londres: GCR, 2011, p. 307-323. 257 Os servidores, no exercício de suas funções, podem cometer infrações nas esferas administrativa, penal e civil. In: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 441; e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 472-474. Assim, na esfera administrativa, o infrator poderia submeter-se a um procedimento ou processo administrativo para a imposição de sanções de advertência, suspensão, demissão, cassação, entre outras, conforme a legislação específica aplicável. Na esfera criminal, o servidor poderia ser submetido a processo judicial por crimes de peculato, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa, além de outros crimes previstos em legislação penal. Por derradeiro, na esfera civil¸ o infrator poderia se submeter à ação civil de improbidade administrativa para a imposição de sanções como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, conforme previsto no art. 37, § 4o, da CF e a Lei no 8.429, de 1992. Conforme já compreendeu o STF, as decisões exaradas nos processos de diferentes esferas podem ser diferentes e até conflitantes entre si, pois cada órgão decisório é independente do outro. A esse respeito, veja: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL: INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. I. - O mandado de segurança pressupõe fatos incontroversos, pelo que não admite dilação probatória. II. - Procedimento administrativo regular, assegurados o contraditório e a ampla defesa. III. - Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão ou de cassação da aposentadoria, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal, tendo em vista a autonomia das instâncias. Precedentes do STF: os MS 23.401/DF e 23.242/SP, Min. Carlos Velloso, Plenário, 18.03.02 e 10.04.02; MS 21.294/DF, Min. Sepúlveda Pertence, "DJ" de 21.9.01; MS 21.293/DF, Min. Octavio Gallotti, "DJ" de 28.11.97; os MS 21.545/SP, 21.113/SP e 21.321/DF, Min. Moreira Alves, "DJ" de 02.4.93, 13.3.92 e 18.9.92; MS 22.477/AL, Min. Carlos Velloso, "DJ" de 14.11.97. IV. - R.M.S. improvido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 24.791. Voto do Rel. Min. Carlos Velloso. Publicado no DJ em 11 de junho de 2004). 83   As autoridades brasileiras responsáveis pela investigação ou julgamento de atos de improbidade, a fim de obterem assistência jurídica de Estados signatários de MLATs e acordos contendo dispositivos sobre MLA, em matéria penal, têm utilizado o argumento de que as condutas descritas na Lei nº 8.429, de 1992, que ensejam a aplicação de sanções administrativas e civis, são as mesmas previstas na legislação penal para tipificar os crimes contra a Administração Pública (Título XI do Código Penal brasileiro). Por essa via, tem-se obtido cooperação tanto por tratados bilaterais, mormente com os Estados Unidos da América258, como por convenções multilaterais, em particular a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção259. Em alguns casos, o fato de já estar instaurada inquérito ou ação penal poderá auxiliar na execução desse pedido260. Raciocínio análogo se aplicaria aqui às autoridades responsáveis pela investigação e julgamento das infrações administrativas anticoncorrencias: as condutas descritas na Lei nº 8.884, de 1994, bem como na nova Lei no 12.529, de 2011, as quais dão azo a sanções administrativas, constituem as mesmas condutas aludidas pelo legislador na descrição de outros crimes. A investigação de condutas promovida pelo SBDC pode vir a resultar em processo criminal, o que por si justificaria o pedido de auxílio em determinadas situações261. Facultar a autoridades administrativas a competência de formular pedidos com base em acordos de cooperação jurídica em matéria penal vai ao encontro das mais modernas tendências na matéria. O Acordo de Cooperação Jurídica Mútua entre Estados Unidos da América e União Europeia (Agreement on Mutual Legal Assistance between the United States of America and the European Union) de 2003, por exemplo, estende às autoridades                                                                                                                 258 “O MLAT permite não apenas a cooperação penal, mas também a cooperação civil. As autoridades norteamericanas, inclusive, têm cumprido os pedidos de auxílio direto oriundos de inquéritos civis que tratam de atos de improbidade administrativa, desde que também configurem crimes abrangidos pela convenção, notadamente a corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.” In: MARQUES, Silvio Antonio. Ação Civil de Improbidade Administrativa e Cooperação Jurídica Internacional. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2008, p. 271. 259 Nesse sentido, expõe o art. 43(1) e o art. 53, alínea “a” da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. In: BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 260 “Considerando que a cooperação decorrente do MLAT deve ser a mais ampla possível entre os dois Estados, incluindo-se a proteção às vítimas, o DRCI e o DOJ decidiram, em 2006, aceitar os pedidos de auxílio direto oriundos de inquéritos civis referentes a atos de improbidade administrativa, para fins de obtenção de provas, desde que o mesmo ato também represente um crime (por exemplo, corrupção) que seja objeto de inquérito ou processo criminal no Brasil, cujo número deverá ser declinado nas solicitações. A cooperação internacional, nesse caso, é feita com base em texto de índole penal, mas no ambiente de um procedimento civil.” In: MARQUES, Silvio Antonio. Op. Cit., p. 310. 261 “O pedido de auxílio, em determinadas situações, pode ser justificado na investigação de fato que possa vir a resultar em processo criminal”. In: LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009, p. 50. 84   administrativas nacionais a competência para formularem pedidos de auxílio direto. Para tanto, tais autoridades devem investigar condutas com um viés para a persecução criminal ou condutas que tenham pertinência com outra conduta que poderá ser objeto de investigação criminal ou ser da competência persecutória criminal de outras autoridades262. De fato, há grande interdependência entre a investigação e a instrução promovidas no âmbito do SBDC, e as promovidas nas atividades encarregadas propriamente da investigação e persecução criminal. Ainda que o julgamento promovido em cada uma das esferas (criminal, penal e administrativa) seja independente das demais, o processo criminal desenvolve-se, nos elementos técnicos, com base nos subsídios do processo administrativo. Vale lembrar que os pareceres da SDE e o julgamento do Cade constituem prova pericial no processo criminal. Como lembra Vinícius Marques de Carvalho, a circunstância distintiva do antitruste está no fato de que a sua relação com a economia exige que se trabalhe essencialmente com noções econômicas, muitas vezes, mais do que com conceitos jurídicos formais263. Questões de mercado e econométricas, muitas vezes, são de difícil compreensão, e devem estar envolvidas, para que se compreenda a questão. Como em um processo que investiga um homicídio, necessitar-se-á de uma perícia de um médico legista. No processo que investiga o crime contra a ordem econômica, não raro serão necessários elementos da análise dos órgãos do SBDC, cuja expertise supera a de um perito em isolado264.                                                                                                                 262 O artigo 8 do MLAT, entre Estados Unidos e União Europeia de 2003 assim dispõe: “Article 8. 1. Mutual legal assistance to administrative authorities 1. Mutual legal assistance shall also be afforded to a national administrative authority, investigating conduct with a view to a criminal prosecution of the conduct, or referral of the conduct to criminal investigation or prosecution authorities, pursuant to its specific administrative or regulatory authority to undertake such investigation. Mutual legal assistance may also be afforded to other administrative authorities under such circumstances. Assistance shall not be available for matters in which the administrative authority anticipates that no prosecution or referral, as applicable, will take place.” Com base nesse dispositivo tem se aceitado, por exemplo, que autoridades administrativas antitruste solicitem a cooperação com base em MLAT, mesmo que autoridades responsáveis pela condução da ação penal sejam outras, como o Procureur de la Républic. Veja UNIÃO EUROPEIA. Agreement on mutual legal assistance between the European Union and the United States of America, de 19 de julho de 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 263 “Assim, os conceitos tipológicos no direito da concorrência representam o espaço de inter-relação com a ciência econômica, mediado pela interpretação. Ocorre que os conceitos econômicos dos quais o direito da concorrência se vale também são passíveis de uma avaliação de experiência e de valor. A solução mais correta é construída por meio de um processo interpretativo que, muitas vezes, se vale de conceitos e métodos da análise econômica, mas ainda assim interpretação e não discrição, pois motivado por juízo de legalidade.” In: CARVALHO, Vinícius Marques de. Poder Econômico e defesa da concorrência: reflexões sobre a realidade brasileira. Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 314. 264 “ (...) dificilmente qualquer perito teria melhores condições técnicas para se pronunciar sobre questões econômicas do que os sete membros do CADE, especialistas na matéria, cuja decisão foi amparada por diversos outros órgãos de Estado (SDE, Seae, AGU e MPF). Assim, é difícil sustentar que a avaliação de um único perito possa substituir qualitativamente a decisão proferida pelo CADE, tendo em vista o procedimento adotado nos processos administrativos de sua competência.” (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Defesa da Concorrência no Judiciário. Brasília: Publicação Oficial, 2010, p. 22). 85   Talvez um dos exemplos mais claros seja a prova do crime de comercialização de produtos a preços inferiores aos do seu custo (underselling), previsto no art. 4, inc. VI da Lei nº 8.137, de 1990. A figura típica não se caracteriza, em si, pela simples prática de baixo preço. Para que constitua fato indiciariamente delituoso, faz-se imprescindível que o fato integre também elementos subjetivos (dolo específico ou causa final de “impedir a concorrência”) e normativos (que a venda abaixo do custo tenha sentido anticoncorrencial) do tipo265. Para que o aspecto subjetivo do crime seja caracterizado, assim, deve se comprovar que houve de fato intenção de impedir a concorrência, isto é, de prejudicar em efetivo não um concorrente, mas a estrutura competitiva. A comprovação do chamado preço predatório, que não se assemelha ao dumping266, depende de elementos de análise de mercado. Sua analise é complexa, pois a prática de preços baixos é uma estratégia comum do mercado. Deve estar presente a intenção de tirar a concorrência do mercado, de maneira a se ter cautela em sua caracterização267. Diante das análises até aqui empreendidas, iremos sintetizar nossos entendimentos. Assim, acreditamos que os membros dos órgãos de defesa da concorrência brasileira poderiam formular pedidos de auxílio direto (ou seja, mecanismo de cooperação jurídica) com base: (i) em tratado bilateral e regional, quando o ato ou fato investigado constituir crime na legislação brasileira – e, excepcionalmente, a depender da existência de requisito de dupla incriminação no tratado respectivo, também na jurisdição requerida; e/ou (ii) em convenção multilateral, quando o ato ou fato investigado represente crime na legislação brasileira que constitua o objeto do acordo, bem como seja ilícito também tipificado na jurisdição requerida, haja vista o requisito da dupla incriminação de praxe presente nesses instrumentos multilaterais.                                                                                                                 265 FERRAZ, Tercio Sampaio. Underselling na lei 8137/90 considerações sobre o tipo penal. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, p. 140. 266 Conforme Welber Barral, o dumping se configura no momento da exportação de determinado produto e sua característica é a venda do produto abaixo do preço de mercado. Ler BARRAL, Welber. Dumping, underselling e preço predatório. In: Revista de Direito Econômico. Brasília: CADE, n. 29, jan./jul. 1999, p. 129-135. 267 “ (...) o jogo de preços abaixo do custo é uma estratégia comum que é usada com cautela, pois pode provocar maiores danos a quem dela faz uso, integrando a margem de risco de um mercado livre. Por essas razões, nos EUA, a Suprema Corte tem negado a presunção de preço predatório a um ‘underselling’ por longos períodos, sendo que a experiência mostra, ao contrario, que, muitas vezes, a denúncia de preço predatório é estratégia do concorrente menos eficiente que vê ameaçada sua participação de mercado”. (FERRAZ, Tercio Sampaio. Underselling na lei 8137/90 considerações sobre o tipo penal. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, p. 140-141). 86   Em qualquer uma das hipóteses, entendemos isso não obstaria eventualmente a possibilidade de o pedido ser formulado pelos órgãos de defesa da concorrência em conjunto com outras autoridades que estariam investigando ou perseguindo os mesmos fatos, como, por exemplo, o membro do Ministério Público. Isso incrementaria ainda mais, acreditamos, a aceitabilidade e executabilidade do pedido, o que ocorre, como já citamos, com as solicitações em matéria de improbidade administrativa. Vale lembrar que, inobstante os processos e procedimentos referentes a cada uma das esferas de responsabilização serem independentes entre si, é frequente, no processo nacional, situações em que as provas obtidas no processo penal sejam usadas no processo civil ou no processo administrativo. Se essa é a regra para a “prova emprestada” no processo nacional268, cabe indagar, então, qual seria a regra nos documentos obtidos via cooperação internacional. Melhor dizendo: na hipótese em que o pedido fosse formulado por outra autoridade que não o órgão de defesa da concorrência, os elementos obtidos por meio de pedidos de auxílio direto cumpridos em casos relacionados, v.g., os extraídos de ações penais no Brasil, seria importante perquirir acerca da possibilidade ou não de tais documentos serem compartilhados com os órgãos de defesa da concorrência e, assim, serem usados em seus processos. E, viceversa, igual indagação caberia quanto à possibilidade de os documentos e atos produzidos com base na cooperação administrativa serem usados em outros processos, como o penal. Nenhuma das duas hipóteses seria pouco provável, especialmente tendo em vista que muitas vezes as investigações e processos instaurados no âmbito do SBDC servem como elementos usados para a persecução criminal, haja vista a especialidade técnica da matéria e a necessidade de conhecimento de conceitos de economia, consoante anteriormente examinado. A resposta deve remontar primeiro ao princípio da especilialidade. A especialidade é princípio tradicional da cooperação jurídica internacional, em paralelo aos princípios da reciprocidade e da dupla incriminação (este último, obviamente, adstrito à cooperação no âmbito penal). O princípio da especialidade encontra sua origem no mecanismo da extradição. Porém, na atualidade, seu fundo reside na proteção dos direitos individuais. A execução do pedido visa prover assistência somente para os crimes especificados no bojo da solicitação: não alcançará, mesmo que seja conveniente e oportuno, processo diverso, à luz da especialidade. Para a ferramenta do auxílio direto, a regra é a                                                                                                                 268 “ (...) não pode ser acatada alegação de impossibilidade de utilização das provas advindas de escuta telefônica no presente processo administrativo. Isto porque a nossa melhor jurisprudência admite a validade da ‘prova emprestada’ no âmbito do processo administrativo, a exemplo do que ocorre no processo judicial cível ou até mesmo no criminal”. (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo n° 08012.002299/2000-18. Voto do Cons. Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer. Publicado no DJ em 19 de abril de 2002). 87   mesma: os documentos e informações obtidos por meio da cooperação só poderão ser utilizados estritamente para a investigação, persecução e julgamento dos fatos criminosos descritos no corpo do pedido269. Logo, estaria impedida, a princípio, a prova emprestada com base nesse princípio. No processo puramente doméstico, na hipótese de as autoridades envolvidas em novo procedimento ou processo necessitarem de elementos de outro processo, só poderão fazê-lo com a autorização expressa do magistrado que preside o processo no qual as provas foram inicialmente produzidas. Para o respeito ao princípio da especialidade no Direito Processual Internacional, a regra será mutatis mutandis muito semelhante. Para obter um compartilhamento de provas advindas da cooperação internacional, será necessário à autoridade nacional obter a anuência expressa da autoridade estrangeira que remeteu os elementos probatórios, possibilitando-se assim o compartilhamento de provas. Para tanto, uma solicitação específica, para compartilhamento do produto da cooperação deverá ser enviada do Estado requerente para o Estado requerido. Somente com a autorização explícita do requerimento de compartilhamento que, na prática valerá como novo pedido de cooperação, poder-se-á fazer uso autêntico e legítimo dos elementos produzidos em jurisdição estrangeira270. Mais uma vez ressaltamos a relevância de se observar com rigor tal procedimento. Na prática, no afã de recriminar práticas criminosas, muitas vezes, as autoridades podem simplesmente passar por cima da exigência. Se, de um lado, utilizar elementos obtidos, por via de cooperação, em caso distinto daquele que deu ensejo ao pedido é prejudicial por provocar quebra de dever com autoridades estrangeiras; sua validade, autenticidade e legalidade na jurisdição nacional restará inteiramente fulminada, eis que constituirá prova irregular. De qualquer forma, é importante frisar que a decisão quanto à possibilidade ou não de compartilhamento cabe inteiramente ao Estado requerido. Seriam descabidas alegações quanto à prova emprestada ser inválida, eis que essa é uma decisão do Estado requerido e são suas normas que devem ser observadas, segundo a lex diligentiae.                                                                                                                 269 “As had become common in such treaties, the use of the information or evidence provided to the requesting state in pursuance of the request is limited to the purposes stated in the request, unless the requested state gives its consent”. (MCCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2002, p. 215). 270 O princípio de especialidade, embora não afaste de modo algum a necessidade de formulação de pedido de compartilhamento, tende a ter menor relevância em acordos que excluem a dupla incriminação como justificativa para a recusa à cooperação. Em especial, acordos bi e regionais. Compartilhamento facilitado. MORO, Sérgio Fernando. Cooperação jurídica internacional em casos criminais: considerações gerais. In: BALTHAZAR JR., José Paulo; LIMA, Luciano Flores de (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 48. 88   Examinaremos, no subcapítulo seguinte, como ocorrem os procedimentos de cooperação em matéria de defesa da concorrência. 2.6 POSSIBILIDADES DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS COM BASE EM MLATS E ACORDOS DISPONDO SOBRE MLA NO BRASIL Este subtítulo visa dissecar as possibilidades providas pelos tratados firmados pelo Brasil no combate aos ilícitos anticompetitivos. A intenção é precipuamente propor usos práticos que assegurem o êxito de investigações e de persecuções envolvendo referidos atos, quando haja elementos que possuam conexão com o exterior. Advertimos que não estudamos a hipótese dos pedidos de auxílio direto com base em promessa de reciprocidade, eis que o exame da matéria demandaria análise compreensiva271. Como já referido, por ser o instrumento do auxílio direto, em matéria penal, relativamente novo, e por ser o seu emprego contribuição mais inovadora desta dissertação, será conferido tratamento mais analítico ao tema. De forma esquemática, sintetizamos abaixo as hipóteses de utilização da via do auxílio direto em matéria penal para casos envolvendo condutas anticompetitivas. A possibilidade de uso, genericamente, dependerá de: (i) existência de MLAT (tratado bilateral), acordo regional ou convenção multilateral com dispositivo sobre MLA em vigor entre o par de jurisdições envolvidas; (ii) inexistência de exclusão explícita, nesses instrumentos, de possibilidade de uso do tratado para casos envolvendo cartel ou práticas anticoncorrenciais em geral272;                                                                                                                 271 Com vistas a preservar a delimitação temática, não conferimos tratamento particular ao recebimento dos pedidos de auxílio direto com fundamento em promessa de reciprocidade, hipótese que carreia certas peculiaridades, em especial, a necessidade de estrita observância, na falta de tratado ou convenção internacional, da lei doméstica do país requerido. Como já referimos, tais legislações domésticas poderão prever sua aplicação a todos os Estados estrangeiros indistintamente ou tão-somente a alguns Estados previamente designados na lei doméstica do Estado requerido. Nesse sentido: PROST, Kimberly. Breaking Down the Barriers: Inter-national Cooperation in Combating Transnational Crime. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2009. 272 Exemplos de acordos que realizam tal exclusão explícita é o tratado em vigor entre EUA e Suíça, e entre o Canadá e a Alemanha. Havia exclusão nesse sentido no acordo entre Reino Unido e EUA, a qual foi removida em 2001. Ver: INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Mimeo. p. 15. Moscou: ICN, maio 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 89   (iii) inexistência de requisito de dupla incriminação para o cumprimento do pedido no bojo do texto convencional, ou, em havendo tal provisão, que configurada esteja a dupla criminalidade; (iv) inexistência, segundo interpretação do Estado requerido, de hipótese de enquadramento em rol de escusas justificáveis (v.g., possível prejuízo à segurança ou interesse nacional relevante). Feitas as distinções, passamos então a analisar as medidas de particular importância para o combate às práticas anticoncorrenciais. Damos ênfase às medidas reputadas mais importantes para investigação e persecução de infrações à ordem econômica – inobstante as possibilidades dos acordos bilaterais, regionais e multilaterais dispondo sobre MLA serem, por óbvio, mais amplas. Em que pese no Brasil a concretização da notificação e da intimação ser buscada essencialmente por meio do envio de cartas rogatórias, acreditamos que essa forma não é nem de todo apropriada, tampouco mandatória. Como defendido no Capítulo 1, acreditamos que há outras formas potencialmente válidas e factíveis, a exemplo da notificação postal direta de pessoa localizada no estrangeiro, desde que respeitadas as cautelas lá apontadas. Assim, advoga-se, pelos argumentos já esposados, que a citação, a notificação e a intimação de pessoas, físicas ou jurídicas, no estrangeiro, quando da investigação e do julgamento de infrações à ordem econômica, podem ser realizadas igualmente por via do pedido de auxílio direto, caso se encaixem nas circunstâncias descritas no subtítulo anterior. Com base em MLATs e acordos dispondo sobre Mutual Legal Assistance, é possível dar impulso processual no exterior e, assim, prover a eficácia pretendida a atos que, à primeira vista, parecem triviais, porém, que tendem a carrear notáveis complexidades, especialmente enfrentadas na persecução de atos antitruste. O cumprimento dessa medida, como vimos, seguirá essencialmente os procedimentos exigidos na lex diligentiae. Porém, quando necessário que o Estado requerido siga algum procedimento especial, de forma a assegurar que a medida seja válida no Estado requerente, isso poderá ser solicitado no bojo do pedido. Para os pedidos de interrogatório destinados ao exterior, por exemplo, é recomendado que as autoridades brasileiras solicitem, no bojo do pedido, que ao interrogado na audiência de interrogatório seja facultado: (i) confessar ou negar os crimes que lhe foram atribuídos e (ii) indicar, se for da sua vontade, advogado que possa promover sua defesa273.                                                                                                                 273 Nesse sentido, veja BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e 90   A hipótese aqui aventada seria de especial utilidade quando não se soubesse o endereço da pessoa a ser citada: a localização da pessoa poderia ser solicitada no bojo do pedido. Os MLATs e demais acordos dispondo sobre MLA possuem dispositivo que prevê, dentre as medidas executáveis, a localização de pessoas. É dispositivo de elevada utilidade, eis que, especialmente em relação a pessoas físicas, muitas vezes, é complexa a obtenção de dados referentes ao seu local de moradia274. Os processos que apuram infrações à ordem econômica envolvem densas demandas investigativas. Obter indícios e evidências pode servir a fins diversos. Muitas vezes, tais elementos de prova são necessários, em especial, para a condenação de cartéis, de modo a demonstrar, v.g., a afetação do mercado relevante, o comportamento colusivo dos agentes, a inclusão do Brasil na política de preços do cartel e demais demonstrativos do nexo de causalidade. Assim, pela via do auxílio direto em matéria penal, pode-se obter documentos, que podem ser tanto os que já estão em posse das autoridades estrangeiras, como nova documentação a ser, por estas, produzida, além de ser possível obter tanto documentos públicos como confidenciais. Frisamos ser permitida, adicionalmente, a decretação de quebra de sigilos na produção de prova documental, seja o sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático. A medida seguirá, além da disciplina do tratado firmado, as exigências e os trâmites legais de praxe do Estado requerido, incluindo as garantias constitucionais275. A título ilustrativo, referimos que será possível lograr autorização judicial no exterior para obter documentos fiscais e bancários submetidos à confidencialidade, como registros de movimentação financeira de pessoas físicas e jurídicas supostamente envolvidas na fraude à concorrência. Ademais, possibilitar-se-á a realização de escutas telefônicas ou monitoramento de dados telemáticos de indivíduos suspeitos a serem interceptados. Lembramos que a quebra de tais sigilos pode ser de suma relevância para a investigação de práticas anticompetitivas. Tendo em vista a frenética comunicação pelos meios tecnológicos                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 67-86; Idem. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Civil. Brasília: Publicação Oficial, 2009, p. 80. 274 Em especial, registram-se empresas sediadas em alguns países que se negam a fornecer dados de localização de seus administradores, gerentes e outras pessoas físicas envolvidas, tais como a França, de acordo com sua loi de blocage. 275 “Mas também é preciso levar em consideração, além da competência na origem, outras disposições do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente as garantias constitucionais. De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a quebra de sigilo bancário e o seqüestro de bens situados no território nacional somente podem ser obtidos por meio de ordem judicial, ainda que proveniente de juiz ou tribunal estrangeiro. Não se exige que a decisão seja nacional, mas sim judicial.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento na Carta Rogatória nº 998. Voto Min. Gilson Dipp. Voto Rel. Min. Edson Vidigal. Publicado no DJ em 30 de abril de 2007). 91   entre agentes econômicos, esta pode ser medida valiosa. Tenderá a ser útil, por exemplo, para demonstrar práticas unilaterais ou concertadas. Já com referência à produção de prova testemunhal, é possível ouvir uma testemunha ou colaborador no exterior276. Portanto, em casos envolvendo condutas anticompetitivas, poder-se-á realizar a oitiva de pessoas como representantes atuais e ex-empregados de empresas, ou quaisquer indivíduos que pudessem comprovar a existência e o conteúdo de reuniões secretas e adoção de práticas concertadas. Normalmente, no cumprimento de auxílio direto em matéria penal, demanda-se para que autoridade estrangeira responsável realize a inquirição, e que a autoridade do Estado requerente lhe envie os quesitos a serem formulados. Porém, em casos excepcionais, pode-se permitir a presença da autoridade do Estado requerente, a depender de autorização expressa da jurisdição estrangeira requerida. A hipótese destoa, mais uma vez, em completo dos constrangimentos que podem redundar da aplicação da jurisdição extraterritorial entendida como invasiva. Na hipótese aventada, obtém-se a oitiva da testemunha por autoridades nacionais em jurisdição estrangeira, mas por vias diversas, ou seja, com autorização e respeito às regras de jurisdição estrangeira. Ainda dentro das demandas puramente investigativas envolvidas nos processos que apuram a infração à ordem econômica, outra medida cuja execução está entre as necessidades comuns para o êxito de tais processos é a realização de buscas e apreensões. Junto com acordo de leniência, tal medida tem sido entendida como grande arma de enfrentamento mais duro aos cartéis, haja vista a grande assimetria entre a empresa e o investigador. Ao representar “elemento surpresa”277 que permite a colheita de provas para caracterizar a prática do cartel, as medidas com frequência são buscadas por órgãos de defesa da concorrência no Brasil, mas nada impede que sejam buscadas igualmente no estrangeiro. Assim, v.g., pela via do auxílio direto, pode-se realizar buscas em escritórios, empresas, sindicatos e quaisquer outros estabelecimentos, para capturar documentos, como atas de reunião, correspondências, simples                                                                                                                 276 Outra possibilidade é a oitiva por vídeo conferência. Os diplomas das Nações Unidas autorizam a celebração de audiência para ouvir testemunha ou de perito por videoconferência, como a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, em seu art. 18(18); e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, em seu art. 46(18). Consideramos a medida de relevante valia, pois possibilita que a testemunha seja ouvida pela autoridade nacional, sem que para isso se necessite recorrer a procedimentos morosos e custosos. Veja BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 277 GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Investigações de cartel no Brasil: parâmetros constitucionais e considerações sobre aplicação da teoria dos efeitos. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 17, n. 1, jan./jun. 2010, p. 126. 92   anotações, entre outros. É possível também apreender bens, tais como microcomputadores, discos rígidos e dispositivos de armazenamento de dados, para posterior averiguação. Especial atenção aqui deve ser conferida à possibilidade de se lograr o compartilhamento de informações oriundas de programa de leniência. Apesar de, em teoria, possível, pelo MLAT e acordos regionais e convenções com disposições sobre MLA, obter documentos oriundos desse programa, há de considerar que tal assistência pode ser negada pelo órgão de defesa da concorrência requerido278. Em muitos casos, o compartilhamento de informações fica sujeito ao consentimento da pessoa que proveu a informação confidencial (ou seja, concessão do chamado waiver), conforme as leis internas do país. Cabe anotar parecer plausível o argumento de que, em alguns casos, o êxito do respectivo programa seria comprometido, portanto, em detrimento de interesse social relevante, caso as confissões e demais elementos obtidos fossem transmitidas à autoridade estrangeira279. Voltaremos a esse delicado tema no capítulo 4. Por fim, além das medidas de impulso processual e de produção de provas já citadas, é possível receber outras assistências, como a decretação de medidas cautelares (p.e., arrestos, sequestros e bloqueio de bens e direitos em jurisdição estrangeira) e a retenção de bens, para efeitos de cumprimento de sentenças judiciais, que imponham indenizações ou multas280, por meio de MLATs e acordos com dispositivos sobre MLA. É possível ainda remeter e receber as                                                                                                                 278 Os MLAT e acordos regionais e convenções com disposições sobre MLA estipulam as bases para a recusa justificável de um pleito de auxílio. Normalmente, entre as causas legitimadoras para denegação de cumprimento, incluem-se as hipóteses de delitos militares, políticos, de opinião e, em alguns casos, fiscal; casos envolvendo pessoa por motivo sexo, raça, condição social, nacionalidade, religião ou ideologia; requerimentos referentes à pessoa já previamente condenada ou absolvida em processo na jurisdição demandante ou demandada (ne bis in idem); bem como pedidos cujo atendimento possa prejudicar a segurança ou interesses essenciais do Estado requerido. Uma das escusas relevantes para solicitação de auxílio direto, envolvendo matéria da concorrência é relativa à assistência que possa ser considerada contrária à segurança ou interesses sociais relevantes. Lembramos que, com fundamento nessa justificativa, pode-se refutar o pleito de cooperação, mormente o para compartilhamento de informações oriundas de candidatos a programas de leniência. 279 Como política, por exemplo, o DOJ dos EUA não tem transmitido a autoridades estrangeiras informações fornecidas por candidatos à leniência, com base no argumento de que feriria seus interesses sociais relevantes. A escusa está prevista no Art. 3º, numeral 1, “b”, do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América. A esse respeito, ler: LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association Section of Antitrust Law, 2005, p. 63 e 116. Ademais, os Estados Unidos possuem uma série de normativas que proíbem que certas informações obtidas, no curso de uma investigação antitruste, sejam reveladas por suas autoridades antitruste. Entre tais normas, estão: o Antitrust Civil Process Act, o Federal Trade Commission Act, o Clayton Act e o Federal Rule of Criminal Procedure 6(e). 280 A possibilidade é prevista tanto no rol de assistências a serem executadas prevista no MLAT assinado entre o Brasil e os EUA, em seu art. 1(2), alínea “g”; como no Protocolo do Mercosul de San Luis, em seu art. 2º, alínea “j”. Veja BRASIL. Decreto nº. 3.810, de 02 de maio de 2001. Promulga o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 93   chamadas “informações espontâneas”, ou seja, estabelecer canal que permite à autoridade doméstica transmitir, a outro Estado parte, indícios e evidências que julga poderem auxiliá-lo na abertura ou conclusão de processos naquela jurisdição estrangeira281. Enfim, poder-se-iam executar quaisquer outras medidas eventualmente necessárias, desde que possíveis à luz da lex diligentiae.                                                                                                                 281 A remessa de “informações espontâneas” está prevista no art. 18, numerais 4 e 5, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo); e no art. 46, numerais 4 e 5, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida). Veja BRASIL. Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 94   3 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL VIA AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA ADMINISTRATIVA: NOVAS FRONTEIRAS Conforme vimos no capítulo anterior, de um lado, nem a carta rogatória, tampouco o auxílio direto com base em MLATs e outros acordos com dispositivos sobre MLA se aplicam com plena propriedade às medidas necessárias para os casos de defesa da concorrência. Como veremos no Capítulo 4, de outro lado, os acordos de cooperação existentes em matéria de defesa da concorrência, assinados pelo Brasil até hoje, não proveem a cooperação com a profundidade e a fluidez desejadas. Dessa constatação, depreende-se a lógica necessidade de se pensar em arranjos e mecanismos próprios. Cabe assim perquirir acerca da existência no mundo de modelos a serem seguidos. Ou seja, é válido investigar a eventual existência de arranjo que comporte as necessidades próprias de uma cooperação entre órgãos administrativos (e, eventualmente, também que possibilite o uso em processos penal e civil dos elementos obtidos pela assistência). E isso tudo de um modo a resguardar os imperativos dos direitos dos indivíduos, em especial a proteção dos direitos fundamentais282 e da pessoa humana, esta o fio condutor (Leitmotive)283 do direito na pós-modernidade. É o que passamos a analisar neste terceiro capítulo. Como constatamos, a questão de ausência de arranjos e mecanismos próprios não parece ser somente um problemática do Direito Antitruste: estendeu-se a outros ramos do Direito Administrativo. Em eventual falta de acordo e/ou mecanismo que possa ser usado com a certeza, profundidade e rapidez desejadas, a matéria ficaria em vácuo regulatório, sem veículo de cooperação a que pudesse recorrer. Por isso, defenderemos, nesta dissertação, que a assistência requerida por autoridades administrativas encontra-se, muitas vezes, em o que passaremos a chamar aqui de “limbo cooperativo”. Urge, não por outro motivo, o desenvolvimento da assistência administrativa, ou cooperação em nichos do Direito Administrativo284                                                                                                                 282 Escreve Cançado Trindade que a proteção dos direitos fundamentais é uma obrigação internacional dos Estados. Veja CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v.1. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 537. 283 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 37. 284 A nova figura é apontada por Manfrini. A assistência administrativa, para o autor, inclui a cooperação em matéria de Direito Fiscal, Direito Ambiental, entre outros. O desenvolvimento dessa modalidade de assistência evitaria que se utilizasse, ocasionalmente, de forma inapropriada, os MLATs. Leia MANFRINI, Pierre Louis. 95   Diante do “limbo”, os primeiros esforços substanciais de celebração de um Acordo em matéria administrativa remontam ao Conselho da Europa. Trata-se da Convenção nº 94 sobre notificação de documentos administrativos e a Convenção nº 100 sobre obtenção de provas. Fato é que ambas as Convenções se apliquem a “matéria administrativa”. Mostrou-se complexa a solução do Conselho da Europa de editar Convenções versando genericamente sobre todo o Direito Administrativo. Na prática, resultou difícil definir o que era esse “Direito Administrativo”285. Fato é que o desenho de convenções genéricas não foi de todo um êxito, por conter definição muito abrangente acerca de seu objeto. Tamanha abrangência fazia com que muitos órgãos, no caso concreto, não se entendessem abrangidos por seu conceito286. As incertezas quanto à aplicação das convenções genéricas induziu a celebração de convenções em áreas específicas do Direito Administrativo. Editaram-se documentos em área como o Direito Tributário, o Direito Ambiental287 e o Direito da Regulação de Valores Mobiliários e Mercados futuros e concorrência. Logo, as convenções genéricas cederam lugar às convenções temáticas.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Entraide Administrative Internationale. In: JUNOD, Charles-André ; HIRSCH, Alain (Eds.). L'entraide judiciaire internationale en matière pénale, civile, administrative et fiscal. Genebra: Georg, 1986, p. 128129. 285 “This situation might entail some relevant consequences. First of all, leaving to the States the final interpretation of what is meant by “administrative matters” (thus falling within the scope of application of the conventions) may imply a disordered and not homogeneous implementation of the latter, wherein each State could absolve itself from the duty to give assistance simply by qualifying a matter as not administrative. Moreover, conferring upon State parties such a wide discretion in deciding what might interfere with their essential interests (and could therefore justify a refusal to requests for mutual assistance) may give way to a sort of bottom-oriented “practical reciprocity”, whereby each State might refuse, on the ground of interfering with essential interests, to comply with requests of the kind that the requesting State had previously rejected, thus reducing mutual assistance to a very narrow playing field. On the same line, giving State parties the opportunity to refuse to comply with requests for assistance on the ground of a risk of prejudicing fundamental rights could lead to the paradoxical situation that those rights are more protected when proceedings are carried out in the requesting State than in the requested one, where the private person involved reside. To sum up on this point, even if these criteria are conducive to a more attractiveness and flexibility of the overall system of mutual assistance, they are nonetheless suitable to frustrate its effectiveness.” (CONSELHO DA EUROPA. European Committee on Legal Co-operation (CDCJ). Council of Europe’s Instruments on Mutual Assistance in Admistrative Matters: Techniques, shortcomings and possible improvements. Strasbourg: CDCJ, set. 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2010. 286 “By contrast, the EU law does not contemplate a general normative act on mutual assistance in administrative matters comparable to the CoE Conventions no 94 and no 100. As a result, there exists no general obligation of mutual assistance among administrative and judicial authorities to serve documents abroad or to comply with requests for communicating information, conducting enquiries and obtaining evidence in administrative matters on any administrative matter. Nonetheless, specific provisions on mutual assistance are widespread across a set of legal acts regulating specific sectors or subject matters”. (CONSELHO DA EUROPA. Op. Cit.). 287 Acerca da cooperação internacional em matéria de Direito Ambiental, leia MAZZUOLI, Valério de Oliveira; AYALA, Patryck de Araújo. Cooperação Internacional para a preservação do meio ambiente: o Direito Brasileiro e a Convenção de Aarhus. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Org.). Novo Direito Internacional do Meio Ambiente. Curitiba: Juruá, 2011, p. 465-499. 96   Sem nos aprofundarmos no tema, anotamos que a adoção de convenções temáticas foi a saída desbravada, com maior ou menor sucesso, por diversos nichos do Direito Administrativo e respectivos órgãos de regulação288. Nas palavras de Joseph Weiler, essa cooperação seria o “quarto estrato” (“forth strata”) na geologia do Direito Internacional289. Esse novo paradigma, portanto, é que inspira este Capítulo. Para se extraírem as novas feições da cooperação estabelecida entre os órgãos da Administração Pública, dois estudos de caso são empreendidos. Primeiramente, analisamos a cooperação que se sucede entre os órgãos tributários (no Brasil, representados pela Receita Federal do Brasil – RFB). Após, examinamos a cooperação que se estabelece entre os órgãos de regulação de valores mobiliários e mercados futuros (no Brasil, representados pela Comissão de Valores Monetários – CVM). O objetivo é investigar o que ambos os casos têm de comum, assim como extrair vantagens e desvantagens do novo modelo. 3.1 COOPERAÇÃO ENTRE AUTORIDADES TRIBUTÁRIAS A cooperação entre autoridades tributárias é tida como a pioneira em assistência mútua administrativa, além de ser por alguns como a mais avançada nessa categoria290. Entre as causas que podem ser identificadas para seu avanço comumente apontadas, estão as mais diversas.                                                                                                                 288 ZARING, David. Informal Procedure, Hard and Soft, in International Administration. In: Chicago Journal of International Law. Chicago: The University of Chicago Law School, v. 5, n. 1, Summer: 2004, p. 550. 289 Segundo Weiler, os regimes regulatórios informais e os mecanismos de governança auto-regulatória predominariam no “quarto estrato”, de forma a tomar o lugar de tratados, organizações internacionais formais e diplomatas. A respeito, veja WEILER, Joseph. Toward a Geology of 20th Century International Law: The Paradox of Law Making and Enforcement, Address at Duke Law School. Apud ZARING, David. Op. Cit., p. 550. 290 “The need for co-ordinated effort between States in the field of taxes has produced a great volume of bilateral tax treaties relating to income, estate, inheritance or gift taxes, which provide for reciprocal exchanges of information and, in a more limited form, for technical assistance in the enforcement of municipal tax laws. On the multilateral arena, the member States of the Council of Europe and the Member countries of the Organization for Economic Co-operation and Development (OECD) have approved the 1988 Strasbourg Convention on mutual administrative assistance in tax matters, Article 11 providing that at the request of the applicant State, the requested State shall take the necessary steps to recover tax claims of the requesting State as if they were its own tax claims. This seems to indicate that the public policy principle against a State taking notice of the tax matters of other States is on the wane. Here we have the co-operation that Ehrenzweig foresaw. And as far as spontaneous assistance is concerned, independently of treaties, we may have already seen, here and there, some signs of opening to that too”. (DOLINGER, Jacob. Evolution of principles for resolving conflicts in the field of contracts and tort. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 283, 2000, p. 338). Ainda sobre o tema, Peter Schlosser comenta que era impensável o grau de avanço que essa cooperação atingiu. Leia.SCHLOSSER, Peter. Jurisdiction and International Judicial and Administrative Co-operation. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 284, 2001, p. 113. 97   A ausência de leis domésticas com alcance extraterritorial na matéria seria uma das causas291. Em não sendo o exercício da jurisdição extraterritorial uma solução, só restaria, aos países, buscar incrementar a cooperação internacional. Adicionalmente, as limitações do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT poderiam ser indicadas como uma das causas do avanço da assistência mútua entre autoridades tributárias. Sob o signo do GATT, temas não-tarifários progrediram substancialmente, mas não os temas tarifários. A deficiência teria induzido os países a firmarem acordos bilaterais de bitributação uns com os outros. Ainda, identificam-se como um dos principais fatores de tal avanço as limitações na aplicação dos MLATs à matéria de Direito Tributário. É comum deparar-se com negativas de cumprimento a solicitações de assistência formuladas com base em acordos de cooperação jurídica em matéria penal, com motivações das mais diversas. Uma das situações é dos países que negam em completo a assistência em matéria tributária, seja sustendo a negativa em disposição expressa em lei interna292, seja a sustentando em disposição nos tratados. Com referência a esta negativa de assistência com base em disposições dos MLATs, as disposições suscitadas para justificar a negativa vão desde as disposições que preveem diretamente a negativa da assistência293, até as que preveem a recusa indiretamente. Quanto às disposições que permitem indiretamente a negativa de cumprimento, estão as disposições que exigem para a aceitação do pedido, v.g.: (i) a dupla incriminação, (ii) penalidade mínima para a conduta investigada, e (iii) nível de indícios e elementos mínimos. Nesta última hipótese, o pedido, caso considerado como desprovido de nível de indícios e elementos mínimos, poderá ser considerado como oriundo de uma investigação muito ampla (fishing expeditions)294.                                                                                                                 291 Nesse sentido, também: SCHLOSSER, Peter. Jurisdiction and International Judicial and Administrative Cooperation. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 284, 2001, p. 113. 292 As proibições podem ser genéricas, a exemplos das leis interna de países como Suíça e Luxemburgo. Também as proibições podem ser em relação ao cumprimento de medidas específicas, como se dá na lei norteamericana. A legislação dos EUA que somente confere o bloqueio de bens quando envolvido delito que, conforme sua legislação, também seja submetido ao perdimento de bens. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 129-133, 153-155 e 171-174. 293 Existem os acordos de cooperação internacional em matéria penal que excluem a aplicação dos instrumentos à matéria tributaria irrestritamente, bem como existem acordos que contêm previsão de possibilidade de negativa de cumprimento de pedidos envolvendo questões tributárias para algumas medidas específicas, como o acautelamento de bens. Um exemplo desse segundo caso é o Protocolo de San Luis, no âmbito do Mercosul. Veja art. 5, alínea “c” do Protocolo de San Luis In: BRASIL. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 294 Elizabeth G. Thornburg traça a arqueologia do termo “fishing expedition”. Segundo a autora, o termo nasceu como uma metáfora no século XVIII, ao simbolizar a ideia de que “agora você foi longe demais”. A metáfora teria adquirido conotações jurídicas diferentes ao longo dos tempos. Sobre o conteúdo do termo, na atualidade, escreve a autora: “State cases uses the ‘fishing expedition’ metaphor to critize discovery requests that the court 98   Podemos ainda apontar o obstáculo de utilizar a carta rogatória como fator de dificuldade cuja superação teria impulsionado a cooperação entre autoridades tributárias. As referidas autoridades encontrar-se-iam em uma espécie de vácuo, pois, a exemplo das autoridades de defesa da concorrência, estão a cargo de condução de procedimentos e processos administrativos, não de processos judiciais. É válido ainda lembrar que aquelas autoridades poderiam eventualmente fazer uso da carta rogatória civil. Todavia, mais uma vez, este não seria o mecanismo que lhes seria o mais adequado. Como já referido, a aceitabilidade do mecanismo pelo Estado requerido tende a cair substancialmente quando a autoridade requerente não representa uma corte (“court”), ou melhor, um membro do Poder Judiciário. A dificuldade em utilizar o mecanismo da carta rogatória, aliada à dificuldade em utilizar o auxílio direto com base em MLAT, conformavam o “limbo cooperativo” a que nos referimos anteriormente. O fato é que a cooperação em matéria tributária, conquanto seja das mais necessárias, é das de concretização das mais complexas295. Todos essas dificuldades conduziram as autoridades tributárias à criação de um instrumento próprio de cooperação. Por fim, destacamos como de capital importância o trabalho da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico296. A OCDE é responsável pelo desenvolvimento de regras de Direito Tributário de forma coordenada internacionalmente, de forma a produzir normas tributárias que impactam políticas tributárias nacionais em uma rede transnacional297. Nesse trabalho de cooperação, mais importante, a Organização engaja-se como um propulsor                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           believes to be broader than the allegations in the complain. The metaphor also appears when a court overrules a request seeking more time for discovery that is filed in opposition to a motion for summary judgment. Occasionally, courts use the metaphor to distinguish the allowable breadth of discovery under different devices.” (THORNBURG, Elizabeth G. Just Say No Fishing: The Lure of Metaphor. In: University of Michigan Journal of Law Reform. Michigan: University of Michigan Law School, v. 40, n. 1, Fall: 2006, p. 32). 295 SHARMAN, J. C. Havens in a Storm: The Struggle for Global Tax Regulation. Apud SCAVRON, Samantha H. In pursuit of offshore tax evaders: The increased importance of international Cooperation in Tax Treaty Negotiations after United States v. UBS AG. In: Cardozo Public Law, Policy, and Ethics Journal. Nova York: Benjamin N. Cardozo School of Law, v. 9, n. 1, Fall: 2010, p. 167. 296 Deixaremos nesta dissertação de analisar o trabalho das Nações Unidas na promoção da cooperação entre órgãos tributários, por acreditar que seu papel é diminuto em face do peso significativo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Observamos que, dentre os principais trabalhos da ONU, está o desenvolvimento do United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and Developing Countries de 1980 e de 2001. Como as Nações Unidas reconhece, o Model Double Taxation Convention on Income and Capital da OCDE serviu de principal texto de referência para a elaboração do United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and Developing Countries. In: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Department of Economic & Social Affairs. United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and Developing Countries (ST/ESA/PAD/SER.E/21). Nova York: United NAtions, 2001, p. X. Disponível em: . Acesso em: 17 de dezembro de 2011. 297 CHRISTIANS, Allison. Networks, Norms, and National Tax Policy. In: Washington University Global Studies Law Review. Washington: Washington University Law, v. 9, n. 1, 2010, p. 37. 99   de acordos298. A semear a cooperação, a OCDE instituiu o Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações. Passemos a seguir a analisar o trabalho desse Fórum. Por este Fórum, o organismo internacional editou uma relação de princípios, além de modelo de acordo que incorporava esses princípios. Tais documentos são nucleares para galvanizar a cooperação entre autoridades tributárias. A Convenção-Modelo Tarifária para Renda e Capital (Model Tax Convention on Income and on Capital, doravante “Acordo Modelo”)299 representou o primeiro modelo de acordo do Fórum da OCDE. A relevância do “Acordo Modelo” é de tamanha monta que este forneceu a base para todos os acordos de bitributação300 a partir de sua edição. A principal motivação por detrás do modelo para acordos de bitributação foi evitar, no âmbito do comércio internacional, que impostos incidissem sobre o mesmo fato, em especial, os impostos de importação. Como já explicado anteriormente, esses instrumentos também buscavam evitar a dupla tributação diante de uma limitação no âmbito do GATT. Além dos propósitos fiscais, tais acordos igualmente visavam fins extrafiscais, como reduzir barreiras a investimentos e evitar tratamento discriminatório contra empresas com operações no exterior. Os Estados passaram, então, a perceber que não só a estratégia de atuação internacional (globalização) das empresas fazia com que tivessem de pagar impostos que, muitas vezes, não eram coincidentes em mais de um país, como também houve a percepção de que a facilidade de trânsito de bens, capitais e pessoas poderia facilitar a evasão e a elisão fiscais. Assim, a compreensão passou a ser de que a atuação do Estado unilateral não mais serviria. A aplicação de leis extraterritorialmente não era uma saída, como já vimos. Porém, ainda que possível fosse, a problemática era de tal monta que, ousa-se dizer, tal saída não                                                                                                                 298 SCAVRON, Samantha H. In pursuit of offshore tax evaders: The increased importance of international Cooperation in Tax Treaty Negotiations after United States v. UBS AG. In: Cardozo Public Law, Policy, and Ethics Journal. Nova York: Benjamin N. Cardozo School of Law, v. 9, n. 1, Fall: 2010, p. 167-169. 299 O primeiro Acordo Modelo da OCDE (OECD Model Double Taxation Convention on Income and Capital) surgiu em 1977. A partir de 2001, a OCDE começou a lançar atualizações mais periódicas no Acordo Modelo, tendo as lançado em 1992, 1994, 1995, 1997, 2000, 2003, 2005, 2008 e 2010. Veja ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. OECD Model Tax Convention. Disponível em: . Acesso em: 11 de janeiro de 2012; e veja também ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Centre for Tax Policy and Administration. OECD Model Tax Convention on Income and on Capital - an overview of available products. Disponível em: . Acesso em: 11 de janeiro de 2012. 300 Heleno Tôrres define o fenômeno da bitributação como a “percepção de impostos similares em dois ou mais Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo”. (TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 732.) 100   seria hábil a resolver a questão. Uma solução cooperativa internacional era necessária, de modo semelhante, mutatis mutandis, à rede internacional da Interpol301. Diante de revisões periódicas no Model Tax Convention on Income and on Capital, os acordos de bitributação passaram a incorporar, aos objetivos de combater à bitributação e estímulo a investimentos, igualmente, os objetivos de lutar contra a evasão e a elisão fiscais302. As sucessivas alterações nos dispositivos do art. 26 são tidas como cruciais para esse avanço. Tal dispositivo, que seria o mais importante em termos de cooperação em matéria tributária303, dispõe sobre as trocas de informações entre os órgãos de administração tributária, incluindo a previsão de sua troca direta entre autoridades estrangeiras304. Os EUA demonstraram-se grandes entusiastas desses acordos de bitributação expandidos, buscando assinar uma série de acordos bilaterais nesse estilo305. Mas muitos países manifestaram e mantiveram reserva ao art. 26 do Acordo Modelo, eis que sua incorporação significaria a aplicação automática do § 5º do art. 26306. O Brasil manteve reserva a esse dispositivo até recentemente, pois entendia que este conflitaria com leis domésticas sobre sigilo307. Acordo-Modelo para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos (Model Agreement on Exchange of Information on Tax Matters Model, também conhecido como Tax Information Exchange Agreement, doravante “Modelo de TIEA”) representou a segunda geração de acordo modelo do Fórum da OCDE. O novo modelo visa permitir a assinatura de instrumento que constitua, mais do que um acordo de bitributação, essencialmente um acordo                                                                                                                 301 “Ces mesures ont accru, incontestablement, l’efficacité de la lutte contre la fraude et l’évasion fiscales internationales. Il s’agit, peut-être, du premier pas vers la création d’un ‘Inter-fisc’ qui ressemblerait à ‘Interpol’, l’organisation internationale destinée à lutter contre la criminalité". (PLAGNET, Bernard. Droit Fiscal International. Paris: Litec, 1986, p. 331). 302 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 223. 303 A respeito do art. 26, Prats escreve que “La incorporación de la cláusula en el Modelo de Convenio puede suponer, con el tiempo, la generalización de este tipo de cláusula en los Convênios de doble imposición y la progresiva consolidación de la cooperación administrativa internacional en este ámbito.” (PRATS, Francisco Alfredo Garcia. La asistencia mutua internacional en materia de recaudación tributaria. In: EZQUERRO, Teodoro Cordón (Dir.). Manual de Fiscalidad Internacional. 2. ed. Madri: Instituto de Estudios Fiscales, 2004, p. 997). 304 CASELLA, Paulo Barbosa. Direito internacional tributário brasileiro. São Paulo: LTr, 1995, p. 403-405. 305 Até 2006, os Estados Unidos tinham poucos acordos, cenário que a partir desse ano foi mudado. Para uma relação completa dos acordos assinados em matéria tributária, ver o sítio eletrônico do Serviço de Receita Pública Interno (Internal Revenue Service - IRS), em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2011. 306 Com base nos comentários ao art. 26, parágrafo 5º (mais precisamente, o item 19.11 dos “Comentários” ao acordo modelo da OCDE), não se pode usar o argumento do sigilo para negar o repasse de informações. Para facilitar isso, o ideal é que o órgão de administração tributária possa diretamente ter acesso a tais dados. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Articles of the Model Convention with respect to taxes on Income and on Capital. Paris: OCDE, 2008. Mimeo. p. 17. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2011. 307 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 849. 101   de intercâmbio de informações. Criadas em 2002, as disposições do Modelo de TIEA expandem as do art. 26 do Acordo Modelo. Ademais, o Model Tax Information Exchange Agreement proveem a assistência mais ampla e contêm marco normativo mais detalhado do que a do art. 26 do Model Tax Convention on Income and on Capital308. A segunda geração de acordo tem por missão tornar mais efetiva a troca de informação309, bem como reforçar o dever das partes contraentes de buscar a informação por interesse do Estado requerente. O Modelo de TIEA em verdade é constituído por duas versões de modelos: uma versão multilateral e outra bilateral, os quais acabam por ser substancialmente parecidos310. Para que o instrumento entre em vigor entre os Estados partes, estes devem celebrar vis-à-vis acordos entre si. Tais acordos necessitam ser devem internalizados, conforme os mecanismos de ratificação, aceitação e aprovação próprios de sua jurisdição (v.g, aprovação pelo Congresso Nacional ou por acordo executivo)311. Além do Acordo Modelo e do Modelo de TIEA, há ainda, no âmbito da OCDE, Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa em Matéria Tributária (Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters). Formulado entre países no âmbito do Conselho da Europa e da OCDE em 1988, sua última emenda deu-se em junho de 2011312. O instrumento verdadeiramente multilateral prevê especificamente a obrigação de cooperar no combate à prática de ilícitos tributários, cooperação esta a ser prestada para as mais vastas                                                                                                                 308 SOUZA, Sérgio Augusto G. Pereira de. Intercâmbio de informações tributárias entre administrações estrangeiras: avanços atuais, conexões com o combate à lavagem de dinheiro e o contexto brasileiro. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 96, set. 2003, p. 93. 309 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Global Forum Working Group on Effective Exchange of Information. Agreement on Exchange of Information on Tax Matters. Paris: OCDE, 2002. Mimeo. p. 2-3. Disponível em: . Acesso em: 10 de janeiro de 2012. 310 MEINZER, Markus. Tax Information Exchange Arrangements. In: Tax Justice Network. Londres: TJN, abr. 2009. Mimeo. p. 3. Disponível em: . Acesso em: 12 de dezembro de 2011. 311 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Op. Cit., 2002, p. 2-3. 312 Veja os arts. 1(b), e 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa em Matéria Tributária. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters - Text amended by the provisions of the Protocol amending the Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters, which entered into force on 1st June 2011. Disponível em: . Acesso em: 18 de janeiro de 2012. 102   medidas313. Tal instrumento está em consonância com o disposto no art. 26 do Acordo Modelo, e seu objetivo é incrementar ainda mais a cooperação314. O Brasil tem acordos de bitributação com 29 países315. Os acordos assinados pelo Brasil seguem, em linhas gerais, o Acordo Modelo da OCDE316. Conforme nossa análise, em todos esses instrumentos, consta cláusula de troca de informações fiscais. Contudo, tais cláusulas contêm disposições muitas vezes mais restritas do que a do art. 26 do Acordo Modelo – pelo menos se considerarmos as redações mais recentes desse dispositivo do Acordo Modelo. Constatamos ainda que os acordos vigente no Brasil não obrigam, via de regra, o Estado requerido a tomar medida contrária à sua legislação para fornecer informações. Isto se deve, acreditamos, ao fato de a maioria dos instrumentos celebrados pelo Brasil terem sido firmados antes de 2002317. Registramos, por fim, que os tratados mais recentemente firmados pelo Brasil contêm, em alguns casos, redação mais pró- assistência administrativa (v.g, o tratado do Brasil com o Chile318). É importante ressaltar o peso institucional do Fórum da OCDE. Além dos princípios e dos acordos (que não deixam de ser modos de assegurar a observância aos princípios), o organismo dispõe de outras ferramentas institucionais importantes, como o comitê de orientação (steering committee) e o grupo de revisões dos pares (peer review group). Mais importante, tem o selo da lista negra.                                                                                                                 313 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters - Text amended by the provisions of the Protocol amending the Convention on Mutual Administrative Assistance in Tax Matters, which entered into force on 1st June 2011. Disponível em: . Acesso em: 18 de janeiro de 2012. 314 SOUZA, Sérgio Augusto G. Pereira de. Intercâmbio de informações tributárias entre administrações estrangeiras: avanços atuais, conexões com o combate à lavagem de dinheiro e o contexto brasileiro. In: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 96, set. 2003, p. 93-94. 315 O Brasil tem tratados para evitar a dupla incriminação, todos internalizados por Decreto, com os seguintes países: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coréia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Eslovaca, República Tcheca, Suécia e Ucrânia. Em: . Acesso em: 18 de março de 2011. Entende-se que a celebração de acordos de bitributação possibilita o incremento de investimentos entre ambos os países. Nesse sentido, vale lembrar que, até hoje, não há, no Brasil, acordo com EUA. A falta de acordo entre ambos os países penalizaria empresas norte-americanas no Brasil; e brasileiras nos EUA. 316 NORONHA, Francisco Daniel Holanda. Contribuições Sociais incidentes sobre o comércio exterior. In: Revista CEJ. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, a. XII, n. 40, jan./mar. 2008, p. 64. 317 Noronha lembra que, com raras exceções, os acordos bilaterais de bitributação assinados pelo Brasil foram celebrados antes de 1992. Haja vista que nesse ano houve uma revisão do Acordo Modelo da OCDE de 1977, tais instrumentos estariam defasados, à margem das modificações sofridas pelo Modelo. Leia NORONHA, Francisco Daniel Holanda. Op. Cit., p. 64. 318 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Aviso de incêndio: sigilo fiscal e restrições do Brasil ao art. 26 da Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE. In: Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília: Universidade Católica de Brasília, v. 4, n. 2, dez. 2009, p. 297. 103   Há ainda fator de comunicação e narrativa319 relevante. A exemplo do Grupo de Ação Financeira (Groupe d’Action Financière, doravante “GAFI”320), o discurso do Fórum insere-se dentro daquele de “luta” aos ilícitos transnacionais de alto poder deletério. Mais importante, o discurso estrutura-se como combate a duas crises mundiais: a crise política de 2001, após os ataques terroristas de 11 de setembro, e econômica de 2007, após o malogro dos créditos de alto risco (subprimes). A crise de 2001 trouxe o temor de que a frouxa regulamentação do mercado financeiro pudesse beneficiar as transações financeiras e artifícios de lavagem de dinheiro que conduzissem ao financiamento do terrorismo321. Já com a crise de 2007, em que as economias são assoladas por uma crise financeira de proporções globais e quadro econômico recessivo, as economias nacionais tornaram-se menos tolerantes à evasão fiscal, dado os rombos orçamentários322. A crise financeira de 2007 provocou substancial fortalecimento do Fórum da Transparência e Troca de Informações Tributárias. Passou-se a exigir postura mais rígida no combate a evasões e elisões fiscais, assim como na afirmação da transparência tributária. Para tanto, o diagnóstico era de que os países deveriam se empenhar em trocar informações                                                                                                                 319 Na teoria de Jayme (JAYME, Erik. Direito internacional privado e cultura pós-moderna. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.). Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGDir/UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 1, mar. 2003, p. 60 et seq), o pluralismo seria a grande característica do direito pós-moderno. Em paralelo ao pluralismo, a comunicação, a narração e o retorno dos sentimentos (retour des sentiments) são apresentados como os quatro valores da cultura moderna, ver JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 33-37. 320 Optaremos neste trabalho pelo uso da sigla do Grupo de Ação Financeira conforme sua denominação original, na Língua Francesa, em razão da sede do órgão estar localizada em Paris, na França. Criado em 1989, o GAFI representa organismo intergovernamental cuja missão é o desenvolvimento, a promoção e a avaliação de políticas no enfrentamento à lavagem de dinheiro. Em seu âmbito foram editadas as “Quarenta Recomendações do GAFI” e, logo após os ataques terroristas de 2001 nos EUA, as “Nove Recomendações Especiais sobre o Financiamento do Terrorismo”. Conquanto ditas recomendações constituam instrumentos de soft law, sua efetividade é expressiva. Com o propósito de compelir os países membros a implementarem medidas de prevenção e de combate ao branqueamento recomendadas pelo GAFI, o cumprimento às “40+9 Recomendações” é certificado por avaliações periódicas, que ratificam o status de membro efetivo do Grupo. A certificação positiva conferida pelo Grupo perante a comunidade mundial é de expressivo valor ao membro: assegura benefícios fiscais e creditícios frente a organizações, instituições financeiras e investidores internacionais. Já o descumprimento dos compromissos assumidos pelo Estadomembro pode, em casos extremos, levar à sua inscrição na Lista de Países e Territórios Não-Cooperantes (“NonCooperative Countries and Territories” - NCCT), conhecida “Lista Negra” que deixa a nação vulnerável a uma série de retaliações econômicas, dentre as quais se destaca a suspensão de financiamentos e empréstimos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional – FMI. A respeito leia: ARANOVICH, Tatiana de Campos. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro - ENCCLA: O Estado organizado contra o crime organizado. In: Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental: Res Pvplica. Brasília: ANESP, a. 6, n. 2, jul./dez. 2007, p. 120-122. 321 GURULÊ, Jimmy. Unfunding Terror. Apud SCAVRON, Samantha H. In pursuit of offshore tax evaders: The increased importance of international Cooperation in Tax Treaty Negotiations after United States v. UBS AG. In: Cardozo Public Law, Policy, and Ethics Journal. Nova York: Benjamin N. Cardozo School of Law, v. 9, n. 1, Fall: 2010, p. 161. 322 Nesse sentido, ver: SCAVRON, Samantha H. Op. Cit., p. 161-163. Scavron ainda relata que, após instaurada a crise, a deflagração do caso United States v. UBS AG foi fator adicional a incrementar a sensibilidade dos países frente ao tema. 104   tributárias, de forma a se furtar a usar o argumento do sigilo bancário como escusa para não cumprir pedidos 323. Iniciada a crise, houve uma avalanche de assinaturas de acordos de troca de informações (TIEAs), e de acordos de bitributação com cláusula permissiva de troca de informações324. Para se atender às exigências mais estritas do Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações e aderir ao “clube”, o Brasil se adequou às novas regras em 2009. O País comprometeu-se a retirar a reserva ao art. 26 do Model Tax Convention on Income and on Capital325. Ademais, já em março de 2007, havia assinado o Acordo para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos (Tax Information Exchange Agreement) com os EUA326, para permitir a troca de informações fiscais de cidadãos e empresas entre ambos os Estados327. Após todos esses esforços, somente em 2010, o Brasil teve sua busca à transparência                                                                                                                 323 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Troca de informações com base em tratados internacionais: uma necessidade e uma tendência irreversível. In: Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário. Brasília: Universidade Católica de Brasília, v. 4, n. 2, dez. 2009, p. 266-267. 324 Segundo a OCDE, pelo menos desde abril de 2009 até a publicação dos dados, haviam sido assinados 300 acordos de troca de informações (TIEAs), ou de acordos de bitributação com cláusula permissiva de troca de informações. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Tax – Progress on Exchange of Information in the Caribbean. In: Press Release. Paris: OCDE, 24 de março de 2010. 325 O Brasil e a Tailândia eram os únicos países que tinham o entendimento de que a informação automática em matéria tributária só podia ser dada a partir de processo judicial. O País assim destoava no cenário internacional, que compreendiam que a proteção do sigilo seria relativa, não absoluta. O país demandante das informações precisaria contratar advogado, num lento processo na Justiça, e esperar autorização do juiz para o banco abrir os dados bancários dos suspeitos. Veja: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Fórum Mundial sobre Transparência e Troca de Informações. Terms of Reference to Monitor and Review Progress Towards Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes. Paris: OCDE, 2010, p. 14. Disponível em: . Acesso em: 15 de março de 2010. 326 O Acordo para Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos entre o Brasil e os Estados Unidos da América deu base ao Projeto de Decreto de Lei no 413, de 19 de março de 2007. Referido acordo foi aprovado na Câmara em 18 de fevereiro de 2010, restando ainda pendente de aprovação no Senado Federal. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto de Lei no 413, de 19 de dezembro de 2007. Aprova o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 327 Na jurisdição norte-americana, o Tax Information Exchange Agreement, assinado com o Brasil, possui a força de acordo executivo, dispensando-se, portanto, a tomada de qualquer medida adicional para dotá-lo de efetividade. Contudo, no Brasil, ambas as casas do Congresso Nacional devem ratificar o acordo para dar-lhe efeito. In: ZAGARIS, Bruce. U.S. Repatriates to Brazil $ 1.6 Million Frozen in U.S. Banks. In: International Enforcement Law Reporter. Washington: Bruce Zagaris, Esq., v. 24, n. 1, dez. 2007, p. 5; Ver também CRISTIANO, Marcelo Leonardo; TUCHERMAN, Rogerio. Brazilian Ratification Needed for the U.S.-Brazil TIEA to Take Effect. In: International Enforcement Law Reporter. Washington: Bruce Zagaris, Esq., v. 23, n. 1, nov. 2007, p. 424. Assim, o acordo de cooperação na área tributária entre o Brasil e os Estados Unidos da América, que deu base ao Projeto de Decreto de Lei no 413, de 2007, foi aprovado na Câmara em 18 de fevereiro de 2010, restando ainda pendente de aprovação no Senado Federal. “Mas acordo assinado pelo Secretário da Receita Federal do Brasil, o que faria o acordo padecer de vício formal incurável para se prestar à aprovação no Congresso Nacional. O tratado há de ser firmado privativamente pelo Chefe de Estado; no nosso caso, pelo Presidente da República (art. 84, VIII da CF), cabendo exclusivamente ao Congresso Nacional aprová-lo ou rejeitá-lo (art. 49, I da CF).” (HARADA, Kiyoshi. Acordo de Cooperação na Área Tributária entre o Brasil e os Estado Unidos da América. Disponível em: . Acesso em: 13 de outubro de 2011). 105   reconhecida, sendo incluído na categoria de países cooperantes e que implementam padrões tributários internacionais328. Quanto às características dos acordos em matéria tributária, cabe advertir que não as analisamos a fundo. Passemos a analisar tão-somente as características reputadas mais relevantes. O Acordo Modelo prevê que, no cumprimento da assistência administrativa recíproca, o Estado requerido trocará as informações que já possuir em seu arquivo. Em não as possuindo, a autoridade requerida não se imporá o dever de tomar medidas contrárias à sua legislação e à sua prática administrativa, tampouco de fornecer informações que não possam ser obtidas com base na legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal329. Dessa forma, preza-se pela observância da lex diligentiae. O cumprimento do ordenamento e do procedimento interno do Estado requerido assegura que a colaboração se deu nos limites soberanos deste Estado330. Ademais, tais acordos incluem dispositivo sobre o compromisso de atuação prévia do órgão requerente e de apenas recorrer à troca de informações com o órgão homólogo estrangeiro quando esgotadas, sem êxito, outras vias possíveis e legais. Trata-se do princípio chamado pelos tributaristas de “supletividade”331. A única exceção a tal princípio residiria nas hipóteses em que, para esgotar as vias alternativas, o órgão requerente tivesse de empreender esforços desproporcionais332. Segundo nossa compreensão, assim, o art. 26 do “Acordo Modelo” possibilita negar o cumprimento de pedidos caracterizados como oriundos de uma investigação muito ampla (fishing expeditions) ou que solicitem informações provavelmente irrelevantes333.                                                                                                                 328 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Centro da OCDE no México para América Latina. Brasil - Para uma economia mundial mais forte, limpa e justa. Paris: OCDE, 2011. Mimeo. p. 17. Disponível em: . Acesso em: 15 de janeiro de 2011. 329 “Art. 26.3. In no case shall the provisions of paragraphs 1 and 2 be construed so as to impose on a Contracting State the obligation: a) to carry out administrative measures at variance with the laws and administrative practice of that or of the other Contracting State; b) to supply information which is not obtainable under the laws or in the normal course of the administration of that or of the other Contracting State;” (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Articles of The OECD Model Tax Convention on Income and Capital - as they read on 22 July 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 330 PLAGNET, Bernard. Droit Fiscal International. Paris: Litec, 1986, p. 317. 331 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional no Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 842. 332 “A formulação de um pedido de informações somente deve ser feita depois de esgotados todos os meios disponíveis ao alcance da Autoridade Tributária ou Aduaneira requerente, exceto aqueles que deem margem a esforços desproporcionais.” In: BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Manual de Intercâmbio de Informações com o Exterior. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 8. 333 BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Op. Cit., p. 32. 106   Igualmente, os acordos em matéria tributária preceituam o respeito ao princípio da especialidade. As informações solicitadas pelas autoridades requerentes devem ser destinadas à cobrança de tributos elencados no acordo334 - ou, eventualmente, outros tributos que não conflitem com o acordo, conforme interpretação do Estado requerido335. Assim, os dados obtidos das autoridades requerentes não seriam de uso livre, devendo-se assegurar que direitos e garantias individuais sejam preservados. Anotamos que, a depender de eventual disposição contida em tratado específico, as informações obtidas podem ser usadas pelas autoridades requerentes na persecução de crimes tributários, como veremos no exemplo adiante. O Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos entre Brasil e EUA (ainda pendente de aprovação no Senado Federal) é inovador. Relativamente ao princípio da requisito da “dupla ilegalidade”336, o acordo possui cláusula que permite o intercâmbio de informações, independentemente dos fins para os quais serão usados. Segundo o art. V.1 do instrumento, as informações “deverão ser intercambiadas independentemente de a Parte requerida delas necessitar para propósitos tributários próprios ou de a conduta sob investigação constituir crime de acordo com as leis da Parte requerida, caso ocorrida em seu território”337. Assim, com base na leitura do dispositivo, acreditamos que a conduta sob investigação poderá constituir crime ou não de acordo com lei da Parte requerida, não se exigindo a dupla previsão da infração. O Acordo entre Brasil e EUA em comento provê disciplina simultaneamente para duas esferas de responsabilização: a esfera administrativa e a penal. Regulamentada essa                                                                                                                 334 “Article 26. 2. Any information received under paragraph 1 by a Contracting State shall be treated as secret in the same manner as information obtained under the domestic laws of that State and shall be disclosed only to persons or authorities (including courts and administrative bodies) concerned with the assessment or collection of, the enforcement or prosecution in respect of, the determination of appeals in relation to the taxes referred to in paragraph 1, or the oversight of the above. Such persons or authorities shall use the information only for such purposes. They may disclose the information in public court proceedings or in judicial decisions.” (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Articles of The OECD Model Tax Convention on Income and Capital - as they read on 22 July 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 335 Nesse sentido: TIXIER, Gilbert; GEST, Guy. Droit fiscal international. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1985, p. 441; QURESHI, Arif Hasan. The public international law of taxation. Londres/Boston: Graham & Trotman Ltd, 1994, p. 347. 336 Preferimos aqui empregar o termo “dupla ilegalidade”, ao invés de “dupla incriminação”, pois os ilícitos tributários são constituídos por infrações não limitadas à seara do direito penal, mas também de responsabilizações no campo administrativo e civil. 337 BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto de Lei no 413, de 19 de dezembro de 2007. Aprova o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 107   convivência de diferentes responsabilizações, os elementos obtidos por meio da cooperação podem ser usados para processo administrativo ou penal. Nesse sentido, em seu art. 1º, no acordo, ao definir o escopo da cooperação, estabelece que a troca de informações destina-se seja para aplicar tributo, seja para investigação criminal338. E a eventual prova obtida poderá ser usada em processo judicial339. Quanto à regra da confidencialidade, o Acordo Modelo da OCDE resguarda também a necessidade de ser conferida à informação o mesmo tratamento que lhe prevê a lei doméstica340. Assim, as informações tidas como sigilosas serão reveladas só em decisão judicial341. Destacamos, quanto aos acordo de bitributação e demais instrumentos de cooperação com autoridades tributárias estrangeiras assinado pelo Brasil, que uma de suas características mais relevantes é a predileção pela internalização dos acordos na matéria. A ratificação é relevante como condição para o instrumento entre em vigor342, de forma a alterar a lei interna geral vigente e fortalecer a obrigatoriedade do acordo. Dessa forma, pelo acordo, os países                                                                                                                 338 O acordo de cooperação na área tributária entre o Brasil e os Estados Unidos da América, já em seu primeiro artigo, diz que se aplica para a determinação, o lançamento, a execução ou a cobrança tributárias (ou seja, esfera administrativa) e para investigação e persecução de crimes tributários (ou seja, esfera penal). In verbis: “Art. I. As Partes assistir-se-ão mediante o intercâmbio de informações que possam ser pertinentes para a administração e o cumprimento de suas leis internas concernentes aos tributos visados por este Acordo, inclusive informações que possam ser pertinentes para a determinação, lançamento, execução ou cobrança de tributos em relação a pessoas sujeitas a tais tributos, ou para a investigação ou instauração de processo relativo a questões tributárias de natureza criminal. As Partes assistir-se-ão mediante o intercâmbio de informações a pedido conforme o Artigo V e por outras formas conforme acordado pelas autoridades competentes segundo o Artigo X, em conformidade com os termos deste Acordo.” (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto de Lei no 413, de 19 de dezembro de 2007. Aprova o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 339 “Art. VII.1. Quaisquer informações recebidas pela Parte requerente sob o presente Acordo deverão ser tratadas como confidenciais e poderão ser reveladas a pessoas ou autoridades (inclusive tribunais e órgãos administrativos) na jurisdição da Parte requerente envolvida com o lançamento ou cobrança dos tributos visados por este Acordo, com a execução ou instauração de processos versando sobre esses mesmos tributos, ou com a decisão de recursos em relação a tais tributos, ou a órgãos de supervisão, e apenas na medida necessária para que aquelas pessoas, autoridades ou órgãos de supervisão exerçam suas respectivas atribuições. Tais pessoas ou autoridades deverão utilizar tais informações apenas para tais propósitos. As informações poderão ser reveladas em procedimentos públicos dos tribunais ou em decisões judiciais. As informações não poderão ser reveladas para nenhuma outra pessoa, entidade, autoridade ou qualquer outra jurisdição sem o consentimento expresso, por escrito, da Parte requerida.” (BRASIL. Câmara dos Deputados. Op. Cit.). 340 A regra está no Art. 26.2 do Acordo Modelo. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Articles of The OECD Model Tax Convention on Income and Capital - as they read on 22 July 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 341 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Op. Cit. 342 “Do texto constitucional sobressai que, embora um poder de iniciativa importante seja destinado ao Presidente da República, natural num regime presidencialista típico, como é o caso brasileiro, o Poder Legislativo federal dispõe de também relevantes prerrogativas, como a competência de aprovação dos tratados internacionais ordinários, conditio sine qua non da vigência dos últimos.” (SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao direito internacional público. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 35). 108   signatários não poderiam se recusar a fornecer as informações, salvo raras exceções. Deverão cumprir as obrigações avençadas, ainda que não tenha interesse próprio ou imediato nas informações solicitadas. No Brasil, não só o acordo em matéria tributária é internalizado, como possui status de Lei Complementar. Isto porque o CTN detém o status de Lei Complementar. Assim, qualquer alteração neste proferida, em rigor, deve ser veiculada somente por meio de lei de mesma hierarquia, para que tratados internacionais de natureza tributária sobrepusessem-se às leis internas infraconstitucionais vigentes343. Em razão dessa singularidade, previu o Código Tributário Nacional - CTN344 em seu Livro II, Título I: Código Tributário Nacional “Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. (...) Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” (Grifos não constantes no original) Por expressa determinação legal do art. 98 c/c com o art. 96 do CTN, os tratados e convenções internacionais em matéria tributária são compreendidos como “legislação                                                                                                                 343 Em relação à doutrina favorável à tese do primado do Direito Internacional sobre o direito interno no domínio do Direito Tributário, leia REZEK, José Francisco. Recepção da regra de direito comunitário pelas ordens jurídicas nacionais (debates). In: VENTURA, Deisy de Freitas Lima Ventura. (Org.) Direito Comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 475; DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte Brasileira para os conflitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional: um exercício de ecletismo. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 92, n. 334, abr./jun. 1996, p. 97; XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 125; CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Tratados Internacionais em Matéria Tributária. In: Revista de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, n. 59, v. 180, 1992, p. 185; CÔELHO, Sacha Calmon Navarro. Isenções Decorrentes de Tratados Internacionais – Abrangência – Aplicabilidade a Tributos Estaduais e Municipais. In: CÔELHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu; THEODORO JUNIOR, Humberto. Direito Tributário Contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 142; TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tratados para evitar a bitributação internacional. In: SILVA, Ives Gandra da (Coord.). Curso de Direito Tributário. v. 2. 3. ed. Belém: Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1994, p. 11-14; e VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Tratados Internacionais na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do (Coord.). Tratados Internacionais na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Aduaneira, 2005, p. 18-20. Com relação à jurisprudência do STF favorável ao primado do direito externo no campo tributário, veja RE 76.099-SP, Rel. Min. R. Alckmin, RTJ, 73/454; RE 87.704 – SP, Rel. Min. Leitão de Abreu, RTJ 93/1180; RE 92.982-SP, Rel. Min. Rafael Mayer, RTJ 96/921; RE 97.088-RJ, Rel. Min. Oscar Corrêa, RTJ 104/1244. No STJ, veja REsp 1.966/SP, Rel. Min. Carlos Mário da Silva Velloso. 344 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 109   tributária” e possuem também status de Lei Complementar, permitindo, assim, a perfeita eficácia do princípio da lex specialis derogat legi generali345. Outra característica importante é que geralmente exige-se a alteração da legislação interna específica à matéria de acesso a dados sigilosos, em especial os bancários. Uma das escusas ao descumprimento poderia residir no fato de a medida solicitada ser contrária a legislação e prática do Estado Requerido, podendo nisso se incluir a questão de informação estar protegida por sigilo bancário. A proteção ao sigilo bancário traria, dessa forma, impasses intransponíveis à eficácia da cláusula da troca de informações, tida como uma das mais relevantes à cooperação internacional em matéria tributária. Por isso, o ideal representaria prover o acesso direto dos órgãos tributários a tais dados. Com esse intento, no Brasil foram editadas as Leis Complementares nos. 104346 e 105347, ambas de 2001, prevendo o acesso direto, além da assistência internacional para a troca de informações bancárias, a possibilitar uma cooperação mais profunda e fluida. Ademais, as referidas alterações legislativas disciplinar a questão da confidencialidade348. O art. 198 do CTN, com a alteração da Lei Complementar no 104, de 2001, que passou assim a dispor: Código Tributário Nacional "Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito                                                                                                                 345 O princípio da lex specialis derogat legi generali, como defendemos, aplica-se ao caso em análise e também para o Direito brasileiro de um modo geral quando da resolução de um potencial conflito de leis. Contudo, este princípio não se aplica a virtuais conflitos envolvendo os tratados e convenções de proteção aos direitos humanos. Com a Emenda Constitucional no 45, de 2004, e a inclusão do § 3o ao art. 5o à Constituição Federal, o princípio da lex specialis derogat legi generali cedeu lugar ao princípio da prevalência dos direitos humanos. Nesse sentido, veja MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O novo § 3o do art. 5o da Constituição e sua eficácia. In: Revista da AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, a. XXXII, n. 98, jun./2005, p. 303-331. Consignamos que alguns autores defendiam o princípio da prevalência das regras de direitos humanos mesmo antes da Emenda Constitucional, seja por força do art. 5o, § 2o, da Magna Carta, seja pela relevância da matéria. Nesse sentido, ver CANÇADO, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. I. 1. ed. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1997, p. 408; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 188; PIOVENSAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 91; STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 91; MAZZUOLI, Valério de Oliveira Mazzuoli. A Incorporação dos Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos no Ordenamento Brasileiro. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado, n. 147, jul./set. 2000, p. 186. 346 BRASIL. Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 347 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 348 BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Manual de Intercâmbio de Informações com o Exterior. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 46. 110   passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades." § 1o Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:" I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. § 2o O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. § 3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a: I – representações fiscais para fins penais; II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; III – parcelamento ou moratória.” Já os arts. 5º e 6º da Lei Complementar no 105, de 2001 preveem: Lei Complementar no 105, de 2001 “Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços. § 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor. Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.” Em conjunto, as alterações legislativas, em primeiro lugar, legitimaram a troca de informações com outras autoridades tributárias do mundo, prevendo expressamente essa possibilidade, sob a condição de que a troca de informações seja no interesse da arrecadação e da fiscalização dos tributos. Em segundo lugar, tais legislações empoderaram a RFB ao facultar o acesso às informações bancárias dos contribuintes, pelas autoridades e os agentes fiscais tributários, ainda que sem prévia autorização judicial, desde que instaurado um processo prévio administrativo. Esse empoderamento das autoridades administrativas brasileiras elevaria, assim, o nível de assistência que poderia ser provida ao órgão tributário estrangeiro, pois mesmo tais informações poderiam ser intercambiadas. Exatamente por esse motivo, sofreu resistência, tendo sido alegada a sua inconstitucionalidade por autorizar o 111   fornecimento de informações bancárias a Estados estrangeiros, em alegada violação a direitos fundamentais349. A exemplo do que já afirmado, em outras partes desta dissertação, não entramos nessa discussão sobre a constitucionalidade ou não desta norma. Mais uma vez, a questão, em si, daria base a uma tese. Porém, enfocaremos apenas na análise do arcabouço legislativo desenhado. Isto é, a edição de uma lei interna, que faculta a assistência, permitindo a eficácia revogatória de normas anteriores de mesma hierarquia com ela incompatíveis, desde que sua disciplina seja mais específica. Por fim, o art. 199, parágrafo único, do CTN, incluído pela Lei Complementar no 104, de 2001, assim estabelece: Código Tributário Nacional "Art. 199. .............................................................................................." "Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos." Atos internacionais específicos, que estabelecem as condições para o intercâmbio de informações, são assim celebrados com base nos dispositivos supra. Tais atos constituiriam não só os acordos propriamente de intercâmbio de informações, mas também outros instrumentos que incluam cláusula de troca de informações. Nesta última hipótese, enquadrarse-iam, v.g., os acordos internacionais para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, os acordos de assistência mútua em matéria aduaneira e mesmo os acordos de assistência mútua em matéria judiciária350. Logo, a Lei Complementar no 104, de 2001, pela modificação do art. 199 do Código Tributário Nacional, passou a explicitamente permitir que tratados, acordos ou convênios prevejam a possibilidade de permutar informações com Estados estrangeiros351. Há que se considerar não só que os tratados e as convenções internacionais de natureza tributária sobrepõem-se à legislação brasileira pré-existente, por expressa determinação do art. 98 do Código Tributário Nacional, como também aos princípios do lex posterior derrogat priori352                                                                                                                 349 Anotamos que recente decisão do STF, de dezembro de 2010, não foi favorável à aplicação dessa norma. No entanto, há de se ressaltar que a decisão não é vinculativa e aplica-se somente ao caso concreto julgado. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário no 389.808. Voto do Rel. Min. Marco Aurélio Mello. Publicado no DJ em 15 de dezembro de 2010. 350 BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Manual de Intercâmbio de Informações com o Exterior. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 26. 351 BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria da Receita Federal do Brasil. Op. Cit., p. 26. 352 A regra lex posterior derogat priori é uma solução para aplicação tanto do direito nacional quanto do internacional, lastreada na teoria conciliatória do monismo moderado fundada em Alfred Verdross. Nesse sentido, ver: DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte brasileira para os conflitos entre o direito 112   e lex specialis derogat legi generali. Não por outro motivo, uma vez em vigor os diplomas de permuta de informações com Estados estrangeiros, estes assim poderiam derrogar e modificar a lei interna infraconstitucional em contrário no Brasil, permitindo a cooperação com o estrangeiro. 3.2. COOPERAÇÃO ENTRE AUTORIDADES REGULADORAS DE VALORES MOBILIÁRIOS E MERCADOS FUTUROS A assistência mútua estabelecida entre autoridades reguladoras de valores mobiliários e os mercados futuros é objeto de nosso segundo estudo de caso. A trajetória de desenvolvimento da cooperação entre tais autoridades possui traços bastante semelhantes à empreendida entre os órgãos tributários. Tendo nascido mais recentemente, a assistência mútua entre autoridades reguladoras de valores mobiliários e dos mercados futuros atingiu elevado avanço. Muitas das dificuldades com as quais as autoridades tributárias se deparavam e cuja superação induziu ao fortalecimento dos laços entre órgãos homólogos são dificuldades que também podem ser detectadas como fatores cuja superação impulsionou a cooperação e a consolidação de uma rede entre as autoridades de regulação de valores mobiliários e dos mercados futuros mundo afora. A internacionalização das atividades do mercado de valores mobiliários e mercados futuros acarretou, como se é de imaginar, desafios regulatórios às autoridades responsáveis pelas atividades de fiscalização e regulamentação. Em especial, destacamos a preocupação com atividades ilícitas, como fraudes, manipulação de mercado e uso indevido de informações privilegiadas (insider trading). Como forma de combater tais infrações, surgiu então a necessidade tanto de incrementar a troca de informações entre os órgãos reguladores pelo mundo, como também de tornar mais fluida a cooperação. A exemplo dos órgãos tributários, os reguladores de valores mobiliários e de mercados futuros deparavam-se com dificuldades na aplicação do MLAT ao seus pedidos. Os mecanismos de provimento de eficácia à lei (law enforcement) de cada país podem divergir, de modo que o foco não constitua a persecução criminal. Em alguns casos, o foco pode residir na persecução administrativa, em outros, na responsabilização civil, e pode ainda existir um sistema misto. A diversidade fez com que o recurso ao MLAT não fosse um veículo sempre seguro ou suficiente, requerendo assim o desenho de um arcabouço próprio para a cooperação                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           interno e o direito internacional: um exercício de ecletismo. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, n. 334, abr./jun. 1996, p. 75. 113   na matéria353. As causas para a negativa de assistência com base nas disposições dos MLATs, em certas circunstâncias, podiam se aproximar muito daquelas motivações suscitadas para o não-cumprimento dos órgãos tributários, como já vimos no subitem anterior. Haja vista a necessidade de instituição de um mecanismo próprio de cooperação, a forma eleita pelas autoridades de regulação de valores mobiliários e mercados futuros foi a edição de Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding, doravante “MOU”) bilateralmente. O primeiro instrumento firmado neste sentido foi o Memorando de Entendimento entre Estados Unidos e Suíça (Memorandum of Understanding between the United States and Switzerland) em 1982354. As origens desse acordo remontam às limitações encontradas na aplicação do MLAT assinado entre EUA e Suíça. Haja vista a exigência do requisito da dupla incriminação no bojo de tal MLAT, o instrumento, na prática, não era aplicável quando os pedidos tinham como base a persecução de infração de uso indevido de informações privilegiadas (insider trading). A infração era crime nos EUA, mas não na Suíça, não se preenchendo assim a dupla incriminação355. O Memorando de Entendimento facilitou, assim, o acesso dos EUA a documentos bancários na Suíça356. E a partir da assinatura desse primeiro MOU, a Comissão norte-americana sobre valores mobiliários e bolsa de valores (U.S. Securities and Exchange Commission, doravante “SEC”, órgão homólogo à CVM no Brasil) passou a buscar a assinatura de uma série de instrumentos semelhantes com outros órgãos homólogos em outras jurisdições357. De forma semelhante à experiência dos órgãos tributários, um organismo internacional foi cardeal no desenvolvimento da cooperação entre as autoridades de regulação de valores mobiliários e mercados futuros. A Organização Internacional das Comissões de Valores (International Organization of Securities Commission , doravante “IOSCO”)358 é a agremiação internacional mais                                                                                                                 353 GILMORE, William C. Mutual assistance in criminal and business regulatory matters. Cambridge: University Press, 1995, p. XXIV. 354 MCCLEAN, David. International Judicial Assistance. Oxford: Clarendon Press, 1992, p. 238. 355 MCCLEAN, David. Op. Cit., p. 287. 356 MANN, Michael D.; MARI, Joseph G; LAVDAS, George. Developments in international securities law enforcement and regulation. [Estados Unidos da América]: Mann and Mari, 1990, p. 3. 357 MCCLEAN, David. Op. Cit. 358 Criada em 1974, a IOSCO resultou da expansão de estrutura regional semelhante na América, a Associação Inter-Americana de Comissões de Valores Mobiliários (Inter-American Association of Securities Commissions – AASCO). A IOSCO contempla as autoridades responsáveis pela regulação de valores mobiliários e mercados futuros no mundo. Veja a respeito JORDAAN, Hendrik. IOSCO's Contributions to MOUs with Emerging Market Countries: An Analysis in Light of SEC Experiences. In: Yearbook of International Financial and Economic Law. Londres: Kluwer Law International, v. 2, n. 339, 1997, p. 341. 114   importante de reguladores de valores mobiliários e mercados futuros359 e sempre desempenhou papel de destaque para fomentar a assistência mútua entre os órgãos do setor, por meio de suas resoluções e estudos. Em 1989, ao atualizar a Declaração do Rio de 1986360, o organismo internacional editou uma resolução recomendando aos seus membros que (a) negociassem instrumentos de entendimento bilaterais e/ou multilaterais para permitir que o Estado requerido provesse cooperação e assistência ao estrangeiro, independentemente do fato constituir uma infração no Estado requerido; e (b) editar uma legislação que permitisse o cumprimento desses instrumentos de entendimento361. Os ideais de cooperação foram mantidos na Resolução de 1990 (Resolution on Information Sharing Between Securities Regulators )362. O conteúdo dos MOUs é bastante variável, sendo dos mais diversos em termos de objeto e profundidade. Frente às críticas desferidas contra os variados MOUs bilaterais existentes, os quais, dada a sua diversidade, criariam uma “manta de retalhos” (patchwork)363, a IOSCO procurou prover maior homogeneidade no tema. Em 1991, o órgão multilateral editou resolução com 10 princípios ótimos para um MOU (Resolution on Principles of Memoranda of Understanding)364. Em 1998, a IOSCO finalmente editou seus famosos Objetivos e Princípios de Regulação de Valores Mobiliários (Objectives and Principles of Securities Regulation) 365 366.                                                                                                                 359 KRONKER, Herbert. Capital markets and conflict of laws. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 286, 2000, p. 245-285. 360 A Declaração do Rio, de 1986, já aclamava todos os membros da organização a proverem assistência recíproca mútua na obtenção de informações, a fim de supervisionar o mercado e prevenir fraudes. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. A Resolution Concerning Mutual Assistance, ("Rio Declaration"). Madri: IOSCO, 1986. Disponível em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2011. 361 Ainda na mesma Resolução, os membros da IOSCO consagraram que a cooperação e a troca de informação deveria ser cumprida independentemente de a matéria sobre investigação representar ou não uma infração à lei no Estado requerido. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. A Resolution On Cooperation. Madri: IOSCO, 1989. Disponível em: . Acesso em: 17 de dezembro de 2011. 362 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Resolution on Information Sharing Between Securities Regulators. Madri: IOSCO, 1990. Disponível em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2011. 363 BEGIN, B. A Proposed Blueprint for Achieving Cooperation in Policing Transborder Securities Fraud. In: Virginia Journal of International Law. Virginia: University of Virginia School of Law, v. 27, n. 1, Fall: 1986, p. 96. 364 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Resolution on Principles for Memoranda of Understanding. Madri: IOSCO, 1991. Disponível em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2011. 365 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Objectives and Principles of Securities Regulation. 115   A incorporação do modelo de cooperação direta no âmbito do organismo internacional logo foi mais além. A falta de uniformidade dos instrumentos de entendimento bilaterais fez com que fosse necessário adotar um instrumento mais padronizado no âmbito multilateral. O Memorando de Entendimento Multilateral sobre Consultas e Cooperação e Troca de Informações (Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information, doravante “MMOU”) foi assim assinado em 2002367. Com a celebração de tal Memorando de Entendimento multilateral (MMOU), que é mais compreensivo e vincula número maior de países, este tendeu a suplantar os MOUs bilaterais, quando já existentes368. De forma semelhante a ocorrido no campo tributário, o papel da principal agremiação internacional dos órgãos reguladores de valores mobiliários e mercados futuros no estimula à cooperação internacional foi fortemente impulsionado com as crises mundiais de 2001 e 2008369. Interessante perceber que a cooperação entre autoridades de regulação de valores mobiliários e mercados futuros seguiu modelo razoavelmente distinto do entre autoridades tributárias. Enquanto estas, ao menos no Brasil, têm uma preferência pela celebração de tratados – instrumento vinculativo e obrigatório (binding) –, aquelas preferiram optar pela assinatura de MOUs – instrumentos não juridicamente vinculativos (soft law), ou seja, de normas narrativas370 – com seus homólogos371.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Madri: IOSCO, 1998. Disponível em: . Acesso em: 17 de dezembro de 2011. 366 Os “Objetivos e Princípios de Regulação” da IOSCO foram editados em 1998, com base nas Resoluções de 1990 e 1991, já referidas. Em 2003, o documento de 1998 foi atualizado; e em 2010, 8 novos princípios foram adicionados aos pré-existentes. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Principles Regarding Cross-Border Supervisory Cooperation - Final Report. Madri: IOSCO, 2010. Mimeo. p. 3. Disponível em: . Acesso em: 13 de agosto de 2011. 367 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 368 A assinatura de MOU multilateral estaria no “segundo pilar” da IOSCO. In: DAVIES, Howard; GREEN, David. Global Financial Regulation. The Essential Guide. Cambridge: Polity Press, 2008, p. 64. 369 AUSTIN, Janet. IOSCO’s Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information – a model for international regulatory convergence? Mimeo. p. 1 e 8. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2011. 370 Adotamos aqui a tese de Jayme (JAYME, Erik. Entrevista com o Prof. Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.). Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGDir/UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 1, mar. 2003, p. 73), para quem as regras de soft laws, ao conter uma descrição de sua finalidade, são estas mesmas um modelo de regra para as legislações nacionais. O autor, que chama essas regras de "normas narrativas", sustenta que seu objetivo é fazer um apelo à consciência, sem coerção nem ordem. 116   O fato dos MOUs serem instrumentos informais, despidos de obrigatoriedade no plano internacional, foi entendido como uma vantagem em si. Isto porque tais eram vistos como preferíveis em virtude de sua “simplicidade, rapidez, flexibilidade e confidencialidade” (“simplicity, speed, flexibility, and confidentiality”)372, em comparação aos tratados. A esperança era que os memorandos de entendimento criariam um “divisor de águas de experiências positivas” (“watershed of positive experience”) que conformariam a base futura para uma cooperação mais profunda 373. Mas, conforme acreditamos, o êxito de tais instrumentos informais (MOUs) poderia ser creditado menos à criação dessas “experiências positivas” do que a outros fatores importantes. Em especial, ressaltamos a recomendação para que os países editem lei interna, como forma de possibilitar a prestação de assistência no nível desejado. A observância dessa recomendação pode demandar a implementação de mudanças no marco regulatório e de política na ordem doméstica dos Estados envolvidos, de maneira a assegurar que o cumprimento dos pedidos seja juridicamente possível374. Outrossim, enfatizamos o forte peso institucional da IOSCO, que eleva o caráter vinculante político de seus instrumentos de soft law375. Além dos tradicionais mecanismos de acompanhamento de cumprimento de compromissos (follow up) e do grupo de monitoramento (monitoring group), destacamos a Resolução da IOSCO de 2005 (Resolution of the Presidents Committee on the International Benchmark for Enforcement Related Cooperation and                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Sobre as "normas narrativas", veja igualmente JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 247. 371 GILMORE, William C. Mutual assistance in criminal and business regulatory matters. Cambridge: University Press, 1995, p. XXV. 372 A respeito, escreve Anthony Aust: “The main procedural reasons for using informal instruments in preference to treaties are simplicity, speed, flexibility, and confidentiality”. (AUST, Anthony. The Theory and Practice of Informal International Instruments. In: International and Comparative Law Quartely. Londres: British Institute of International and Comparative Law, v. 25, out. 1986, p. 789). 373 Nas palavras de Mann, Mari e Lavdas (MANN, Michael D.; MARI, Joseph G; LAVDAS, George. Developments in international securities law enforcement and regulation. [Estados Unidos da América]: Mann and Mari, 1990, p. 5), os acordos proveriam “the parties with experience in international cooperation and a better understanding of the differences between regulatory systems and markets. The MOUs build a watershed of positive experience which can form the basis for future, more expansive cooperation”. 374 Como vimos, desde a Resolução de 1989, os membros da IOSCO consagraram esse entendimento, recomendando que os Estados editassem legislação que permitisse o cumprimento dos Memorandos de Entendimento para a cooperação. Na mesma Resolução, consagraram igualmente que a cooperação e a troca de informação deveria ser cumprida independentemente de a matéria sobre investigação representar ou não uma infração à lei no Estado requerido. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. A Resolution On Cooperation. Madri: IOSCO, 1989. Disponível em: . Acesso em: 17 de dezembro de 2011. 375 AUSTIN, Janet. IOSCO’s Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information – a model for international regulatory convergence? Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2011. 117   Exchange of Information)376, pelo qual se determinou que todos os membros deveriam adotar sem restrições ou se comprometer a adotar sem restrições até 1 de janeiro de 2010 o Memorando de Entendimento Multilateral sobre Consultas e Cooperação e Troca de Informações, assim com que recursos seriam alocados para auxiliar os membros a adotarem o MMOU. Ressaltamos, outrossim, outra Resolução de 2005 (Final Communiqué of the XXXth Annual Conference of the International Organization of Securities Commissions)377 que estipulou que a IOSCO não aceitaria novos membros que não assinassem o Memorando de Entendimento Multilateral. Há credenciais e bônus relevantes envolvidos. No Brasil, por exemplo, há aspecto institucional adicional. Para que um fundo de investimento brasileiro possa operar em país estrangeiro, é necessário que a entidade desse país seja autorizada a funcionar em país integrante do Mercosul ou, se em outra jurisdição, que seja supervisionada por autoridade reguladora com quem a CVM tenha acordo de cooperação mútua ou seja signatário do memorando multilateral da IOSCO (“autoridade reconhecida”)378. Ademais, a exemplo do Fórum da OCDE, em matéria tributária, a IOSCO conta com cabedal de princípios a serem seguidos, representando a adesão dos países aos acordos modelo uma sinalização de que tais estão envidando esforços para cumprir esses princípios. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários já assinou 29 MOUs bilaterais com outros órgãos homólogos estrangeiros379, sendo o mais recente foi firmado com o órgão das Ilhas Cayman380. Como já dito, o conteúdo dos instrumentos informais de entendimento é bastante variável, tendência que podemos verificar nos MOUs assinados pelo órgão brasileiro.                                                                                                                 376 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Presidents Committee. Resolution of the Presidents Committee on the International Benchmark for Enforcement Related Cooperation and Exchange of Information. Madri: IOSCO, 2005. Disponível em: . Acesso em: 13 de agosto de 2011. 377 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Presidents Committee. Final Communiqué of the XXXth Annual Conference of the International Organization of Securities Commissions (IOSCO). Madri: IOSCO, 2005. Disponível em: . Acesso em: 13 de agosto de 2011. 378 A regra está na Instrução CVM nº. 409, de 18 de agosto de 2004, conforme alteração pela Instrução CVM nº. 450, de 30 de março de 2007. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento. Instrução CVM nº. 409, de 18 de agosto de 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 379 Para uma relação completa dos memorandos de entendimento assinados para a cooperação em matéria de regulação de valores mobiliários e mercados futuros, veja o sítio eletrônico da CVM, em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 380 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Memorandum of Understanding concerning consultation and cooperation and the exchange of information between the Securities Commission of Brazil and the Cayman Islands Monetary Authority. Disponível em: . Acesso em: 12 de dezembro de 2011. 118   Ademais, o País, por meio da CVM, passou a adotar o MOU Multilateral da IOSCO em outubro de 2009381. A Comissão de Valores Mobiliários já participava dos Comitês Técnico e Executivo da IOSCO, mas, com a assinatura do memorando de entendimento de forma plena pelo Brasil, e a adesão ao Anexo A, o organismo internacional passou a reconhecer que o regulador brasileiro adotava as melhores práticas com relação ao acesso a informações necessárias para o cumprimento de suas atribuições. Passemos à análise das principais características dos instrumentos que regulamentam a cooperação entre as autoridades de regulação de valores mobiliários e mercados futuros. Importante marco dos MOUs é permitir a ampla cooperação entre as autoridades envolvidas382 383, incluindo a troca de informações confidenciais384. A assistência prestada compreenderia não só o intercâmbio de informações já em posse das autoridades de supervisão e regulação, mas também informações em posse de terceiros385. Os instrumentos de cooperação em comento, de modo geral, preveem detalhadamente acerca da manutenção da confidencialidade de informações quando de sua troca. Em alguns pontos, são impostas regras relativamente rigorosas. Segundo o instrumento multilateral, por exemplo, a informação confidencial não pode ser tornada pública em rigor. Só poderá excepcionalmente ser levantado o manto da confidencialidade quando (i) em decorrência da execução de uma ordem no Estado requerente e (ii) a autoridade requerida estrangeira tenha sido consultada a respeito e consinta com a exceção386. Portanto, suas regras de confidencialidade seriam mais rigorosas que as afetas à assistência administrativa em                                                                                                                 381 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 382 Veja, por exemplo, o art. 7 do MMOU, que prevê amplo escopo de medidas passíveis de cumprimento pela assistência. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit. 383 O incremento da cooperação visava, segundo o documento, três objetivos: proteger investidores; assegurar mercados justos, eficientes e transparentes; e reduzir o risco sistêmico. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Principles Regarding Cross-Border Supervisory Cooperation - Final Report. Madri: IOSCO, 2010. Mimeo. p. 10. Disponível em: . Acesso em: 13 de agosto de 2011. 384 “Art. 6.(b) The Authorities represent that no domestic secrecy or blocking laws or regulations should prevent the collection or provision of the information set forth in 7(b) to the Requesting Authority”. (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011). 385 “13. Where requested information is in the possession of unsupervised third parties, an authority should use its best efforts to gather the information or, where permitted by law, obtain that information on behalf of the requesting authority or assist the requesting authority in obtaining the information directly from the third party.” In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Op. Cit, 2010, p. 5. 386 A regra está art. 11(b) do MMOU. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit. 119   matéria tributária, já que, por meio desta, permite-se, em alguns casos, que informações se tornem públicas em decisão judicial387. Os Memorandos de Entendimento entre autoridades reguladoras de valores mobiliários e mercados futuros ainda estipulam acerca do princípio da especialidade. A informação confidencial pode ser usada para o fim descrito no pedido388. Poderá, eventualmente, ser a informação usada para assistir em um procedimento civil, penal e administrativo de natureza diversa389. Na eventualidade a informação se destinar a uso outro que não o indicado na solicitação, a autoridade requerente deverá solicitar a autorização específica ao órgão estrangeiro390. Logo, os MOUs, incluindo o multilateral, permitem o uso de informações, mesmo “críticas” (confidenciais), em processos civis ou administrativos, como em criminais, se tal destinação está descrita no pedido391. Devem ser respeitadas, todavia, as regras de confidencialidade, acima descritas. O MOU multilateral é ainda mais específico e permite que possa ser negado pedido, quando: um processo criminal já tenha sido iniciado na jurisdição da Autoridade Requerida, baseado nos mesmos fatos e contra as mesmas pessoas; ou quando as mesmas pessoas já tenham sido sujeitas a uma sanção condenatória final pelas mesmas alegações por autoridades competentes da jurisdição da Autoridade Requerida. A regra seria afastada somente nas hipóteses em que a Autoridade Requerente lograsse demonstrar que a atenuação ou sanção buscada, em qualquer processo por ela iniciado, não seria da mesma natureza ou duplicativa de nenhuma atenção ou sanção obtida na jurisdição da Autoridade Requerida.                                                                                                                 387 Um exemplo é o já citado Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, que estipula em seu art. VII.1. que “(a)s informações poderão ser reveladas em procedimentos públicos dos tribunais ou em decisões judiciais.” (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Decreto de Lei no 413, de 19 de dezembro de 2007. Aprova o texto do Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012). 388 A disciplina está contida no art. 7(a)(i) do MMOU. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 389 Veja o art. 7(a)(ii) do MMOU. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit. 390 A regra consta no art. 7(b) do MMOU. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit. 391 “ Art. 11(b). The Requesting Authority will not disclose non-public documents and information received under this Memorandum of Understanding, except as contemplated by paragraph 10(a) or in response to a legally enforceable demand. In the event of a legally enforceable demand, the Requesting Authority will notify the Requested Authority prior to complying with the demand, and will assert such appropriate legal exemptions or privileges with respect to such information as may be available. The Requesting Authority will use its best efforts to protect the confidentiality of non-public documents and information received under this Memorandum of Understanding.” (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit.). 120   Interessante anotar que alguns acordos em matéria de regulação de valores mobiliários e mercados futuros permitem, entre as medidas executáveis, além da troca de informações, a oitiva de testemunha392. Uma característica importante desses MOUs igualmente consiste na não exigência do requisito da “dupla ilegalidade”. O requisito exige que a conduta, sob investigação, constitua uma conduta ilícita em ambos os países, requerente e requerido393. Ou seja, equivale à dupla incriminação ou à dupla penalização administrativa, a depender do caso. O afastamento de tal exigência394 faz da cooperação, com base em acordos em matéria de regulação de valores mobiliários e mercados futuros, mais avançada que a cooperação puramente com base em reciprocidade395, onde normalmente se exige esse requisito. Como se sabe, o requisito tende a restringir sobremaneira a cooperação, por esse motivo, sua exclusão é vista pela agremiação como necessária396. Ademais, os acordos administrativos em comento preveem seu convívio com outros mecanismos, como os MLATs. Uma das suas características mais relevantes, como já dito, é a existência de uma legislação doméstica que permite a assistência administrativa. O Brasil, desde 1976, possui uma lei a respeito397. Uma alteração legislativa em 1997398 tornou a redação dessa lei mais abrangente, e, finalmente, em 2001, o arcabouço legislativo foi substancialmente aprimorado.                                                                                                                 392 Veja os arts. 7(b)(iii), 9(c) e 9(d) do MMOU, que disciplina a respeito. In: BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Multilateral Memorandum of Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of Information. Disponível em: . Acesso em: 18 de março de 2011. 393 Definição inserida no Resolution on Information Sharing Between Securities Regulators. In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Resolution on Information Sharing Between Securities Regulators. Madri: IOSCO, 1990. Mimeo. p. 3. Disponível em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2011. 394 “Art. 7(c). Assistance will not be denied based on the fact that the type of conduct under investigation would not be a violation of the Laws and Regulations of the Requested Authority.” (BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Op. Cit.). 395 RUIZ, Maria Amparo Grau. Mutual assistance for the recovery of tax claims. Londres: Kluwer Law International, 2002, p. 10. 396 INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Op. Cit., 1990, p. 2-3. 397 Em sua redação original de 1976, dispunha a Lei no 6.385, de 1976: “Art 10. A Comissão de Valores Mobiliários poderá celebrar convênios para a execução dos serviços de sua competência em qualquer parte do território nacional, observadas as normas da legislação em vigor.” A redação foi revogada. In: BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 398 Em sua redação original de 1997, dispunha a Lei no 6.385, de 1976: “Art. 10. Os contratos e convênios celebrados pela Comissão de Valores Mobiliários, para a execução de serviços de sua competência, em qualquer parte do território nacional, reger-se-ão pelas normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional. (Redação dada pela Lei nº 6.422 , de 8.6.1977)”. A redação foi revogada. In: BRASIL. Op. Cit., 1976.   A Lei no 6.385, de 1976399, passou a prever o seguinte: 121 Lei no 6.385, de 1976 “Art. 10. A Comissão de Valores Mobiliários poderá celebrar convênios com órgãos similares de outros países, ou com entidades internacionais, para assistência e cooperação na condução de investigações para apurar transgressões às normas atinentes ao mercado de valores mobiliários ocorridas no País e no exterior. (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) § 1o A Comissão de Valores Mobiliários poderá se recusar a prestar a assistência referida no caput deste artigo quando houver interesse público a ser resguardado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001) § 2o O disposto neste artigo aplica-se, inclusive, às informações que, por disposição legal, estejam submetidas a sigilo. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)” (Grifos não constantes no original). A Lei no 6.385, de 1976, regulamenta o mercado de valores mobiliários e permite a celebração pela CVM de convênios com órgãos similares de outros países, ou com entidades internacionais, para assistência e cooperação na condução de investigações visando apurar transgressões às normas atinentes ao mercado de valores mobiliários ocorridas no País e no exterior. Em paralelo, na Lei Complementar no 105, de 2001400, passou-se a disciplinar em específico a questão do sigilo: Lei Complementar no 105, de 2001 “Art. 2º O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições. (...) § 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, em suas áreas de competência, poderão firmar convênios: (...) II - com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros países, objetivando: (...) b) a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a investigação de atividades ou operações que impliquem aplicação, negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas.” (Grifo nosso) Assim, na Lei Complementar no 105, de 2001 (que trata principalmente do sigilo das operações de instituições financeiras), em mesmo artigo que trata de dever de sigilo, o                                                                                                                 399 BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 400 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 122   Legislador brasileiro autorizou a CVM, dentro de sua área de competência, a firmar convênios com entidades fiscalizadoras de outros países. Tais convênios teriam como objetivo a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a investigação de atividades ou operações que implicassem aplicação, negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas. A relevância da edição de uma regra doméstica torna-se mais clara quando estudada a cooperação da Comissão de Valores Mobiliários com outros órgãos reguladores do mercado de valores e futuros estrangeiros. Como se sabe, os MOUs firmados pela CVM não suplantam legislação interna vigente (ou seja, não há uma lei posterior a derrogar uma norma anterior), tampouco se cria obrigação internacional. Tais instrumentos somente protocolizam a intenção da cooperação entre as partes que, por esse meio, buscam estreitar relações401. Os MOUs, como regra, são versões formais de acordos de cavalheiro. São pactos que veiculam programas de ação política e que, mesmo assumindo formalidades, não contêm cláusulas vinculantes, mas promessas de ação. A depender da autoridade do signatário, dos termos adotados e das formalidades empregadas, especialmente se registrados na ONU, podem ser considerados tratados. Configuram, basicamente, a opção que resta a autoridades sem poder para negociar e autenticar tratados402. Diferentemente dos acordos de cooperação em matéria tributária, os instrumentos firmados pelas autoridades reguladoras de valores mobiliários e mercados futuros não se tornam, assim, propriamente uma lei complementar nem ordinária. Em que pese aqueles serem normas vinculantes (hard law) e estes normas não juridicamente vinculantes (soft law), ainda assim acreditamos que a cooperação provida com base nestes poderia ser jurídica e formal. Para tanto, necessário seria seguirmos a lex diligentiae. Ao haver uma lei interna geral que permite a troca de informações entre autoridades de regulação em mercados de valores e futuros, a assistência pode produzir ato ou prova legítima, devendo, para tanto, serem garantidas as regras de confidencialidade e demais condições de uso. Assim, a existência de uma lei interna que permite a cooperação faz-se especialmente importante, na inexistência de acordo que se torna lei.                                                                                                                 401 MELLO, José Luiz Homem de; GUAZELLI, Tatiana Mello. CVM e Acordos Bilaterais de Cooperação com Órgãos Regulatórios de Outras Jurisdições. In: Anexo Biblioteca Informa. São Paulo: Pinheiro Neto Advogados, n. 2053, abr. 2009, p. 4. 402 LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009, p. 290-291. 123   Ademais, carecer de força vinculante ou ser obrigatório no plano internacional não necessariamente torna os instrumentos ineficazes. Outros fatores, como repercussão política, a perda da credibilidade pelo inadimplemento das obrigações assumidas, entre outros, poderiam ser per se uma sanção. 3.3 A EMERGÊNCIA DE NOVAS FRONTES EM COOPERAÇÃO DIRETA Com base nesses dois estudos de casos, é possível abstrair características e tendências da cooperação direta entre os órgãos. Primeiramente, pode-se apontar que ambas, a cooperação direta entre autoridades reguladoras de valores mobiliários e mercados futuros, e a cooperação direta entre autoridades tributárias remontam suas origens a situações em que os MLATs deparavam-se com limitações para o seu cumprimento. No caso da cooperação entre aquelas (autoridades reguladoras de valores mobiliários e mercados futuros), seu surgimento é oriundo de tentativas de contornar um MLAT (no caso, o MLAT assinado entre Suíça e EUA)403, que não encontrava aplicação para a produção de medidas no bojo de seus processos, tendo em vista a exigência da dupla incriminação. Já no caso da cooperação entre estas (autoridades tributárias), sua gênese está igualmente na não aplicação de MLATs às suas necessidades de assistência no estrangeiro seja em virtude de cláusulas que excluíam certos crimes do campo de aplicação desses MLATs (exclusão esta que poderia ser explícita ou mesmo implícita, como nas hipóteses de exigência de pena mínima legal para os crimes investigados em patamar elevado), seja em virtude de o poder discricionário das autoridades requeridas, as quais poderiam compreender o pedido de auxílio extraído de uma investigação muito ampla (fishing expeditions)404. Com fundamento na análise supra, podemos perceber que ambas as cooperações possuem pontos em comum. Entre os diversos pontos de semelhança, poderíamos, por exemplo, citar que são exigidos pedidos mais completos, com nível de indícios e evidências mais elevado; formulários padrão; um órgão interno que funciona como uma espécie de autoridade central; e rol de medidas que podem ser cumpridas mais detalhadas e previsíveis. Em verdade, a redação e a estrutura de tais acordos de cooperação em matéria de regulação de valores mobiliários e mercados futuros e os de cooperação em matéria tributária                                                                                                                 403 MCCLEAN, David. International Judicial Assistance. Oxford: Clarendon Press, 1992, p. 287. 404 Um exemplo citado é a relação que durante muito tempo se deu entre os Estados Unidos, de um lado, e as Ilhas Cayman, de outro. Aquele país tinha seus pedidos negados por este, diante do argumento de que o pedido de cooperação era oriundo de uma investigação muito ampla (fishing expeditions). In: GILMORE, William C. Mutual assistance in criminal and business regulatory matters. Cambridge: University Press, 1995, p. XXII). 124   aproximam-se muito das de um MLAT. Há uma série de provisões – especificas medidas – o que deve conter o pedido. Vai ao encontro da ideia de que, para que o acordo funcione, o seu texto deve ter regras claras, que demonstrem a consistência e a firmeza dos compromissos assumidos. Dentre as várias semelhanças mencionadas, no entanto, destacamos duas, reputadas centrais: a existência de uma lei interna que permite a cooperação; e o componente institucional multilateral. Quanto à existência de uma normativa interna, a prática tem demonstrado que, sem a edição de uma nova lei que possibilite a reforma, especialmente, nas legislações sobre acesso a dados sigilos, progressos significativos não podem ser alcançados. Há duas maneiras de atingir isso: (i) tratados que mudam lei interna e são juridicamente vinculantes; e (ii) leis internas que criam base legal e definem o poder dos órgãos nacionais de entrar em acordos com outros órgãos estrangeiros405 406. Especialmente em se tratando de troca de informações confidencias, a edição de lei que altere o marco legislativo doméstico, possibilitando a troca com órgãos estrangeiros, torna-se um relevante divisor de águas a galvanizar a cooperação. A previsão legal expressa é entendida pelos órgãos até como argumento que os respalda frente a reclamações dos advogados das partes, frente às questões de confidencialidade. Em existindo um acordo, porém, inexistindo lei interna que preveja essa possibilidade, a tendência é de que não haja progresso de fato em termos de troca de informações confidenciais407. A questão de não ter acordo que torna o compromisso de cooperação vinculante e obrigatório (binding) para ambos os países reflete-se na discricionariedade de sua aplicação. Exemplo claro são as regras de provimento de informações protegidas por sigilo. Primeiramente, a cláusula que prevê as hipóteses de escusa de não cumprimento do acordo, geralmente prevê que o pedido pode ser negado quando viole lei doméstica ou houver questões de interesse público ou interesse nacional essencial envolvidas. Isso torna o órgão                                                                                                                 405 ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 127. 406 É o fenômeno dos novos agentes que atuam hoje no campo do Direito Internacional Público. Ver: MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais por meio do Crime e da Pena. São Paulo: 34, 2004. 407 “Even when the agencies could legally have some room to manoeuvre with some of the documents they collected, the pressure in favour of an extensive application of confidentiality is such that sharing them with foreign authorities is out of the question without explicit legislative approval. (...) Therefore, the US, EC and Canadian agencies are determined to fully respect the limitations imposed by their laws when they cooperate, especially since an increasing number of practitioners have expressed their fear that bilateral cooperation may not adequately safeguard the rights of confidentiality of firms. (...) It is therefore quite clear that, without legislative intervention and reform of the confidentiality laws, no progress will made.” (ZANETTIN, Bruno. Op. Cit., p. 126 e 127). 125   administrativo livre para que, com bases discricionárias, não cumpra o pedido408, mesmo que tenha, como no Brasil, lei interna que faculte o provimento da cooperação. Há lei interna que permite cooperação e prevê que seja legal, da mesma forma como se dá a cooperação por via da carta rogatória: a cooperação é legal, mas não obrigatória. Quanto aos aspectos institucionais409, acreditamos que o desenho institucional tem o poder de influenciar o cumprimento de soft laws, pelas diferentes consequências políticas que pode ter. Em certa medida, as consequências políticas iriam depender do arranjo institucional do foro internacional onde foram emanadas. O desenho do acordo e da instituição, na qual se insere tal acordo, importam. Retomemos aqui o conceito de Maria da Rocha Machado. Esta autora chama a atenção ainda para a existência de instrumentos de soft law e Memorandos de Entendimento que não são juridicamente vinculantes (ou seja, não criam direitos nem obrigações jurídicas), ainda que disponham de conteúdo e forma jurídicas, mas que são “politicamente vinculantes” 410. O descumprimento dos compromissos firmados no instrumento não acarreta uma responsabilização jurídica, que pode ser cobrada em um tribunal internacional ou que autorize de imediato uma sanção ou contramedida. A sanção nesse caso é de outra natureza, a exemplo de negociação direta entre as partes (sem interferência de cortes) e “retorsões”411, ou seja:                                                                                                                 408 “MOUs are statements of intent which do not impose legally binding obligations on signatories. As such, they have no power to overcome domestic laws and regulations, nor do they affect other channels of cooperation, such as mutual assistance in criminal matters. The strength of MOUs, however, is that they facilitate the exchange of information by accommodating the differences between regulators and by responding to changing legal environments.” In: INTERNATIONAL ORGANIZATION OF SECURITIES COMMISSIONS. Technical Committee of the International Organization of Securities Commissions. Resolution on Principles for Memoranda of Understanding. Madri: IOSCO, 1991. Mimeo. p. 2. Disponível em: . Acesso em: 15 de dezembro de 2011. 409 Usamos aqui o termo institucionalismo conforme sua acepção na escola neo institucionalista, de autoria e desenvolvimento atribuídos aos prêmios nobéis da Ciência Econômica, Ronald Coase, Douglass North, Oliver Williamson e Elinor Ostrom. Sob o marco da New Institutional Economics - NIE e das formulações dela decorrentes, instituições são vistas como conjunto de regras, formais e informais, de certo jogo, que determinam o que os atores podem ou não fazer e garantem o equilíbrio nas relações. Portanto, tais regras não se limitam às regras jurídicas, porém, ao conjunto de aspectos culturais, como crenças e valores, e seus arranjos. Após os ensinamentos germinais de Coase, Douglass North foi reconhecido, então, como verdadeiro pai da New Institucional Economics. Em sua tese, apontou para os incentivos gerados aos comportamentos humanos pelas instituições sociais. De acordo com a formulação seminal de North, as instituições são “the rules of the game in a society, or more formally, [the] humanly devised constraints that shape human interaction.” Em conseqüência, estruturariam os incentivos que atuariam nas trocas humanas, sejam essas políticas, sociais ou econômicas. As mudanças institucionais dariam forma à maneira pela qual as sociedades evoluiriam ao longo do tempo e, assim, constituir-se-iam na chave para a compreensão da mudança histórica. Por fim, Oliver Williamson e Elinor Ostrom focaram ambos suas pesquisas nas organizações, nos indivíduos e nas suas estruturas de incentivo. In: NORTH, Douglass. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. 410 MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais por meio do Crime e da Pena. São Paulo: 34, 2004, p. 51. 411 Retorsão é o termo em Direito Internacional que se refere às sanções de caráter político que não constituem ilícitos internacionais. São exemplos clássicos o rompimento ou limitação de relações diplomáticas, os embargos de qualquer tipo e até a suspensão de linhas de ajuda. In: MACHADO, Maíra Rocha. Op. Cit., p. 53. 126   sanções de caráter político. Nessa categoria, incluir-se-iam mecanismos de suspensão de programas de ajuda (exemplo: linhas de financiamento do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial), de inclusão de “listas negras” e outros mecanismos de “apontar o dedo e envergonhar” (naming and shaming)412, a depender do quadro institucional onde estão e dos interesses envolvidos. Por isso, são diversos hoje os tipos de normas não juridicamente vinculantes (soft law): dependerão do arcabouço institucional onde estão inseridos. O fato é que não se pode generalizar o conceito de soft law. Como um fenômeno comum no paradigma pósmodernidade413, as fronteiras borram-se414: as tipologias standards de Direito Internacional, que traçam a distinção entre normas juridicamente vinculantes e obrigatórias (binding) e normas não juridicamente vinculantes nem obrigatórias (non-binding), ficam matizadas. E tal matiz fica clara nessa interação entre as autoridades administrativas no plano internacional415. Pode-se observar que as regras, formais e informais, e a estruturação de regras do jogo e incentivos fortaleceram o enforcement de recomendações editadas por instituições como OCDE e IOSCO. Para que tais acordos de organismos multilaterais envolvidos funcionem, a existência de regras, bônus, credenciais e demais elementos reputacionais para os membros do “clube” têm demonstrado estrutura de incentivos fundamental. Organismos internacionais, em especial, hoje, criam alguns desses instrumentos, como procedimento típico de acompanhamento de cumprimento de compromissos assumidos (follow up procedures), comitês de orientação (steering committees), comissões de expertos, visando colher informações e monitorar a observância aos compromissos assumidos e recomendações e modelos adotados por esses organismos. Nesse ponto, regras de “expulsão” do clube, em especial por mecanismos de revisão dos pares (peer review) e pressão dos pares (peer pressure), têm se mostrado relevantes.                                                                                                                 412 A inclusão de nomes em “listas negras” ou as restrições ao “bom nome” são apontadas por João Bosco Leopoldino da Fonseca como uma manifestação da coercibilidade do Estado por meio de punições morais, em cenário de “crise da imperatividade”. In: FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 31. 413 LYOTARD, Jean-François. Trad. de Ricardo Corrêa Barbosa. A Condição Pós-Moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 3-34. 414 Alguns acadêmicos apontam que o conceito de soft law, tal como o conhecemos hoje, perde um pouco de seu significado. Nesse sentido, ver: RAUSTIALA, Kal. Form and Substance in International Agreements. In: The American Journal of International Law. Los Angeles: UCLA Law School, v. 99, fev. 2004, p. 586-581. Ler: GUZMAN, Andrew t. A Compliance-Based Theory of International Law. In: California Law Review. Berkeley: Boalt Working Papers in Public Law, v. 90, n. 6, 2002, p. 1880. Ver também: ZARING, David. (Informal Procedure, Hard and Soft, in International Administration. In: Chicago Journal of International Law. Chicago: The University of Chicago Law School, v. 5, n. 1, Summer: 2004, p. 595, quando escreve: “Drawing careful distinctions between hard and soft law makes little sense where nonbinding rules can have such binding effect”. 415 KINGSBURY, Benedict. The Concept of Compliance as a Function of Competition Conceptions of International Law. Apud ZARING, David. Op. Cit., p. 551. 127   Maíra da Rocha Machado, ao estudar o caso do GAFI, aponta para esse fenômeno, que descreve como o surgimento de normas de soft law que, acabam, pelos mecanismos de implementação utilizados, sendo normas dotadas de forte obrigatoriedade416. Busca designar um arranjo novo, em que se misturam, de um lado, “a ausência de força jurídica dos dispositivos – posto que não constituem uma obrigação jurídica internacional -” e, de outro, “a existência de mecanismos efetivos que induzam a sua implementação”417. Conclui acerca desse novo fenômeno institucional que: “Nesse caso, a vinculação, em sentido forte, não é de natureza jurídica, ainda que o conteúdo dos dispositivos o seja. Trata-se, enfim, de um sistema não-jurídico de responsabilidade internacional dos Estados destinado a impulsionar a aproximação dos sistemas jurídicos nacionais a partir de um referencial internacional de conteúdo, mas não de força jurídica.”418 (grifo nosso). Ainda que os instrumentos firmados, por esses órgãos, não sejam propriamente tratados e convenções internacionais “juridicamente vinculantes”, seja por sua ausência de ratificação, seja por seu conteúdo, que não abarca uma obrigação jurídica propriamente dita, por meio de outros mecanismos institucionais que os cercam. Cumpre aqui retomar alguns conceitos importantes das modalidades de cooperação. Comumentemente, os termos cooperação administrativa, direta e informal são tidos como sinônimos. A cooperação seria administrativa por envolver tão-somente órgãos administrativos, sem intervenção do Judiciário. Já a direta, por se estabelecer diretamente entre os órgãos, sem necessidade de um intermediador (como as vias consulares, diplomáticas e das autoridades centrais)419.                                                                                                                 416 Inobstante o brilhantismo da análise da Autora, vale a pena anotar que a expressão escolhida para descrever o fenômeno, no entanto, não foi a mais feliz. Maíra Rocha Machado designa o fenômeno como soft law hardly binding. Inobstante parecer querer empreender um jogo de palavras entre “hard” e “soft” (empregados no termo “hard law” e “soft law”, contrapondo normas juridicamente vinculantes e normas não juridicamente vinculantes), ao usar o advérbio e não o adjetivo (“hardly”, ao invés de “hard”), parece ter apontado para significado distinto. Lembramos que “hardly”, em Inglês, significa “dificilmente”, não “duramente”. MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais por meio do Crime e da Pena. São Paulo: 34, 2004, p. 210. 417 MACHADO, Maíra Rocha. Op. Cit., p. 210. 418 MACHADO, Maíra Rocha. Op. Cit., p. 210. 419 “A cooperação direta tem lugar quando a solicitação da medida pode ser feita diretamente entre autoridade requerida e autoridade requerente, sem a necessidade de instauração ou participação de instâncias formais e independentemente da intervenção do Poder Judiciário. Normalmente, seu processamento ocorre por meio das vias administrativas e de órgãos que já possuem vocação para o trabalho conjunto com unidades equivalentes em outros países (caso de autoridades policiais, unidades de inteligência financeira e autoridades alfandegárias).” (SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: 128   As definições para a cooperação informal são diversas, sendo normalmente demarcadas, como já referimos no Capítulo 2, como contraposto à cooperação formal e/ou jurídica420 421. Notamos que não se costuma dividir a cooperação informal conforme espécies, e sim conforme os órgãos que as praticam. A despeito da multiplicidade de conceituações e exemplos, é relevante, para delimitá-la, deter-mo-nos em seguinte ponto central: as formalidades necessárias para a execução da medida solicitada, haja vista as exigências do sistema jurídico do Estado requerido. As diligências cumpridas por meio da cooperação informal devem, em essência, poder dispensar quaisquer formalismos especiais e/ou autorizações judiciais, conforme as leis tanto do país que receberá o pedido, quanto as do que o executará. Caso contrário, a princípio, não se poderia assegurar que atos realizados e provas produzidas fossem válidos em sede de processo judicial. Consoante já examinamos nesta dissertação, postulamos que a ausência de obediência a formalismos e requisitos, a depender do caso, poderá ter como consequência a não validade da medida cumprida e a produção da eficácia desejada. Por esse motivo, na maioria das vezes, prestam-se à atividades de inteligência. Inobstante a tendência a igualar cooperação direta, administrativa e informal, como se fossem sinônimos, veremos que essa nem sempre é a situação. Tradicionalmente, a cooperação formal e/ou jurídica contrapõe-se à cooperação dita informal, direta ou administrativa pelo fato daquela ser pautada por regras, princípios e requisitos mais rigorosos do que esta. Porém, como vimos aqui, há situações de cooperação direta, administrativa, porém formal e/ou jurídica. As fontes tradicionais da cooperação formal e/ou jurídica têm sido identificadas nos tratados, na lei interno e na promessa de reciprocidade. As duas primeiras fontes, ao constituírem legislação com disciplina mais específica, revogariam legislação interna preexistente, por força do princípio de que a lei especial derroga a geral (lex posterior derrogat priori) 422.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 307). 420 SOUZA, Solange Mendes de. Cooperação Jurídica Penal no MERCOSUL: Novas Possibilidades. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 135. 421 Como observamos no Capítulo 2, ambos os termos (formal e jurídica) apontam para características e qualidades distintas. No entanto, no caso concreto, muitas vezes apontam para uma cooperação estabelecida em moldes muito semelhantes. Por isso, muitas vezes, nos referirmos a uma cooperação “jurídica e/ou formal” 422 DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte brasileira para os conflitos entre o direito interno e o direito internacional: um exercício de ecletismo. In: Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, n. 334, abr./jun. 1996, p. 75. 129   Assim, em havendo lei doméstica que permita a assistência, defendemos que a cooperação poderia ser, sim, vista como formal e/ou jurídica, desde que seguidas as formalidades exigidas em lei. A existência ou não de tratado não seria uma conditio sine qua non para que a cooperação fosse formal e/ou jurídica, eis que esta não seria sua única fonte. A lei doméstica e a reciprocidade também o são. Acreditamos que a inexistência de tratado propriamente binding com o estrangeiro teria como efeito de reduzir a obrigatoriedade do compromisso de prestar assistência, eis que seu cumprimento poderia ser essencialmente em bases discricionárias. Lembramos mais uma vez que o compromisso de prestar cooperação firmado em tratado é compulsório423, pela questão do pacta sunt servanda e possibilidade de reclamação no plano internacional424. No caso dos acordos da RFB e dos memorandos de entendimento da CVM, firmados com respectivos órgãos homólogos no exterior, mostram que a cooperação direta e administrativa pode ser, sim, formal e/ou jurídica. Como se pode ver, os termos jurídica e administrativa, conforme defendemos nesta dissertação, não se contrapõem – as autoridades jurídicas incluem as administrativas. Assim, o termo jurídica pode ser considerado gênero, do qual o termo administrativa se inclui, ou não, como espécie, a depender das circunstâncias. A definição comum de que teria de ter um “atravessador” para ser formal e/ou jurídica (reputando a cooperação administrativa necessariamente como inválida), consoante nossa defesa, não é simplista e incompleta. Como defendemos, a “autoridade central”, aqui, poderia ser entendida como a própria autoridade requerente e a autoridade requerida, que se comunicam diretamente, cada uma, em seu respectivo país. Quanto à exigência de trâmite pelas vias diplomáticas, vias consulares ou via autoridade central designada, em tratado ou genericamente, em lei doméstica, acreditamos que sua função é conferir presunção de autenticidade e legalidade da cooperação425. Mas esse                                                                                                                 423 CAPATINA, Octavian. L’entraide Judiciaire Internationale en Matière Civile et Commerciale. In : Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 179, 1984, p. 326-327. 424 DAVID, Eric. La responsabilité de l’État pour absence de cooperación. In: ASCENSIO, Hervé; DECAUX, Emmanuel e PELLET, Alain (Org.). Droit International Pénal. Paris: A. Pedone, 2000, p. 135. 425 Nesse sentido: COZZI, Carlos Alvarez. Autoridad Central: Nueva via de cooperacíon jurídica internacional. Montevideo: Associados, 1992, p. 10 et seq; BERGMAN, Tellechea. La cooperación jurisdiccional internacional entre los Estados partes del Mercousur. In: Revista Derecho del Mercosur. Buenos Aires: La Ley SAEeI, n. 1, fev. 1998, p. 66; CAPATINA, Octavian. Op. Cit., p. 319; ARAUJO, Nadia de; SALLES, Carlos Alberto e ALMEIDA, Ricardo R. Cooperação Interjurisdicional no Mercosul. Cartas Rogatórias, homologação de sentenças estrangeiras e laudos arbitrais e informação do direito estrangeiro. In: BASSO, Maristela (Org.). Mercosul, seus efeitos jurídicos, econômicos e políticos nos Estados-Membros. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 498; e SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 307. 130   não deve ser um requisito intransponível. A autoridade administrativa estrangeira possui fé pública, o que poderia dispensar esse trâmite. Acreditamos que o papel da Autoridade Central é importantíssimo, mas não deve enclausurar as autoridades em uma obrigação perene. Seu papel principal seria constituir um órgão “distribuidor”426, permitindo que o pedido de cooperação fosse entregue à autoridade competente no Estado requerido para executá-lo, tanto em termos de competência funcional, atribuição para quando basicamente não se sabe que autoridade deve receber e para onde enviar (problemas do braço requerente e requerido). Mas isso não parece ser problema entre órgãos homólogos em suas funções em cada país, os quais acordam entre si a possibilidade de mútua assistência e isso é procedimento legalizado no Estado que a presta. Por final, as autoridades competentes de cada país deteriam fé pública e poderiam, a próprio punho, certificar a autenticidade dos documentos e a legalidade do processo de cooperação. Tal procedimento já seria realizado pelos órgãos de administração tributária que cooperam entre si, por procedimentos de certificação e sua validade, em caso recente, foi validada pelo Supremo Tribunal Federal427. A cooperação direta e administrativa, porém formal e/ou jurídica, como defendemos nesta dissertação, parece ser a “nova onda” em termos de cooperação. No entanto, mesmo nessa “nova” cooperação, advogamos que velhos imperativos devem ser observados, como a necessidade de se ter regras e de se preservar a pessoa humana.                                                                                                                 426 Nesse sentido: LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009. 427 O já entendeu válido o recebimento de documentos de autoridades estrangeiras, em decorrência de um Memorando de Entendimento, firmado entre o Ministério Público do Brasil e o Ministério Público da Rússia, para compartilhamento de prova em matéria penal. Veja BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus no 102.041. Voto do Rel. Min. Celso de Mello. Publicado no DJ em 15 de fevereiro de 2011. 131   4 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL VIA AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA Como vimos, nos capítulos anteriores, se de um lado os acordos de cooperação existentes em matéria de defesa da concorrência não proveem a cooperação no nível e com a fluidez desejada, de outro, tampouco os acordos de cooperação jurídica, em matérias penal e não-penal, muitas vezes, se aplicam com plena propriedade as medidas necessárias para os casos de defesa da concorrência. Em eventual falta de acordo e/ou mecanismo que possa ser usado, a matéria ficaria em vácuo regulatório, sem veículo de cooperação a que pudesse recorrer. Se o exercício direto da jurisdição extraterritorial potencialmente poderia gerar constrangimentos frente a Estado estrangeiro, fazer cumprir as decisões em outro território, por essa via, poderia implicar não só incertezas, como elevados custos. Diante dessa percepção, os órgãos antitruste inauguraram fase de assinatura de acordos, com vistas a desenvolver canais de coordenação específicos à promoção da concorrência. Mormente a partir da década de 90, o fomento à assistência mútua entre órgãos administrativos de defesa da concorrência tem sido buscado por intermédio dos chamados acordos bilaterais de cooperação em matéria concorrencial. Basicamente são dois os padrões de instrumentos firmados pelos órgãos: os acordos no formato de acordo de cooperação em matéria antitruste (Antitrust Cooperation Agreement, ou, como aqui denominado, “ACA”); e os na modalidade de acordo de cooperação de assistência mútua em matéria antitruste (Antitrust Mutual Assistance Agreement, ou, como aqui denominado, “AMAA”)428. Tanto os ACAs como os AMAAs são instrumentos negociados e firmados pelas próprias autoridades de concorrência nacional. Ao visar fomentar a cooperação entre os órgãos administrativos, tais acordos aplicam-se somente à matéria concorrencial. Podem ser invocados somente por autoridades encarregadas da condução de procedimentos e processos429 – ou seja, agentes públicos -, excluindo-se entes privados.                                                                                                                 428 Repetimos, aqui, a mesma sistemática adotada na nomenclatura dos tratados em matéria penal, ou melhor, dos MLAT. Utilizamos a anotação do título e da nomenclatura dos acordos em matéria concorrencial em Língua Inglesa, os quais estão consagrados na literatura e nos círculos diplomáticos internacionais. O intento, mais uma vez, é evitar imprecisões de significados e inconsistências. 429 Cabe aqui referir a clássica distinção entre processo e procedimento. Enquanto aquele dá-se necessariamente à luz do contraditório, com a necessidade de cooperação entre acusador e acusado para que se chegue a uma verdade formal; este prescinde de contraditório, uma vez que represente mera sucessão necessária de atos encadeados entre si, com o objetivo de lograr um ato final. Ver: MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 40. 132   Consignamos que tais acordos não se limitam apenas a temas relativos à persecução de condutas, mas também a análise de estruturas, os quais escapam ao escopo desta dissertação. Preveem, de forma geral, o acesso a documentos e a demais evidências no estrangeiro, o compartilhamento de informações e as mútuas coordenações e notificações entre as autoridades de defesa concorrencial como ações mútuas a serem desenvolvidas. De modo menos frequente, podem prever ainda os compromissos de negative comity e positive comity 430. Assim, neste capítulo, investigamos referidos acordos na modalidade ACA (de 1a geração) e os na modalidade AMAA (de 2a geração). Com base nas tendências mais modernas em termos de assistência direta em matéria administrativa estudadas no Capítulo 3, cotejamos as experiências de órgãos tributários e reguladores de valores mobiliários e mercados futuros com os dos órgãos antitruste. Tendo em vista a premência de assistência mútua célere, previsível e eficiente, além de direta431, buscamos propor melhorias na cooperação entre autoridades antitruste, com foco específico na atividade de persecução e julgamento de condutas anticompetitivas. 4.1 ACORDOS NA MODALIDADE ACA E AS LIMITAÇÕES DOS TRADICIONAIS INSTRUMENTOS DE COOPERAÇÃO DIRETA ENTRE ÓRGÃOS ANTITRUSTE Haja vista constrangimentos internacionais causados pelo exercício da jurisdição extraterritorial, já debatidos no Capítulo 1, os órgãos antitruste buscaram recorrer à cooperação internacional como antídoto. Assim, em 1976, os órgãos antitruste dos EUA e da Alemanha celebraram o primeiro acordo de cooperação em matéria antitruste (Antitrust Cooperation Agreement); e, desde então, diversos instrumentos nessa modalidade têm sido firmados 432. Conforme a Rede de Defesa da Concorrência Internacional (International Competition Network, doravante “ICN”), a grande maioria de tais acordos é inspirada nas                                                                                                                 430 Explicaremos, em momento futuro, cada um dos termos. 431 “O ideal seria que a cooperação fosse efetivada diretamente, sem a obrigatoriedade de tramitação dos pedidos pelas vias da autoridade [central] (que no Brasil é o Executivo) ou pela via diplomática.” (DIPP, Gilson. Prefácio. In: ARAUJO, Nadia de (Coord.). Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010. p. V.) 432 Em especial, em 1991, foi assinado o acordo EUA-CE e EUA-CANADA. Depois, estendeu-se para outros países, abrindo-se uma rede para acordos com novos países. In: ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 69. O acordo EUA-Brasil foi o segundo dessa leva, e o primeiro assinado com país em desenvolvimento. 133   recomendações da OCDE em cooperação entre órgãos de defesa da concorrência, em particular a Recomendação de 1995, que é a última e mais detalhada433. Os acordos firmados entre órgãos administrativos se incluem na cooperação em sua chamada modalidade direta434: a cooperação se dá diretamente entre os órgãos administrativos interessados. Dispensa-se, assim, o trâmite por um terceiro ator, como os agentes consulares, as representações diplomáticas e as Autoridades Centrais. Os acordos assinados variam em detalhes, porém tendem a ter estrutura e dispositivos bastante semelhantes, eis que baseados no modelo da Recomendação da OCDE de 1995435. Quanto às suas disposições, os acordos contemplam, a depender do caso, as seguintes disposições para as partes, ou seja, os órgãos antitruste de cada Estado: (i) notificação, pela qual partes se obrigam a notificar a outra sobre atividades de enforcement ligadas à concorrência iniciados em sua jurisdição e que possam afetar os interesses da outra parte, com o fito de evitar conflitos436. Observamos que, normalmente, os acordos incluem uma lista que enumera os casos (v.g., práticas anticompetitivas, fusões e aquisições, todas com conexão com o outro Estado signatário) e, a depender do caso, prazos para a notificação.                                                                                                                 433 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007. Mimeo. p. 17. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2009. 434 Adjetivamos a modalidade de cooperação retratada utilizando, como sinônimos, o vocábulo “direta” e “informal”, e deixamos de empregar o termo “administrativo”. Expliquemo-nos: enquanto há peças de doutrina, nacional e estrangeira, e textos de tratado que empregam a expressão “administrativa” para qualificar a cooperação direta e informal aqui retratada, existem doutrinadores, como Nadia de Araujo e Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva, que empregam o termo para indicar figura distinta. Mais especificamente, tais autores se referem a uma subespécie de cooperação jurídica, aquela estabelecida entre órgãos administrativos, mesmo que dotadas de formalismos. Incluem no conceito, inclusive, o auxilio direto, tendo em vista que envolve, mediatamente, a autoridade central, que é, sim, órgão administrativo. Para evitar confusões, deixamos de usar nomenclatura, apesar de acreditarmos que contraposição jurídica versus administrativa seja útil. Em seu lugar, vamos contrapor os termos jurídica versus direta, e formal versus informal. Carolina Yumi de Souza limita-se a mesma distinção. Veja SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal: considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 297-326. 435 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Op. Cit., p. 17. 436 “Recommendation I. A. 1. When a Member country undertakes under its competition laws an investigation or proceeding which may affect important interests of another Member country or countries, it should notify such Member country or countries, if possible in advance, and, in any event, at a time that would facilitate comments or consultations; such advance notification would enable the proceeding Member country, while retaining full freedom of ultimate decision, to take account of such views as the other Member country may wish to express and of such remedial action as the other Member country may find it feasible to take under its own laws, to deal with the anticompetitive practices;” (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995). 134   (ii) consultas e prevenção de conflitos, os quais normalmente constituem passo posterior à notificação, para que a parte solicite a outra consultas no sentido de resolver questões unilaterais e mútuas, de forma a prevenir conflitos437. (iii) coordenação de atividades, pelo que as partes irão considerar a conveniência de coordenarem suas atividades de provimento de eficácia à lei (law enforcement) para matérias julgadas interrelacionadas438. (iv) cooperação técnica439 e encontro de autoridades, as quais normalmente incluem troca de conhecimentos e experiências, programas de intercâmbios e de de ações de capacidades das autoridades (capacity-building), bem como reuniões e eventos periódicos entre autoridades de defesa da concorrência de ambas partes440. (v) trocas de informações (via de regra, não confidenciais)441, que podem compreender informações simples, como notificações de condições mercadológicas, alterações normativas, de rotinas e prioridades das atividades de aplicação da lei e de políticas de defesa da concorrência; até assistência recíproca e compartilhamento de informações relativas a casos concretos. (vi) negative comity, compromisso pelo qual cada parte se compromete a levar em consideração interesses importantes da outra parte quando da aplicação de suas leis. Resta implícita, nesse compromisso, a concordância da parte em deixar de aplicar sua legislação                                                                                                                 437 Leia, nesse sentido, a Recommendation I. B. 4. e a Recommendation I. B. 5 da Recomendação da OCDE de 1995. Em: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995. 438 “Recommendation I. A. 2. 2. Where two or more Member countries proceed against an anticompetitive practice in international trade, they should endeavour to co-ordinate their action insofar as appropriate and practicable;”. (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Op. Cit., 1995). 439 Para uma discussão sobre a conceituação e as modalidades de cooperação técnica internacional, ler: SOARES, Guido. A Cooperação Técnica Internacional. MARCOVITCH, Jacques (Org.). In: Cooperação Técnica Internacional - Estratégia e Gestão. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994, p. 168-173. 440 “Recommendation III. 1. To examine periodically the progress made in the implementation of the present Recommendation and to serve periodically or at the request of a Member country as a forum for exchanges of views on matters related to the Recommendation on the understanding that it will not reach conclusions on the conduct of individual enterprises or governments;”. (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Op. Cit., 1995). 441 “Recommendation I. A. 3. Through consultations or otherwise, the Member countries should co-operate in developing or applying mutually satisfactory and beneficial measures for dealing with anticompetitive practices in international trade. In this connection, they should supply each other with such relevant information on anticompetitive practices as their legitimate interests permit them to disclose; and should allow, subject to appropriate safeguards, including those relating to confidentiality, the disclosure of information to the competent authorities of Member countries by the other parties concerned, whether accomplished unilaterally or in the context of bilateral or multilateral understandings, unless such co-operation or disclosure would be contrary to significant national interests.” (ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Op. Cit., 1995). 135   antitruste quando tal ato seja compreendido como interferência indevida nos interesses soberanos legítimos do outro Estado signatário442. (vii) positive comity, compromisso pelo qual uma parte pode: (i) notificar a outra quando acredita que práticas anticompetitivas estão sendo praticadas no território desta outra parte e, assim, afetando os interesses daquela; e (ii) solicitar a outra parte que aplique sua legislação, mesmo extraterritorialmente, de modo a prevenir eventual configuração de conflito de jurisdições443. Seu objetivo, assim, sempre é que a outra parte inicie atividades de enforcement. Aqui, está presente concepção adversa da do negative comity, eis que se compreende que o prejuízo poderá advir não da execução da lei pela outra parte, e sim de sua abstenção444 445 Como mencionado no item (v) supra, os Antitrust Cooperation Agreements são caracterizados por prover apenas assistência para troca de informações não confidenciais. Em geral, tais instrumentos incluem uma cláusula para permitir que o órgão se recuse a prover informações protegido sobre o manto da confidencialidade segundo sua legislação doméstica. Tal característica faz com que os ACAs se diferenciem dos AMAAs, sendo aqueles comumentemente chamados de acordos de “primeira geração”, em contraposição a estes, conhecidos como de “segunda geração”446.                                                                                                                 442 Não por outra razão, tais compromissos consubstanciam a clássica abordagem de limitar a aplicação extraterritorial de leis de defesa da concorrência, quando a execução possa gerar conflitos. Segundo Lloyd e Vautier, será o negative comity doutrina de polidez e boas maneiras entre países, para evitar a criação de efeitos negativos na jurisdição de outros Estados. In: LLOYD, Peter John; VAUTIER, Kerrin M. Promoting competition in global markets: a multi-national approach. Massachusetts: Edward Elgar. 1999, p. 37. 443 Leia, nesse sentido, as letras “a”, “b” e, em particular, “c” da Recommendation I. B. 5 da Recomendação da OCDE de 1995. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995. 444 Os compromissos do positive comity, assim, representam um ponto de inflexão na abordagem tradicional de exercício extraterritorial da legislação: antes se demanda do que se evita que Estados apliquem sua lei. In: Idem, ibidem. p. 38, e BERTRAND, Olivier; IVALDI, Marc. European Competition Policy in International Markets. S.l.: s.n., nov. 2006. Mimeo. p. 10 et seq. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 445 Mesmo que o objetivo do positive comity seja que a parte provoque a atuação da outra parte, caso se acredite que práticas anticompetitivas estejam sendo realizadas no território desta outra parte e possam afetar importantes interesses daquelas, caberá à parte demandada considerar cuidadosamente o pedido da parte demandante, restando a seu arbítrio discricionário iniciar as solicitadas atividades de aplicação da lei ou não. Veja: as letras “b” e “c” da Recommendation I. B. 5 da Recomendação da OCDE de 1995. Em: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Op. Cit., 1995. 446 Nesse sentido: MARTINEZ, Ana Paula. Cooperação Internacional em Matéria de Defesa da Concorrência. In: Revista de Direito Internacional e Econômico. Rio de Janeiro: Síntese, a. II, n. 7, abr./jun. 2004, p. 22. Ver ainda: INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007, 2009. Mimeo. p. 18. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro; OLIVEIRA, Gerner; RODAS, João Grandino. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 385; e JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 247-248. 136   Quanto à efetividade prática da assistência informal em matéria concorrencial, segundo relato dos próprios órgãos administrativos, a cooperação tem sido usada para provimento de informações, mas ainda é muito limitada. Forte condicionante têm sido as restrições da confidencialidade447. O tema das coordenações e notificações, ademais, tende a ser de particular sensibilidade448. A regra prevista nos ajustes internacionais de que os órgãos administrativos dividirão investigações e persecuções e se coordenarão, acaba, na prática, não suplantando regras de competência da legislação doméstica. Não por outra razão, são de pouca efetividade449. Por fim, os ACAs não costumam conter disciplina sobre trocas de informações confidenciais. Para tanto, necessitar-se-ia de regras que obrigassem o compartilhamento de dados e documentos protegidos sob o manto da confidencialidade. Ou seja, seria indispensável que a incorporação dos acordos se desse de forma a que suas disposições pudessem derrogar eventuais leis internas existentes com as quais fosse contrária. No Brasil, as autoridades nacionais já firmaram ACAs com: Argentina450, Canadá451, Chile452, Comissão Europeia453, Estados Unidos da América454, Portugal455 e Rússia456. Além                                                                                                                 447 Veja INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007, 2009. Mimeo. p. 9. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro. 448 Para melhor compreensão sobre o tema, ver: JAEGER JUNIOR, Augusto. Direito Internacional da Concorrência: entre perspectivas unilaterais, multilaterais, bilaterais e regionais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 251 et seq. 449 Ver: INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Op. Cit. p. 14. 450 BRASIL. Decreto Legislativo nº 264, de 18 de setembro de 2008. Aprova o texto do Acordo de Cooperação entre a República Federativa do Brasil e República Argentina Relativo à Cooperação entre suas Autoridades de Defesa da Concorrência na Aplicação de suas Leis de Concorrência, celebrado em Buenos Aires,em 16 de outubro de 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 451 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Decide o seguinte. Entendimento de Cooperação entre o Conselho da Concorrência, Agência de Defesa da Concorrência do Governo do Canadá e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil, acerca da Aplicação de suas respectivas Normas de Defesa da Concorrência, de 13 de maio de 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 452 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Decide o seguinte. Entendimento de Cooperação entre a Fiscalía Nacional Económica do Chile e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil, acerca da Aplicação de suas respectivas Normas de Defesa da Concorrência, de outubro de 2008. Disponível em: 137   disso, assinaram instrumentos regionais no âmbito do Mercosul457. Sua assinatura se dá com base em previsão na Lei nº 8.884, de 1994, que assim prevê:                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 453 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Alcança o seguinte acordo. Memorando de Entendimento de Cooperação entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil e o Diretório-Geral para a Competição da Comissão Europeia, de 8 de outubro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 454BRASIL. Decreto nº 4.702, de 21 de maio de 2003. Promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América Relativo à Cooperação entre suas Autoridades de Defesa da Concorrência na Aplicação de suas Leis de Concorrência. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 455 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Celebra o presente Protocolo de Cooperação Técnica, medidas as cláusulas e condições seguintes sujeitando-se o CADE, a SDE e a SEAE, no que couber, aos dispositivos da Lei no 8.666, de 21 de junho 1993 e posteriores alterações. Protocolo de Cooperação Técnica entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil e a Autoridade de Concorrência de Portugal, de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 456 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Acorda o seguinte. Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Federação da Rússia sobre Cooperação na área da Política de Concorrência, de 12 de dezembro de 2001. Disponível em:. Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 457 BRASIL. Decreto nº 3.602, de 18 de setembro de 2000. Promulga o Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul, assinado em Fortaleza, em 17 de dezembro de 1996, e seu Anexo, assinado em Assunção, em 18 de junho de 1997. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Alcança o seguinte acordo. Memorando de Entendimento de Cooperação entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil e o Diretório-Geral para a Competição da Comissão Europeia, de 8 de outubro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. Frisamos que, em dezembro de 2010, o Conselho do Mercado Comum exarou a decisão MERCOSUL/CMC/DEC 43. A decisão aprovou o texto do novo "Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul”, que revoga o Protocolo de Fortaleza de 1996. A revisão da disciplina normativa da defesa da concorrência no âmbito regional foi proposta pelo Brasil, como parte de sua agenda na Presidência Pro-Tempore do Mercosul. Após a assinatura, o Acordo foi submetido à aprovação do Congresso Nacional brasileiro, para que pudesse ser ratificado. In: MERCOSUL. Conselho do Mercado Comum. Decisão MERCOSUL/CMC/DEC. nº 43/10, de 16 de dezembro de 2010. Decide aprovar o texto do novo "Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul”. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. Para reflexões sobre a revisão do Protocolo de Fortaleza, ver: LOULA, Maria Rosa de Guimarães; ARANOVICH, Tatiana de Campos. Para uma Reforma do Protocolo de Fortaleza. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 253-263. 138   Lei nº 8.884, de 1994 “Art. 7º Compete ao Plenário do Cade: (...) XVI - firmar contratos e convênios com órgãos ou entidades nacionais e submeter, previamente, ao Ministro de Estado da Justiça os que devam ser celebrados com organismos estrangeiros ou internacionais;”(grifo nosso) Já na nova Lei nº 12.529, de 2011, a firmatura desses instrumentos está assim prevista: Lei nº 12.529, de 2011 “Art. 10. Compete ao Presidente do Tribunal: (...) XI - firmar contratos e convênios com órgãos ou entidades nacionais e submeter, previamente, ao Ministro de Estado da Justiça os que devam ser celebrados com organismos estrangeiros ou internacionais; De modo geral, tais acordos têm formato razoavelmente simétrico e incluem compromissos semelhantes. Contemplam, a depender do caso, as disposições clássicas de ACAs para as partes, ou seja, os órgãos antitruste de cada Estado. O quadro da página seguinte sistematiza o conteúdo de cada um desses acordos: ! Quadro 1. Instrumentos de cooperação internacional em matéria de defesa da concorrência firmados pelo Brasil* ! 120 CONTRAPARTE ANO** Argentina Canadá Chile Estados Unidos Mercosul Art. 30 do Protocolo de Fortaleza Mercosul Entendimento para aplicação de suas leis nacionais de concorrência Mercosul Entendimento para controle de concentrações econômicas de âmbito regional Portugal Rússia Comissão Européia 2003 2008 2008 1999 1996 2004 2006 2010*** 2006**** 2009 NOTIFICAÇÕES Art. II Art.II Art.II Art. II --- Art. II Art. II Art. 2.5 ---- CONSULTAS, PREVENÇÃO DE CONFLITOS E/OU COORDENA- ÇÃO DE INVESTIGA- ÇÕES Arts. VI e VII Arts. III.2 e IV Arts. III.2 e IV Arts. V e VI COOPERAÇÃO TÉCNICA E ENCONTROS DE AUTORIDADES TROCA DE INFORMA- ÇÕES NÃO CONFIDÊN- CIAIS Arts. VIII e IX Arts. III.3 e V Arts. III.3 e V Arts. VII e VIII Arts. I.3, III e X c/c Art. XI Arts. III e VI Arts. III e VI Arts. I.3, III.1 e IX c/c Art. X --- Arts 30 A e 30 B Art. 30, alínea “a” Art. V Art. I.1, VII e VIII Arts. III e IX c/c Art. X Art. V --Art. IV Arts. I.1, VII e VIII Arts. III e IX c/c Art. X Arts.1.1 e 2 Arts. 1 e 2 Arts. II.5 e V Art. 2 c/c Art. 4 Art. 1 Art. II c/c Art. VI NEGATIVE COMITY Arts. I.1 e VII.1 Art. IV.1 Art. IV.1 Arts. I.1 e VI.1 --- Arts. I.1 e VI Arts. I.1 e VI Art. 2.4 --- Art. IV.9 POSITIVE COMITY TROCA DE INFORMA- ÇÕES CONFIDEN- CIAIS Arts. V.2 e V.3 ----Arts. IV.2, IV.3 e I.4 --- --------- --- Arts. IV.3 e IV.4 ----- Arts. IV.3 e IV.4 Art. 2.4 --- Arts. III.6 e III.7 ----- ------- * Quadro elaborado com base nos instrumentos de cooperação internacional assinados pelos órgãos do SBDC com órgãos homólogos estrangeiros. ** Ano de assinatura do instrumento. *** Último acordo firmado entre Brasil e Portugal, eis que o primeiro foi assinado em 2001. **** Último acordo firmado entre Brasil e Rússia, eis que o primeiro foi assinado em 2001. INTERNALIZAÇÃO --- ----Decreto 4.702, de 21 de maio de 2003 Decreto nº 3.602, de 18 de setembro de 2000 Portaria Conjunta CADE, SDE e SEAE nº 148, de 13 de novembro de 2009 Portaria Conjunta CADE, SDE e SEAE nº 148, de 13 de novembro de 2009 ----- --- 140 A conclusão de acordos em comento propicia uma série de vantagens aos Estados signatários, porém se depara com as limitações típicas afetas a essa modalidade de cooperação. As ações previstas em seu texto, ao representarem compromissos flexíveis, na maioria dos casos apenas visam dar continuidade e estreitar laços de colaboração já existentes. Em relação aos textos dos acordos firmados pela RFB e a CVM, a diferença resta patente. Os acordos de defesa da concorrência tendem a ter textos curtos, poucas disposições, regendo mais o que não pode fazer do que o que se pode fazer. Os ACAs têm natureza de instrumento não juridicamente vinculante (soft law), ou seja, de normas narrativas458. Independentemente de receberem ou não este rótulo, possuem conteúdo e forma que os igualam a um memorando de entendimento459, pautado pela flexibilidade. Como decorrência dessa característica, esses acordos não criam nova regra jurídica: são despidos de obrigatoriedade jurídica no sentido estrito, por conseguinte, não se sobrepõem à legislação doméstica pré-estabelecida460. Ao não guardar a mesma carga de obrigatoriedade de um tratado ou convenção internacional, internalizada no sistema jurídico de um Estado – documento legislativo, portanto, não mero ajuste informal –, os dispositivos previstos nos ACAs restam sempre dependentes da análise discricionária e, caso a caso, das autoridades dos países signatários para definir seu grau de aplicabilidade. É importante referir que alguns dos ACAs firmados pelo Brasil foram internalizados. Quanto aos instrumentos bilaterais, o acordo firmado com os EUA logrou já ser promulgado. Ademais, há esforços para a promulgação do instrumento com a República Argentina, porém, até o momento, tal ACA resta somente aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro. Já quanto aos instrumentos regionais, tanto o Protocolo de Fortaleza de 1996461 como o !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 458 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 247. 459 “The DOJ also has a series of more informal international agreements, which, though not labeled MOUs, resemble MOUs in several respects.” Nesse sentido: RAUSTIALA, Kal. The Architecture of International Cooperation: Transgovernmental Networks and the Future of International Law. In: Virginia Journal of International Law Association. Virginia: University of Virginia School of Law, v. 43, n. 1, Fall: 2002, p. 3738. 460 LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association - Section of Antitrust Law, 2005, p. 6 et seq. 461 Como referimos, o Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul (Protocolo de Fortaleza), de 1996, será revogado com a promulgação e entrada em vigor do novo Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul, assinado em dezembro de 2010. Nesse sentido, veja LOULA, Maria Rosa de Guimarães; ARANOVICH, Tatiana de Campos. Para uma Reforma do Protocolo de Fortaleza. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 262-263. 141 Entendimento sobre Cooperação entre Autoridades de Defesa da Concorrência para aplicação de suas leis nacionais de concorrência e o Entendimento sobre Cooperação entre Autoridades de Defesa da Concorrência para controle de concentrações econômicas de âmbito regional foram internalizados462. Importante, nesse ponto, é examinar qual é a eficácia de se internalizar tais instrumentos. Parece que o intento de ratificar tais acordos, protocolos e entendimentos seria dotá-los de certa obrigatoriedade. Pelo menos, parece ser essa a intenção no plano do Mercosul. Preliminarmente, cabe esclarecer que, como já asseverado, apenas os acordos com os EUA e o Protocolo de Fortaleza restam promulgados por Decreto. Já os Entendimentos do Mercosul foram internalizados por Portaria Conjunta dos órgãos do SBDC. No primeiro caso, o documento internalizado lograria status de lei interna, pois ingressou no ordenamento jurídico pátrio como Decreto com possibilidade formal de alteração de legislação doméstica de mesma hierarquia. No segundo, os instrumentos não adquiriram tal status, pois incorporados por Portaria Interministerial. A Portaria não apresenta hierarquia de lei, não podendo assim inovar na ordem jurídica463, nem formal, tampouco materialmente. Independentemente desses aspectos formais, fato é que os dispositivos não possuem linguajar assertivo. Em seu bojo, carreiam compromissos de melhor esforço, não obrigações jurídicas propriamente. Assim, tais documentos, apesar de, do ponto de vista formal, potencialmente poderem alterar a legislação interna em vigor, acabam, em efetivo, não o fazendo, haja vista seu conteúdo material464. Portanto, a questão da eficácia ou não da !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 462 Vale aclarar que o Brasil assinou ainda o Acordo sobre o Regulamento do Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul (Regulamento), em 05 de dezembro de 2002, que não fora ainda internalizado. No entanto, tal Regulamento não contém dispositivos sobre a cooperação. 463 “Apesar de tudo, o acordo executivo – se assim chamamos todo tratado internacional carente de aprovação individualizada do Congresso – é uma prática convalidável, desde que, abandonada a ideia tortuosa de que o governo possa pactuar sozinho sobre “assuntos de sua competência privativa”, busque-se encontrar na lei fundamental sua sustentação jurídica. Três categorias de acordos executivos – mencionada, de resto, por Accioly, ao lado de outras mais – parecem compatíveis com o preceito constitucional: os acordos “que consignam simplesmente a interpretação de cláusulas de um tratado já vigente”, os “que decorrem, lógica e necessariamente, de algum tratado vigente e são como que o seu complemento”, e os de modus vivendi, “quando têm em vista apenas deixar as coisas no estado em que se encontram, ou estabelecer simples bases para negociações futuras”. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 62. 464 “(...) in some cases where agencies have built up a close working relationship, there is no necessarily need to make formal reference to a bilateral co-operation agreement when requesting or offering co-operation. This reinforces the fact that many such agreements, while trey provide a legal framework for co-operation, do not make any kind of co-operation possible, which is completely impossible in the absence of such an agreement, and often contain clauses which allow one agency to decline to co-operate with another agency if there are pressing reasons to do so (for example, linked to their national law regarding confidential information).” (INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel 142 internalização com estatura de lei interna tornar-se-ia inócua, haja vista o conteúdo, hoje presente, nesses acordos de cooperação em matéria concorrencial assinados pelos órgãos do SBDC. 4.2 ACORDOS NA MODALIDADE AMAA E NOVAS FRONTEIRAS DA ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA Dadas às limitações dos acordos de “primeira geração”, a concepção dos acordos de “segunda geração”, então, nasceu. A ambição era incrementar a eficácia dos instrumentos de assistência em matéria concorrencial e conferir-lhes certo grau de obrigatoriedade, principalmente buscando mitigar a questão da proteção de sigilo de dados, identificada como forte complicador. Nesse intento, os AMAAs passaram a incluir elenco mais profundo de ações executáveis, especialmente acerca da obtenção de evidências e do compartilhamento de informações sigilosas. Embora a legislação dos EUA seja a mais famosa, não foi este país o pioneiro na edição de uma lei doméstica a prever a assistência mais profunda em matéria de defesa da concorrência. O marco legislativo pioneiro, nesse sentido, é o australiano. A Austrália editou duas leis que permitem prover assistência na existência de um acordo: o Mutual Assistance in Criminal Matters Act, de 1987, e o Mutual Assistance in Business Regulation Act, de 1992. Enquanto a primeira aplica-se somente à persecução criminal de infrações antitruste, a segunda somente se destina a processos que apuram a responsabilidade civil pelo descumprimento da lei antitruste. Para que a assistência seja provida, o Mutual Assistance in Business Regulation Act estipula uma série de requisitos, dentre os quais a não utilização da informação, no Estado requerente, para processos criminais ou processos que resultam na imposição de uma penalidade465. Quando a infração antitruste pode dar origem tanto à responsabilização civil como criminal, deve-se fazer referência a ambas as leis466. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007. Mimeo. p. 19. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009). 465 Veja o art. 6 (2) do Mutual Assistance in Business Regulation Act. In: AUSTRÁLIA. Mutual Assistance in Business Regulation Act, de 12 de maio de 1992. An Act to enable certain Commonwealth business-regulating authorities to provide assistance to certain foreign business-regulating authorities or agencies, and for related purposes. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 466 Veja o art. III.5 do AMEAA. In: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Agreement between the Government of the United States of America and the Government of Australia on mutual antitrust enforcement assistance, de 2 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 143 A lei estadunidense denominada Lei de Assistência Internacional em Matéria de Aplicação da Lei Antitruste (International Antitrust Enforcement Assistance Act, doravante “IAEAA”) foi emendada em 1994 para possibilitar a firmatura de acordos de “segunda geração”467. Ponderamos que a lei estadunidense assemelha-se muito à lei australiana, denominada Lei de Assistência Mútua em Matéria de Regulação de Negócios (Mutual Assistance in Business Regulation Act)468. Com base na legislação dos EUA, desde que assinado um AMAA, é possível prover uma cooperação profunda, desde que assegurada a reciprocidade. Igualmente, a lei estabelece regras para o intercâmbio de informações confidenciais, desde que preservada essa confidencialidade469, o que a aproxima, na prática, ao funcionamento dos acordos em matéria tributária mais avançados, estudados no subtítulo 3.1. Leis estadunidense e australianas sobre cooperação em matéria antitruste são muito similares em vários aspectos, inclusive em elementos práticos de sua aplicação. Para a execução de ambas, deve-se verificar sempre a possibilidade de cumprimento de reciprocidade em casos semelhantes, o que é atestado pelo Procurador Geral (Attorney General). Ademais, com referência a ambas, ressaltamos a possibilidade de assistência ser relativamente ampla470. Afora os esquemas de integração econômica regionais471, o primeiro e único compromisso de “segunda geração” foi assinado em 1999472, entre Austrália e os EUA473, ou !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 467 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. International Antitrust Enforcement Assistance Act, de 2 de novembro de 1994. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 468 AUSTRÁLIA. Mutual Assistance in Business Regulation Act, de 12 de maio de 1992. An Act to enable certain Commonwealth business-regulating authorities to provide assistance to certain foreign businessregulating authorities or agencies, and for related purposes. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 469 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Op. Cit. 470 Para uma análise comparativa entre as leis norte-americana e australiana sobre cooperação em matéria antruste, ver: ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 155-181. 471 Os acordos mais importantes e anteriores a esse são os assinados no âmbito da União Europeia e o entre a Austrália e a Nova Zelândia. In: ZANETTIN, Bruno. Op. Cit., p. 155. 472 A assinatura do acordo insere-se em contexto no qual a Austrália havia editado sua lei antitruste e queria incrementar seu enforcement, em especial após os acontecimentos do caso Gilette. Nesse caso, apesar da tentativa de estabelecer a cooperação entre os EUA, o Canadá e a Austrália, as autoridades dos países não lograram empreendê-la, haja vista a limitação das regras de confidencialidade. In: ZANETTIN, Bruno. Op. Cit. 473 Alguns autores classificam somente o Acordo Austrália/Estados Unidos como legítimo AMAA. Nesse sentido, por exemplo, LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association - Section of Antitrust Law, 2005, p. 74. Outros, acabam por incluir o Acordo Canadá/Estados Unidos (Agreement between the Government of Canada and the Government of the United States of America Regarding the Application of their Competition and Deceptive Marketing Practices Law) também como um AMAA. Em sentido contrário: AMERICAN BAR ASSOCIATION. Section of Antitrust Law. The competition laws of NAFTA, Canada, Mexico, and the United States. Washington: ABA, 1997, p. 5 et seq. Inobstante posições contrárias, haja vista a inexistência de uma lei interna canadense que discipline acerca da possibilidade 144 seja, o Acordo de Assistência em Matéria de Aplicação Mútua da Lei Antitruste (Antitrust Mutual Enforcement Assistance Agreement, doravante “AMEAA”)474. Tal acordo entre a Austrália e os EUA prevê, dentre outras, a produção de prova testemunhal e documental e a busca e apreensão475. Principalmente, prevê a ampla troca de informações (não-confidenciais e confidenciais) 476. Por óbvio, algumas limitações são previstas a essa troca. Um exemplo é a possibilidade de negativa de assistência na hipótese do fornecimento de informação não ser permitido pela lei ou ser considerado contrário ao “interesse público” 477. Há países cujo direito doméstico permitiria, em medida maior ou menor, a cooperação em matéria de defesa da concorrência somente com base em sua legislação interna. A Alemanha, o Canadá, o Reino Unido e a Romênia, por exemplo, são alguns casos citados, em específico para certa troca de informações confidenciais478. A cooperação provida com base nessas leis domésticas, tão-somente, não se confunde com a aqui debatida, ou seja, a provida em face de um AMAA. A lei doméstica em comento caracteriza-se mais como uma lei que possibilita479 aos órgãos antitruste firmarem acordos com órgãos estrangeiros homólogo e, para sua execução, exigem o compromisso recíproco do órgão estrangeiro requerente. O AMEAA (AMAA entre a Austrália e os EUA), por exemplo, exige que a assistência seja recíproca, o que será certificado pelos órgãos competentes. A mesma regra dá-se no acordo entre Nova Zelândia e Austrália. Dada à necessidade de marco jurídico específico para acomodar o mecanismo, os AMAAs existentes são raros. Poucos são os países que contam com a legislação interna requerida. Geralmente, os autores apontam como principal característica do AMAA exatamente o fato de prover a troca de informações confidenciais. No entanto, acreditamos que essa não seja a única, tampouco a diferença mais relevante. Consoante observamos, no Brasil, pelo menos, a assistência em matéria de concorrencial prestada por meio dos instrumentos hoje existentes de cooperação direta, em especial os acordos ditos de “primeira geração”, poderiam ser considerados insuficientes. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! de assistência entre órgãos antitruste de forma abrangente, consideramos aqui apenas o Acordo EUA/Austrália como verdadeiro AMAA. 474 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Agreement between the Government of the United States of America and the Government of Australia on mutual antitrust enforcement assistance, de 2 de março de 2007. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 475 Ver o art. 2(E) do AMEAA. In: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Op. Cit. 476 Ler o art. 2 e art. 6 do AMEAA. In: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Op. Cit. 477 Ver o art. 4 do AMEAA. In: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Op. Cit. 478 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: IOSCO, maio 2007. Mimeo. p. 13. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 479 ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 158. 145 Grande parte da deficiência poderia ser creditada a não obrigatoriedade internacional desses instrumentos, combinada com a ausência de uma efetiva determinação em cumprir seus compromissos. Em verdade, inserem-se dentro de limitações naturais que arranjo desta natureza, caracterizada pela informalidade e discricionariedade no cumprimento, poderia prover. Conforme já analisado no subtítulo anterior, os acordos de “primeira geração” são documentos de caráter extremamente flexível. Cumulado com a flexibilidade, o restrito escopo previsto de medidas a serem executadas acabaram por conferir a tais instrumentos aplicabilidade substancialmente inferior à desejada. Na resolução de casos práticos, os ACAs tinham sua eficácia estritamente ligada a análises discricionárias e esbarravam em barreiras como a proteção de dados confidenciais. Como referido no subtítulo anterior, os dispositivos inseridos nos ACAs não guardam a mesma carga de obrigatoriedade de um tratado ou convenção internacional internalizada no sistema jurídico de um Estado – documento legislativo, portanto, não mero ajuste informal –, restando sempre dependentes da análise discricionária e, caso a caso, das autoridades dos países signatários para definir seu grau de aplicabilidade. Ademais, os ACAs têm natureza jurídica de mero instrumento não juridicamente vinculante (soft law, ou seja, de normas narrativas480). Independentemente de receberem ou não este rótulo, possuem conteúdo e forma que os igualam a um memorando de entendimento481, pautado pela flexibilidade. Como decorrência dessa característica, esses acordos não criam nova regra jurídica: são despidos de obrigatoriedade jurídica no sentido estrito, por conseguinte, não se sobrepõem à legislação doméstica pré-estabelecida482. Se de um lado os ACAs não proveem a assistência com a profundidade, previsibilidade e eficácia desejada, de outro, a assistência prestada por meio da carta rogatória e dos MLATs e dos acordos proveem MLA, têm sua limitação, eis que não são instrumentos especificamente desenhados para os propósitos de aplicação da lei antitruste. Para reverter-se esse quadro, percebeu-se a necessidade de se editar um arcabouço apropriado a permitir, aos órgãos antitruste, assinarem acordos com o fim de prover um grau de cooperação elevado !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 480 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 247. 481 “The DOJ also has a series of more informal international agreements, which, though not labeled MOUs, resemble MOUs in several respects.” (RAUSTIALA, Kal. The Architecture of International Cooperation: Transgovernmental Networks and the Future of International Law. In: Virginia Journal of International Law Association. Virginia: University of Virginia School of Law, v. 43, n. 1, Fall: 2002, p. 37-38. 482 LACIAK, Christine A. International antitrust cooperation handbook. Chicago: American Bar Association - Section of Antitrust Law, 2005, p. 6 et seq. 146 com as de defesa da concorrência estrangeiras. Dada essa percepção da necessidade de lei interna, é que foi o mecanismo desenhado 483. Não obstante a ambição de conferir certa obrigatoriedade à cooperação por meio dos AMAAs, há de se anotar que tais acordos não deixam de constituir, como os ACAs, em rigor, meros instrumentos de soft law. Com base somente nesse elemento, os instrumentos de “segunda geração”, assim como de “primeira geração”, não criariam nova regra jurídica no ordenamento dos respectivos Estados. Diferentemente dos MLATs, são acordos executivos484. No entanto, a efetiva aplicação dos compromissos firmados em ACAs e AMAAs seria distinta, como veremos adiante. Com base em outros exemplos de sucesso em termos de cooperação administrativa, aqui, repete-se a mesma fórmula de editar uma lei interna. Normas como a estadunidense e a australiana tornam possível essa cooperação em graus mais profundos. Ademais, a edição da lei interna tem a função de assegurar a reciprocidade: haja vista que os acordos executivos não geram responsabilidade jurídica, e sim consequências políticas, os órgãos só firmam compromissos nos moldes AMAAs, quando possuem a reciprocidade assegurada por legislação doméstica que permita a concretização de seu alcance. Assim, acreditamos a principal inovação do AMAA reside na obrigação de que o país edite lei interna que faculta a assinatura de acordos com outros países, para prover a cooperação e disciplinar as regras de confidencialidade. Nesse particular, o modelo não destoa do já pensado para galvanizar a cooperação em matéria tributária e de entre órgãos de regulação de valores mobiliários e mercados futuros. No entanto, haja vista o instrumento firmado ser executivo, o modelo dos AMAAs aproxima-se muito do da edição de MOUs pelos órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários e seus homólogos no mundo. Dado o desejo de avançar na certeza, na fluidez e na rapidez da cooperação em matéria antitruste, seria desejável que a ideia vingasse também na defesa da concorrência, bem como fosse aperfeiçoada, na medida do possível. Para maior eficácia das ações de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 483 “The MLAT, an instrument that was not specifically designed for antitrust enforcement purposes, has its limits. For this reason an agreement concluded pursuant to the IAEAA would certainly be more appropriate, and after the letters rogatory, and the MLAT, is the necessary next step on the road to increased cooperation and information sharing”. (ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 155). 484 “Unlike MLAs, AMAAs are executive agreements. They are subordinate to federal legislation, and have the same legal force as the 1991 EC-US Agreement. However, thanks to the amendments of federal legislation introduced by IAEAA, the AMAAs permit a much higher level of cooperation than traditional bilateral agreements. An AMAA is supposed to fulfil a certain number of strict criteria, and provide certain guarantees. An essential requirement is that it must guarantee reciprocity: the assistance that can be provided by the foreign competition authority must be comparable in scope to the assistance that the US authorities can render. An equally fundamental prerequisite is that the foreign laws and procedure can adequately maintain the confidentialy of antitrust evidence.” In: ZANETTIN, Bruno. Op. Cit., p. 158. 147 combate a condutas anticompetitivas, seria recomendável assim no País a adoção de mecanismos mais céleres, previsíveis e eficazes. Vale lembrar que quem ganha com menos cooperação não é o país, sim o infrator485. Sendo a assistência provida em face do AMAA uma cooperação cuja base legal é a lei doméstica do país, a hipótese se aproxima a da cooperação promovida pelos órgãos reguladores de valores mobiliários e mercados futuros. Assim, tal cooperação seria formal e/ou jurídica, apesar de direta. A definição comum de que a cooperação deveria necessariamente contar com um “atravessador” para que fosse cooperação formal e/ou jurídica (reputando a cooperação administrativa necessariamente como inválida), conforme já defendemos neste trabalho, não seria de todo correta. Como advogamos, as autoridades centrais podem ser os próprios órgãos requerente e requerida, o que pode ter previsão tanto em lei interna como em tratado. Caso extrapolássemos essa lógica para a cooperação em matéria antitruste, podemos sustentar que o próprio órgão de defesa da concorrência poderia seria a autoridade central para a cooperação direta. Consoante defendemos, o fato de a lei interna prever a possibilidade de ser executada a assistência entre órgãos doméstico e estrangeiro, em conjunto com a observância dos requisitos da lex diligentiae faz da diligência cumprida em face da cooperação uma medida válida. A existência de tratado, segundo postulamos, não é conditio sine qua non para que a cooperação seja formal e jurídica486. Acreditamos que, nesse particular, o paralelo com a carta rogatória é útil. Como se sabe, o mecanismo da rogatória tem como base legal, no Brasil, precipuamente a sua previsão em lei doméstica, e não os tratados. Ainda assim, é o mecanismo de cooperação jurídica internacional para o cumprimento de diligências mais tradicional e cercado de formalismos do sistema jurídico brasileiro. A principal diferença entre a cooperação com base em tratados e a cooperação com base meramente em lei doméstica, como já referimos, reside no fato de, naquele primeiro caso, os compromissos de prestar assistência são juridicamente vinculativos e obrigatórios (binding), não o sendo neste. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 485 MORO, Sérgio Fernando. Cooperação jurídica internacional em casos criminais: considerações gerais. In: BALTHAZAR JR., José Paulo; LIMA, Luciano Flores de (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 17 486 “Apesar da exclusividade que algumas vezes é atribuída à cooperação baseada em tratado, a opinião do autor é que a cooperação baseada em tratado não tem papel exclusivo na colheita de prova internacional, mas que, fora algumas exceções, medidas de colheita de prova internacional (…) devem ser tomadas pelas autoridades estrangeiras da requisição de outro país. O Direito Internacional não impede formas livres de cooperação sem base em tratado, mas é mais crítico em relação a medidas unilaterais e com efeitos extraterritoriais. (… ) Não há qualquer razão para não ser prestada assistência judicial mesmo na ausência de tratado (…), desde que haja base legal na lei local do Estado requerido para atender as medidas requisitadas.” In: STESSENS. Apud MORO, Sérgio Fernando. Op. Cit., p. 51. 148 Cumpre observar que há previsão de celebração de acordos e convênios com organismos estrangeiros ou internacionais no art. 7º, inc. XVI, da Lei nº 8.884, de 1994487, e no art. 10, inc. XI, da nova Lei no 12.529, de 2011488. Mas, diferentemente das previsões contidas no Código Tributário Nacional489, na Lei no 6.385, de 1976490, e nas Leis Complementares nos. 104491 e 105492, ambas de 2001, na legislação antitruste não se explicita qual a finalidade de tais acordos e convenções, tampouco qual é o efeito da medida que pode ser buscada. Não obstante essa falta de definições na legislação antitruste, acreditamos que tal lei interna permitiria a firmatura de instrumentos para prover uma maior assistência. 4.3 POSSÍVEIS RAZÕES PARA O ATRASO NO DESENVOLVIMENTO DOS AMAAs EM RELAÇÃO A OUTROS ACORDOS DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA É patente, pois, o atraso no desenvolvimento de AMAAs, no mundo, caso comparado com a evolução de acordos em matéria tributária e em matéria de regulação no mercado de valores e futuros. Ao comparar o que é possível, hoje, pelos acordos e MOUs assinados nas duas matérias, em que se dá uma quase “livre circulação” de informações, com os assinados em matéria de defesa da concorrência, a diferença seria abissal. O uso de uma lei interna que permitisse um grau de cooperação mais profundo e fluido seria uma ideia de extremo valor às autoridades antitruste, e o modelo pensado para esses dois setores objeto de estudo de caso e para o da defesa da concorrência, nesse !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 487 BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 488 BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 489 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 490 BRASIL. Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 491 BRASIL. Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 492 BRASIL. Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 149 particular, foi o mesmo. Seria plausível, então, perquirir por que o mesmo modelo não vingou para essa área do direito no plano global. Algumas possíveis razões para a cooperação em matéria de defesa concorrência ter progredido menos que outras áreas do Direito Administrativo podem ser das mais variadas. Elencaremos aqui algumas hipóteses. Ao falar dos obstáculos para a troca de informações confidenciais no campo da defesa da concorrência, Bruno Zanettin elenca quatro fatores principais493. Primeiro, expõe a questão do “balanço de poder”, ou seja, o fato de que potencialmente alguns países seriam mais demandados do que outros para prestar assistência, o que resultaria especialmente no receio dos países pequenos em receber muito trabalho. Segundo, aponta os diferentes tipos de provimento de eficácia à lei (law enforcement) de cada país, em particular as diferenças entre as responsabilizações civil, administrativa e criminal em cada país, e suas diferentes penalidades. Terceiro, trata do temor de que importantes sigilos, em especial, os segredos comerciais e planos de negócios, pudessem ser revelados aos competidores, o que poderia atrapalhar negócios, com grandes prejuízos. Quarto, indica os direitos individuais e sigilos profissionais, como o do advogado, os quais são diferentes em cada país. Acreditamos, no entanto, que o primeiro argumento não seja realmente relevante, eis que, mutatis mutandis, é uma questão sempre latente igualmente na cooperação em matéria penal, mas que não tem sido um impeditivo. Haja vista a consciência da relevância da cooperação, de sua lógica ganha-ganha (win-win) e, em especial, das pressões de instituições como o GAFI e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (United Nations Office on Drugs and Crime, doravante “UNODC”), os países prestam cooperação independente de serem mais demandados do que demandantes. Quanto aos demais fatores, que podem ser resumidos especialmente em assimetrias legislativas de cada país, e medo de que informações pudessem fluir, gerando diferentes responsabilizações, penalidades e quebras de garantias em outras jurisdições, acreditamos que são fatores relevantes, e que devem ser levados em conta em qualquer marco regulatório que vise aprofundar a cooperação entre os países. Inclusive, o tema de uso de informações para responsabilizações em esferas civis e criminais494, como o !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 493 ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 145. 494 A ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Best Practices for the Formal exchange of Information between Competition Authorities in Hard Core Cartel Investigations. Paris: OCDE, 2005, p. 5, recomenda que o Estado requerente deve envidar os melhores esforços para evitar o uso de informações obtidas do Estado requerido para uso em ações civil, bem como, que o Estado requerente deve garantir o sigilo profissional contra autoincriminação devem ser respeitados quando a informação trocada com o Estado requerido seja usada em processos criminais contra indivíduos. 150 de manutenção da confidencialidade de informações comercialmente sensíveis495 e o de proteção legal de sigilos profissionais496 são objeto de preocupação nos documentos de soft law da OCDE produzidos pelo Divisão de Competição. À luz de visão institucionalista, ainda poderíamos acrescentar outros fatores. Vejamos adiante. Voltando ao já explorado anteriormente, os AMAAs visam ser acordos executivos, o que os aproxima do modelo de celebração de memorandos de entendimento que galvanizam a cooperação entre órgãos reguladores em mercados de valores e futuros. Os instrumentos não juridicamente vinculantes (soft law) não podem ser generalizados: dependerão, sim, sempre de uma análise do quadro institucional onde estão inseridos e interesses envolvidos. A análise das características dos instrumentos não pode ser generalizada. Suas características dependerão do arcabouço institucional onde estão inseridos. Por isso, Machado (2004) faz estudo de casos e diz que sua pesquisa depende de uma análise de caso de situação concreta (depende das circunstâncias e dos setores específicos em que aparecem, e seu valor varia de acordo com os atores que o formularam e os atores que a aplicam, bem como as perspectivas adotadas por esses diferentes atores497). Assim, acrescentaríamos aos fatores elencados por Zanettin, primeiramente, a óbvia questão de a matéria ser recente, pouco tempo de evolução. Ademais, igualmente, dentre os aspectos informais, uma falta de interesse, em certos casos, de Estados e comunidades empresariais em realmente zelar pela maior concorrência em certos mercados. Como se sabe, o embate dirigismo econômico vs. concorrência de mercado é sempre latente no desenvolvimento das políticas antitruste, incluindo no Brasil498. No limite, o reduzido !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 495 O trato de informações comercialmente sensíveis e a manutenção de sua confidencialidade estão tanto na Revised Recommendation de 1995 como no Best Practises de 2005, ambos da Divisão de Cooperação da OCDE. In: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995; e ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Best Practices for the Formal exchange of Information between Competition Authorities in Hard Core Cartel Investigations. Paris: OCDE, 2005, p. 25. 496 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Op. Cit., 2005, p. 5. A Organização recomenda que, quanto a este tema, seja aplicada a lei do Estado requerido. 497 MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais por meio do Crime e da Pena. São Paulo: 34, 2004, p. 52. 498 A respeito: SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001, p. 128-133. No entanto, acreditamos que hoje esse seja um embate de menor relevância para o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, haja vista a maturidade institucional atingida pelos seus órgãos. Tal maturidade se reflete em setores importantes da economia, como o de mineração. A respeito: ARAÚJO, Gilvandro Vasconcelos Coelho de; ESTEVES, Cristina Campos; ARANOVICH, Tatiana de Campos. Poder Econômico e defesa da concorrência: reflexões sobre a realidade brasileira. Defesa da Concorrência e Setor de Mineração no Brasil. In: Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 233-234. 151 interesse em zelar pela concorrência em certos setores poderá se refletir, igualmente, em reduzido interesse em incrementar os laços de cooperação internacional. Ainda sobre os aspectos informais, destacamos o fato de o combate às práticas antitruste não estar ligado propriamente a uma luta global de forte simbolismo e elevado apelo como se dá com os campos do Direito Tributário e da regulação de valores mobiliários e mercados futuros. Normalmente, os dois campos estão ligados a questões sensíveis, como financiamento ao terrorismo, lavagem de dinheiro, fraudes e crises sistêmicas. E, após as crises mundiais de 2001 e 2008, a sensibilidade dessas questões é apenas galvanizada, uma vez que as crises mundiais abriram as “janelas da oportunidade”499 regulatórias500. O antitruste, afora os cartéis, não tem um inimigo visível. As perdas em bem estar geral e do consumidor não são facilmente visíveis aos olhos dos cidadãos comuns501. São os ferramentais da Economia que permite a percepção dos prejuízos pulverizados no cotidiano dos agentes econômicos e consumidores. Por esse motivo, a falta de discurso de luta global diminui o peso institucional de organismos internacionais, seus princípios e recomendações. O fórum da OCDE em concorrência, por exemplo, não conta nem mesmo com tratado modelo ou um rol de princípios. As regras de pertença ao “clube” também parecem ser menos contundentes. As revisões dos pares (peer reviews), procedimento típico de acompanhamento de cumprimento de compromissos assumidos (follow up procedures) da OCDE na matéria, concentram-se nos avanços das legislações e instituições domésticas. Não há preocupação relevante com a vertente internacional. As fragilidades institucionais acabam por se refletir igualmente em elementos de ordem formal, como a inexistência de acordo multilateral na matéria, tampouco de acordo modelo em matéria de cooperação internacional. Há só recomendações502 e guia de melhores !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 499 ARANOVICH, Tatiana de Campos. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro – ENCCLA: O Estado organizado contra o crime organizado. In: Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental: Res Pvplica. Brasília: ANESP, a. 6, n. 2, jul./dez. 2007, p. 142. 500 Segundo Steward, o desafio posto para o direito administrativo pela governança regulatória parece significativamente maior no contexto internacional do que no doméstico. In: STEWART, Richard B. Administrative Law in the Twenty-First Century. In: NYU Law Review. Nova York: NYU Law School, v. 78, 2003, p. 455-459. 501 Para leitura compreensiva sobre as relações entre a política de defesa da concorrência e a proteção do consumidor como duas políticas que proporcionam benefícios mútuos e devem ser executadas de modo harmônico, sejam por imperativos constitucionais e infraconstitucionais, sejam por fatores teóricos, veja PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Defesa da concorrência e bem-estar do consumidor. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Direito (USP). Tese de Doutorado, 2010. 502 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Recommendation concerning Co-operation between Member Countries on Anticompetitive Practices Affecting International Trade. Paris, OCDE, 1995. Ver também: ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Revised Recommendation of the Council Concerning Effective Action Against Hard Core Cartels Affecting International Trade. Paris: OCDE, 1995. 152 práticas503 no âmbito da OCDE504, porém sua eficácia para o incremento da assistência administrativa tem se demonstrado menor do que o desejado. Apontamos como outro possível motivo para o relativo atraso na consolidação de uma estratégia global de cooperação uma sutil lógica competitiva que reina entre certos órgãos antitruste no mundo, em especial, no tocante à persecução de cartéis internacionais e na celebração de acordos de leniência e outros acordos conexos, como leniência plus, as negociações de confissão (plea pargains), os termos de compromisso de cessação de prática, os ajustes diretos (direct settlements) e os ajustes de redução de pena (reduced in fines)505. Parece haver uma certa “corrida”, em alguns casos, para determinar-se qual órgão antitruste celebrará tais acordos primeiramente. Tal “corrida”, ao nosso entender, pode borrar um pouco a lógica cooperativa que deveria idealmente reinar na cooperação internacional. Voltaremos a isso no próximo subtítulo. 4.4 PROPOSTAS PARA ACORDOS DE ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA Como já referido também anteriormente, o tema da defesa da concorrência situa-se hoje em “limbo” em termos de cooperação internacional, a exemplo de outros temas de direito administrativo. De uma lado, acordos em matéria da concorrência (mais propriamente os ACAs), muitas vezes deixam a desejar em termos de profundidade e eficácia, e, de outro, instrumentos de cooperação jurídica como a carta rogatória civil e o auxílio direto em matéria penal não se aplicam com plena propriedade ao tema. Em eventual falta de acordo que possa ser usado com plena eficácia e previsibilidade, o campo poderia ficar, em casos extremos, sem cooperação. Acreditamos oportuno e conveniente a edição de acordos e, na matéria, que provejam marco previsível e impulsionem seu avanço. Haja vista não só a multiplicidade de questões envolvidas (como as de Direito Civil, Comercial e Societário, Administrativo e Penal), como também a possibilidade de haverem processos tanto administrativos como judiciais, seria !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 503 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Divisão de Competição. Best Practices for the Formal exchange of Information between Competition Authorities in Hard Core Cartel Investigations. Paris: OCDE, 2005. 504 Lembramos que a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD) editou uma lei modelo de defesa da concorrência (Model Law on Competition). Porém, a UNCTAD é órgão integrante da ONU, não da OCDE. Disponível em: . Acesso em: 3 de março de 2011. 505 Para algumas reflexões sobre tais acordos, ler: ARANOVICH, Tatiana de Campos. Cartéis e Incentivos para o TCC. In: Economic Analysis of Law Review. Brasília: Universidade Católica de Brasília, v. 2, n. 1, 2011, p. 95-114. 153 relevante disciplinar a convivência das múltiplas variáveis. Ademais, diante do caráter multifacetado da responsabilização que um mesmo fato pode ensejar na defesa da concorrência – ou seja, administrativa, penal e civil – seria desejável e oportuno acordo que contemplasse essa complexidade, prevendo vários níveis de cooperação, para cada uma das situações, além de regras claras. Nesse sentido, alguns modelos, como o da legislação interna da Austrália, poderiam ser de alguma valia. O modelo australiano permite o uso do MLATs, por exemplo, mesmo com a edição de acordo específico em matéria de defesa da concorrência. O ideal parece não criar sobreposições, e sim evitá-las ao máximo. Os diferentes tipos de provimento de eficácia à lei (law enforcement), entre os sistemas jurídicos e distintas penalidades, demandam um bom manejo. Assimetrias legislativas de cada Estado e medo de que informações pudessem fluir, gerando diferentes responsabilizações, penalidades e quebras de garantias em outras jurisdições são temas que necessitam ser regulamentados. Uma boa saída, nesse sentido, é sempre manter uma constante vigilância do efetivo cumprimento do princípio da especialidade. Isso poderia afastar, por exemplo, a hipótese de informações obtidas no bojo de um processo administrativo no Brasil, por exemplo, pudesse ser usado para dar base a processo civil para a cobrança de indenização pelo triplo do prejuízo (treble damages) nos EUA. A preservação dos sigilos nesse cenário, em especial, os segredos comerciais e de estratégias de negócios, também deveriam ser evitados. Ainda que a análise de atos de concentração não esteja no foco desta dissertação, cabe consignar que seria desejável que os acordos sobre assistência administrativa, como os AMAAs, contemplassem disciplina para temas afetos a análises de estrutura de mercado, tal como notificações e obtenção de documentos para realizar tais análises. . Além da disciplina acerca de análise de atos de concentração, seria desejável que eventual acordo contivesse cumprimento de medidas caras aos órgãos administrativos de defesa da concorrência, como regras sobre a citação, a intimação e a notificação seriam adequadas. Nesse intento, disciplinas inclusive sobre o uso das vias postal e editilícia parecem importantes. O modelo do art. 10.a. da Convenção de Haia de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial, por exemplo, permite a possibilidade da via postal e parece um bom modelo. Ademais, prever a convivência com outros meios de citação, intimação e notificação, como por auxílio direto, carta rogatória, parece oportuno. 154 Ademais, dispositivos sobre a obtenção de informações, incluindo públicas e confidenciais, sejam elas previamente de posse da autoridade competente e compartilhadas, sejam elas produzidas a pedido da autoridade estrangeira seriam de grande valia. Cabe discorrer, neste ponto, sobre este tema tão caro ao êxito de investigações de cartéis: o programa de leniência e demais programas conexos (como leniência plus, plea bargain, consent decree, direct settlement, reduced in fines, etc). Dentre as possibilidades de se obter informações e documentos, talvez aqueles oriundos desses programas fossem um dos pontos mais controversos. Conforme já referimos, a princípio, parece natural às autoridades antitruste negar o acesso a outros órgãos homólogos no mundo a elementos obtidos por acordos de leniência e outros acordos (settlements) firmados com as representadas, como confissões de culpa e outras confissões sobre os fatos. À primeira vista, pareceria reinar assim uma lógica “competitiva”, a contrastar com lógica cooperativa da assistência mútua internacional, em especial, em matéria criminal lato sensu. Porém, tal negativa se explica por alguns fatores, em especial, a que se refere a uma possível exclusão de incentivos para que agentes firmem os acordos com autoridades antitruste. A pessoa, buscando a imunidade total, por exemplo, pela assinatura de acordo de leniência em uma jurisdição, poderia estar produzindo prova contra si mesma que a incriminaria, inclusive penalmente, em outra jurisdição. Além de poder levar ao insucesso do programa de leniência ou outro programa conexo, tal prática poderia macular, de forma indevida, a pessoa humana, de modo a ferir o princípio do nemo tenetur se detegere. Idealmente, a pessoa que confessou culpa e/ou fatos deveria consentir com o compartilhamento de informações, por meio dos chamados waivers (isto é, renúncias de confidencialidade)506. Nesse sentido, importante ressaltar a relação existente entre o Direito Antitruste e a proteção dos direitos humanos. A União Europeia atenta-se para esse tema, de forma que, naquele sistema, as decisões da Comissão Europeia passarão a estar sujeitas à revisão da Convenção Europeia de Direitos Humanos (European Convention on Human Rights, doravante “ECtHR”), quando a União Europeia acender ao ECtHR507. A relação entre ambos os temas parece relacionar-se não só a excessos, que podem ocorrer nas investigações e na violação de informações sigilosas e sigilos profissionais, como também ao fato de que, muitas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 506 INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK. Co-operation between competition agencies in Cartel Investigations: Report to the ICN Annual Conference. Moscou: ICN, maio 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 507 Art. 6 do Tratado de Lisboa. O tema também é abordado por ANDERSON, David; CUFF, Rachel. Cartels in the EU: Procedural Fairness for defendants and claimants. In: HAWK, Barry E. (Ed.). International Antitrust Law & Policy: Fordham Competition Law Institute. New York: Juris Publishing, 2011, p. 198. 155 vezes, as sanções, ainda que administrativas, podem ser tão pesadas a ponto de se aproximarem a uma quasi sanção penal508. Nesse ponto, seria útil que o acordo disciplinasse essa situação, a fim de preservar a eficácia do programa e os direitos da pessoa humana. Assim, recomenda-se incluir cláusula que estipulasse, em específico, sobre hipóteses em que a assistência pudesse ser negada, no caso de tal compartilhamento de informações. Apontamos, assim, a necessidade para que os acordos tivessem máxima transparência. Por essa razão, seria recomendável que se conferisse elevada publicidade a todos os instrumentos e mecanismos de cooperação existentes, inclusive via sua publicação em organismos internacionais e sítios eletrônicos dos respectivos órgãos nacionais. Ademais, como já expomos ao longo desta dissertação, o respeito às normas de confidencialidade é de capital importância. Nesse intento, tanto a estrita observância ao princípio especialidade, como a aplicação da lex diligentiae (incluindo as garantias fundamentais e individuais no Estado requerido), representam balizas de elevado valor. Além das ressalvas da leniência, seria desejável que o acordo previsse a possibilidade de leniência simultânea em mais de uma jurisdição, como hoje se dá entre Japão e EUA. Pode ser profícuo para se evitar que as informações prestadas, em programa de leniência, sejam efetivamente disponibilizadas a todas as autoridades antitruste interessadas e que possuam legalidade; nesse sentido, seria interessante criar incentivos para que candidatos a programa de leniência em um Estado candidatassem-se à leniência, igualmente, em outros Estados nos quais também pudessem ser punidos pela prática de cartel. O ACA firmado entre Japão e Estados Unidos, em seu art. III, numeral 4, dispõe exatamente a respeito. Assim, evita-se que, por exemplo, empresas japonesas, antes seguras em sua crença de que, ao candidatarem-se ao programa de leniência, evitariam que o DOJ obtivesse informações prestadas ao órgão antitruste japonês (Japan Fair Trade Commission, doravante “JFTC”), eis que protegidas pelo manto da confidencialidade. Com o novo mecanismo, passou-se a incentivar o candidato no Japão a candidatar-se também nos EUA. E que o fizesse antes que !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 508 “As the level of fines imposed by the European Commission (“Commission”) for cartel behaviour continues do increase, so does the concern regarding the fairness and stability of the procedures used by the Commission to achieve such penalties. The EU system was developed as an administrative one, without criminal or individual sanctions, but the system has shifted over time. The fines imposed by the Commission have risen to levels that are substantively akin to criminal penalties, and the introduction of criminal sanctions at EU Member State level, and in other major jurisdictions, including the U.S. and Canada, has had a signification impact on the position of companies investigated in the EU. There has been a creeping criminalization of antitrust infringement in the EU, but its system is designed with administrative sanctions in mind and as a result lacks the rigorous procedural safeguards necessary to ensure due process in such a regime.” (ANDERSON, David; CUFF, Rachel. Cartels in the EU: Procedural Fairness for defendants and claimants. In: HAWK, Barry E. (Ed.). International Antitrust Law & Policy: Fordham Competition Law Institute. New York: Juris Publishing, 2011, p. 197). 156 outro membro do cartel batesse na porta do DOJ e usufruísse de todos os benefícios do primeiro candidato ao Programa de Leniência a ser aceito. É desejável incentivar essas espécies do que denominamos de “leniências cruzada”. Outro exemplo, famoso na literatura internacional, sobre a celebração de acordo de leniência conjunta foi a Empresa Microsoft, que fez acordo conjunto com a jurisdição dos EUA e no espaço europeu. O temor da empresa residiria no fato de que, caso celebrasse primeiramente acordo com EUA, os elementos depois poderiam ser obtidos pela Comissão Europeia, que, de sua posse, imporia graves restrições à empresa. Por fim, a literatura cita ainda o caso da Empresa Gilette, que seguiu a estratégia de ir de país em país firmando acordos, porém foi menos bem sucedida509. O conserto com outras jurisdições e o estímulo, mesmo pela criação de eventual criação de benefícios expandidos, poderia ser extremamente profícuo para aumento de resultados de médio e longo prazo. Cabe mencionar que a lógica, certas vezes, competitiva que reina entre órgãos antitruste, no mundo, na “corrida” pela celebração de acordos envolvendo cartel, pode borrar a lógica cooperativa que deveria idealmente reinar na cooperação internacional. Ademais, esta pode gerar uma espécie de busca da leniência na jurisdição mais favorável, ou, como denominamos aqui, “leniency shopping”, em alusão ao conceito de “forum shopping”, o qual usamos como paralelo. Nesse “leniency shopping”, as partes procurariam assinar acordo de leniência na jurisdição onde lhe fosse mais benéfica, dada a assimetria de incentivos e penalidades em cada uma das jurisdições. Parece que os resultados dessa corrida, no agregado, ainda não foram suficientemente mensurados, em especial, suas possíveis consequências indesejáveis para o bem-estar geral, e outros resultados de médio e longo prazo. Se esta “concorrência” entre órgãos é benéfica ou não para o mercado, globalmente, é uma boa indicação para estudos futuros. Outra medida a estimular a lógica cooperativa entre os órgãos antitruste de diferentes jurisdições seria o desenvolvimento de investigações conjuntas e busca e apreensões, sejam as regulares, sejam as simultâneas. Quanto às investigações conjuntas, cumpre ressalvar que tal medida hoje, de modo geral, não é prevista nos MLATs. Uma razão possível seria o fato de tal iniciativa ser normalmente empreendida pela via da cooperação informal – não sendo excluída sua possibilidade de desenvolvimento pela cooperação formal e/ou jurídica. Inobstante isso, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 509 ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 108. 157 acreditamos que os caminhos para tal assistência poderiam ser semeados nos acordos, com o acerto de regras e procedimentos. Especialmente, a designação de órgãos responsáveis para receberem a solicitação e a executarem tende a ser elemento de sensível dificuldade no momento de proposição de investigação conjunta. A ação investigativa conjunta seria uma das ações mais indicadas para a otimização dos trabalhos dos órgãos antitruste, podendo se estabelecer tanto por cooperação informal, quanto formal e/ou jurídica. Um exemplo citado pela literatura de iniciativa bem sucedida nesse sentido é o caso da Microsoft. Estabelecida entre os EUA e a Comissão Europeia, a investigação conjunta tinha como objeto a questão de licenças510. A disciplina da possibilidade de obtenção de indícios e evidência, inclusive com o emprego de meios coercitivos como a busca e apreensão seriam propícias. Além de disciplina sobre a produção dessa medida, seria relevante a provisão de ações conjuntas e simultâneas. As autoridades de cada país envolvido podem combinar sua realização inclusive simultânea, em diversas jurisdições, para incrementar a eficácia da medida. Em certos casos, tal acerto já pode ser dado, informalmente511, entre autoridades, porém, com acordos que o prevejam, a aposta é de que a medida, mais uma vez, poderia ser melhor regulamentada e, portanto, estimulada sua produção entre as partes. Para concluir, apontamos para a conveniência e a oportunidade de abertura de negociações, no âmbito de foro ou organismo internacional, de texto convencional sobre cooperação em defesa da concorrência. Acreditamos que tal documento ampliaria, sobremaneira, a gama de possibilidades a serem exploradas, de forma a permitir o desenho de estratégia global de combate às infrações a concorrência. Oportunizar-se-ia a previsão de disciplina compreensiva frente às práticas anticoncorrencias, com fortes efeitos deletérios sobre o desenvolvimento econômico e bem-estar social dos consumidores. Para o desenvolvimento de texto, uma solução seria a edição de acordos multilaterais como os existentes hoje em matéria tributária e entre órgãos de regulação de valores !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 510 ZANETTIN, Bruno. Cooperation between antitrust agencies at the international level. Oregon: Hart Publishing, 2002, p. 82. 511 Um caso de sucesso de busca e apreensões conjuntas deu-se recentemente, no começo de 2009, entre Brasil, Estados Unidos e Comissão Europeia, no caso do cartel dos compressores herméticos. A respeito, escreve Barbara Rosenberg e outros: “One concrete outcome of the SDE’s efforts to coordinate actions with foreign investigators took place in early 2009. In February the SDE initiated a cartel investigation on the market for refrigeration compressors through a search conducted simultaneously with the U.S. and European authorities, including searches in the premises of allegedly involved companies as well as in the houses of individuals related to these companies. (…) the SDE claimed that this was the first effective cooperation among competition authorities that resulted in Brazil pursuing searches simultaneously with other agencies.” In: ROSENBERG, Barbara; et al. Brazilian Antitrust Enforcement: General Overview and recent trends. HAWK, Barry E. (Ed.). International Antitrust Law & Policy: Fordham Competition Law Institute. New York: Juris Publishing, 2011, p. 48. 158 mobiliários e mercados futuros, no âmbito da OCDE e da IOSCO. Isso não excluiria, por óbvio, a conveniência de se incluir recomendação para que Estados membros editem lei interna, disciplinando acerca da cooperação e da possibilidade de assinatura de acordos e convênios. Ademais, tais acordos multilaterais poderiam conter aperfeiçoamento, de forma a incluir a previsão de medidas tão caras à defesa da concorrência, como antes explanadas. De qualquer forma, para que todo esse arcabouço multilateral de fato vingasse, seria de extrema valia o desenvolvimento de fatores institucionais a fortalecer a coercitividade mesmo de seus instrumentos de soft law, além da edição de uma legislação interna a permitir a cooperação em termos formais, a exemplo do que se dá com a cooperação entre as autoridades integrantes da IOSCO. Outra solução seria, no âmbito da UNODC, a abertura de acordo especificamente para infrações à ordem econômica, como se dá com outras convenções UNODC. Nesse intento, os Estados parte poderiam se comprometer a tipificar determinadas condutas imputadas mais gravosas, de forma a unificar conceitos e harmonizar regras de direito material e processual, em especial, em face de cartéis internacionais. Ademais, estipulariam marco legal para a cooperação internacional em assuntos concorrenciais, não só para o auxílio direto, como para a extradição e as espécies de cooperação direta. Igualmente, avançariam no desenho de ações planejadas e estruturadas de assistência técnica, incluindo intercâmbios e esforços de capacitação. Por fim, seriam criadas instituições próprias para zelar pela fiel execução da Convenção e garantir o contínuo aperfeiçoamento do tema, em particular, a estruturação de uma Secretaria, bem como o desenvolvimento de reuniões, conferências e mecanismos de avaliação periódica do cumprimento das obrigações assumidas. Seja qual for a opção, enfatizamos que um acordo multilateral talvez fosse oportunidade para regular as variadas possibilidades de responsabilização e sua convivência, em cada país. Como vimos, um dos temas de maior relevo para a matéria de defesa da concorrência parece lidar com várias intersecções do tema: afeta áreas de Direito Civil, Administrativo e Penal. Entre os diferentes países, e mesmo dentro de cada país, as possibilidades são múltiplas. Ademais, um convênio multilateral parece que poderia estimular, ainda mais, medidas conjuntas desejáveis, como a celebração de acordos de leniência, investigações e busca e apreensão. Por todos os motivos, parece-nos importante desenhar acordos entre órgãos de defesa da concorrência, sejam bilaterais, regionais ou multilaterais, porém, que sejam próprios. Entendemos que há condições necessárias e demanda suficiente para a confecção de instrumento próprio, cessando-se a tendência das autoridades antitruste de ter de recorrer a 159 outros acordos e mecanismos que não contemplam suas especificidades, como a carta rogatória não penal e o auxílio direto em matéria penal. E os órgãos tributários e de regulação de valores mobiliários e mercados futuros, como analisamos nesta dissertação, já se atentaram para esse imperativo e demonstraram atingir grandes desenvolvimentos em termos de cooperação internacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS 160 Diante da necessidade de inserir um “ponto final” nesta dissertação, permitamo-nos afastar um pouco do foco específico desta investigação para realizar pequena e necessária digressão sobre os novos mecanismos de cooperação jurídica internacional dentro dos paradigmas da pós-modernidade. Os fluxos (de comércio, financeiro, de comunicação e de pessoas) fluídos e velozes; a fragilização das metanarrativas que até então davam respaldo à compreensão da modernidade, incluindo os conceitos rígidos de fronteiras, soberania e os deles adjacentes512; e fortes pluralismos associados às densas fragmentações marcam o contexto atual. A velocidade frenética das mudanças assola também o Direito, moldado pela globalização513 e por novos paradigmas e desafios514. Temas internacionais tornam-se, cada vez mais, cotidianos515, sendo a cooperação não mais um ideal, mas uma necessidade da efetivação da justiça516 e, no extremo, condição para a própria permanência da existência do Estado como organização suprema de manutenção da ordem517 e da paz518. Nesse cenário, a missão dos operadores do Direito não constitui tarefa trivial. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 512 LYOTARD, Jean-François. Trad. de Ricardo Corrêa Barbosa. A Condição Pós-Moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p. 3-34. 513 “A globalização veio para ficar e está moldando o direito enquanto falamos.” (MOROSINI, Fabio. Globalização e Novas Tendências em Filosofia do Direito Internacional: a Dicotomia entre Público e Privado da Cláusula de Estabilização. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Orgs). O Novo Direito Internacional: Estudos em Homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 549). 514 Para leitura esclarecedora sobre tais novos desafios dos tempos pós-modernos, veja MARQUES, Claudia Lima. A Crise Científica do Direito na Pós-Modernidade e seus Reflexos na Pesquisa. In:Revista Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, v. 189, 1998, p. 52-53. 515 A prática da aplicação do Direito Internacional, a qual sempre pareceu realidade tão distante e inconstante para acadêmicos e cidadãos comuns, tem esse quadro progressivamente alterado na contemporaneidade. Com as situações jurídicas cada vez mais transnacionais e os mecanismos de cooperação jurídica internacional em suas feições pós-modernas, a aplicação desse Direito torna-se realidade próxima e quotidiana. Neste sentido, refere Nadia de Araujo: “(...) é preciso desenhar o quadro atual das relações internacionais na comunidade internacional, que faz com que as situações jurídicas sejam cada vez mais transnacionais. Isso exige dos órgãos responsáveis pela prestação jurisdicional uma comunicação diuturna e ampla troca de informações. É diário o ato de cumprir e requisitar providências diversas com outros países.” (ARAUJO, Nadia de. Cooperação judiciária internacional e mercosul: razões de sua existência e análise das cartas rogatórias de caráter executório. In: Revista Ibero-Americana de Direito Público. Rio de Janeiro: América Jurídica, v. XVIII, 2005, p. 292). 516 MCCLEAN, David. International Co-operation in Civil and Criminal Matters. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2002, p. 13. 517 “Todos os Estados em prestígio de sua autoridade e em benefício de seus súditos devem contribuir à obra comum da realização do direito.” STRENGER, Irineu. Direito Processual Internacional. São Paulo: LTr, 2003. p. 15. 518 Ao citar Francisco Rezek, Claudia Lima Marques postula que a cooperação é o pressuposto básico da paz. Leia MARQUES, Claudia Lima. Prefácio. In: DEL’OLMO, Florisbal de Souza. A Extradição no Alvorecer do Século XXI. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 161 Tornou-se comum dizer que o Direito hoje lida com novos paradigmas e desafios519. A base dessa constatação é a mesma que permeia a compreensão do modelo da sociedade pósindustrial, marcada pela incredulidade em face das metanarrativas da modernidade, a qual afeta as regras do jogo e as fábulas da ciência520. Em especial, destacamos a escalada dos ilícitos violentos ou complexos, o pluralismo de agentes e a transnacionalidade dos elementos e efeitos dos ilícitos como fatores que induzem a novos pensamentos no combate às infrações de um modo geral. Ademais, a sociedade global depara-se hoje com comportamentos ilícitos de novas espécies. Os diversos tráficos, incluindo os de drogas, armas, órgãos humanos e pessoas; os crimes cibernéticos; o terrorismo; a lavagem de dinheiro; os crimes contra a ordem econômica e as regras de comércio internacional; os cartéis clássicos (hard core cartels) internacionais e, em especial, a delituosidade transnacional organizada, que muitas vezes atuam como verdadeiros conglomerados multinacionais521, são alguns exemplos das infrações de elevado potencial deletério sobre o tecido social e alta complexidade na sua prevenção e repressão. Nesse contexto, a fim de efetivar a justiça, os órgãos e autoridades públicas encontram-se em desafio de constituírem-se como pontes – e não barreiras - à cooperação internacional, evitando a inércia522. Ensina o mestre Erik Jayme que uma das principais características da pósmodernidade é a pluralidade523. No Direito, essa característica, com “(a) multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (zersplienterung), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 519 Para leitura esclarecedora sobre tais novos desafios dos tempos pós-modernos, ver: MARQUES, Claudia Lima. A Crise Científica do Direito na Pós-Modernidade e seus Reflexos na Pesquisa. In: Revista Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, v. 189, 1998, p. 52-53. 520 LYOTARD, Jean-François. Op. Cit., p. 3-34. 521 A profissionalização e a transnacionalização das estruturas organizadas criminais são bem ilustradas por GLENNY, Misha. McMáfia: crime sem fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 522 “Juízes e tribunais podem ser pontes ou barreiras para Cooperação Internacional. Uma reflexão honesta poderá revelar cenário no qual os juízes e os tribunais, talvez pela natureza de sua profissão, tenham permanecido em plano secundário nos diálogos e convívios que pautam a preocupação das nações com as consequências do viver o mundo em vizinhança. Enquanto diplomatas e funcionários dos poderes executivos discutiram as questões cíveis do mundo globalizado, além do crime transnacional, e negociaram tratados; talvez os juízes tenham permanecido em seus gabinetes e colegiados sem sentir a necessidade de construir pontes – ou mesmo sem poder de construí-las. Chamados a aplicar os tratados, a prestar e a receber Cooperação Internacional, o fizeram ou o fazem, possivelmente, com a mesma cultura territorial que marcou suas formações.” (DIPP, Gilson. Prefácio. In: ARAUJO, Nadia de (Coord.). Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. II). 523 JAYME, Erik. Direito internacional privado e cultura pós-moderna. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.). Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul PPGDir/UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 1, mar. 2003, p. 60 et seq. 162 vezes difusos” 524. Tal fenômeno se manifesta também na cooperação, regido por uma miríade de legislações em códigos e leis distintas e, ademais, por um emaranhado de acordos bilaterais, regionais e convenções multilaterais. Em meio à pluralidade de normas sobre cooperação jurídica internacional e ausência de código compreensivo sobre o conteúdo, desejável é seguir o caminho proposto por Jayme, do método do “diálogo das fontes” 525. A liberalização econômica e a flexibilização de fronteiras propiciam facilidades de circulação que também são aproveitadas pelos agentes que pretendem se furtar do cumprimento da lei. A mesma ubiquidade, velocidade e liberdade526, características da mercancia e das finanças na globalização, caracterizam hoje a atuação das infrações. Tal situação impõe grave crise às noções modernas da soberania irrestrita e das regras de jurisdição territorial rígidas. Dada à transnacionalidade do ilícito contemporâneo, a coordenação de regras de competência entre os Estados e a colaboração entre suas autoridades tornam-se prementes527. Isoladamente, o diagnóstico é de que tais entidades restariam impotentes528. A livre circulação de bens, serviços, capitais e pessoas, assim, deveria idealmente ser acompanhada de uma livre circulação de justiça e informações, com a cooperação internacional entre Estados auxiliando na circulação entre fronteiras jurídicas. Por esse !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 524 MARQUES, Claudia Lima. A Crise Científica do Direito na Pós-Modernidade e seus Reflexos na Pesquisa. In: Revista Arquivos do Ministério da Justiça. Brasília: Ministério da Justiça, v. 189, 1998, p. 55. 525 O método do “diálogo das fontes” é utilizado por Erik Jayme e Cláudia Lima Marques. O mesmo valoriza a comunicação e a integração de plurais fontes de Direito para a solução de questões plurilocalizadas, em perspectiva pós-moderna do Direito Internacional Privado. Segundo Jayme, a “pluralidade de matérias e de textos de lei faz surgir para o seu aplicador a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico eficiente e justo”. In: JAYME, Erik. Direito internacional privado e cultura pós-moderna. In: MARQUES, Claudia Lima (Org.). Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGDir/UFRGS. Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 1, mar. 2003, p. 60. Acerca do método do “diálogo das fontes”, leia também MARQUES, Claudia Lima. Superação das antinomias pelo diálogo das fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. In: Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe. Sergipe: ESMESE, v. 7, 2004. Mimeo. Disponível em: . Acesso em: 10 de dezembro de 2009. 526 Conforme já referido, Tomaso Marinetti previa que as três características marcariam nosso tempo, sendo o autor citado por JAYME, Erik. O Direito Internacional Privado do novo milênio: a proteção da pessoa humana face à globalização. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Orgs.). O Novo Direito Internacional: Estudos em Homenagem a Erik Jayme. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5. 527 “A Cooperação Internacional, tanto no âmbito cível como quanto no penal, tornou-se necessidade crucial. A investigação, a persecução, o processamento e o julgamento dos grupos criminosos organizados, por exemplo, são complexos e difíceis. Facilitar o intercâmbio de informações entre autoridades de execução da lei e desenvolver efetiva Cooperação Internacional é essencial para o sucesso desse desiderato.” (DIPP, Gilson. Prefácio. In: ARAUJO, Nadia de (Coord.). Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. I). 528 CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 46. 163 motivo, regras como as de jurisdição territorial estritas e conceitos como o do exercício da jurisdição extraterritorial foram revisitados no Capítulo 1 desta dissertação. A Magna Carta brasileira, em seu art. 4º, já menciona expressamente a necessidade de cooperação com os povos529. A cooperação, que certa ora foi vista como cortesia, compromisso moral ou um compromisso “frouxo” 530, sabe-se hoje que, em certa medida, seria antes um dever de contraprestação da soberania. A obrigatoriedade da cooperação constituiria uma característica do Direito Internacional Privado pós-moderno. Esta seria tão ou mais rigorosa na medida em que tal cooperação não seja mais sugerida, mas sim institucionalizada531. Nesse cenário, a cooperação se desenvolve em novos moldes. Exige-se hoje celeridade, fluidez e eficácia. A cooperação não pode mais ser vista como uma exceção. Sim, uma regra da vida moderna, do mundo globalizado e, portanto, uma obrigação jurídica no plano internacional532. Relatamos, no Capítulo 2, a evolução do auxílio direto, instrumento que foi visto como símbolo, particularmente no Direito Penal, dessa “nova onda" da cooperação internacional. E, conforme relatado no Capítulo 3, fenômeno semelhante hoje emerge no âmbito da assistência mútua no campo do Direito Administrativo. Os acordos de cooperação entre órgãos administrativos homólogos que lidam com matéria correspondente em diversas partes do mundo dá o tom desse novo fenômeno. Nesse desiderato, destacamos o elevado grau de profundidade e institucionalização atingido na cooperação direta pelos órgãos tributários entre si (sendo a Receita Federal do Brasil o órgão correspondente no País) e pelos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! "#$!BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012.! 530 Afirmam Nadia de Araújo e Lauro Gama Júnior: “mais que um compromisso moral (a velha comitas gentium), a cooperação internacional tornou-se obrigação jurídica (art. 4º da Constituição) e imperativo de convivência civilizada entre os povos.” In: ARAUJO, Nadia de; GAMA JR, Lauro. Sentenças estrangeiras. Mimeo. p. 3. Disponível em: Acesso em: 2 de fevereiro de 2011. 531 “(...) le droit international privé postmoderne est caractérisé par le recours à une collaboration des juges des différents pays. Une telle collaboration n’est pas seulement suggérée, mais institutionnalisée. Ce son les autorités centrales qui deviennent de plus en plus importantes.” In: JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, p. 258). 532 Fazendo referência à Resolução da Assembleia Geral da ONU nº 2.526, de 1970, que incita a necessidade de cooperação entre os Estados, escreve Nadia de Araujo: “O respeito à obrigação de promover a cooperação jurídica internacional é imposto pela própria comunidade internacional. Qualquer resistência ou desconfiança com relação ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princípio da boa-fé, que rege as relações internacionais de países soberanos tanto nos casos cíveis quanto nos penais. Afinal, o mundo está cada vez menor e mais próximo.” In: ARAUJO, Nadia de. A importância da Cooperação Jurídica Internacional para a Atuação do Estado Brasileiro no Plano Interno e Internacional. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos. Cooperação em Matéria Penal. Brasília: Publicação Oficial, 2008, p. 40. 164 órgãos reguladores de valores mobiliários e mercados futuros entre si (sendo a Comissão de Valores Mobiliários o órgão correspondente no Brasil). A mesma urgência por celeridade, fluidez e demanda por eficácia que outrora pressionou a cooperação penal, em especial, via edição de Mutual Legal Assistance Treaties, hoje alardeia a cooperação em matéria administrativa. Os entendimentos firmados por ditos órgãos administrativos sofreram rápida evolução na primeira década deste séc. XXI. Tal evolução reflete que a mesma onda que alterou a dinâmica da cooperação jurídica, haja vista o fenômeno da globalização que esganiçou os limites rígidos de metanarrativas até então vigentes, acabou por inundar também a cooperação entre órgãos administrativos. Dada a transnacionalidade dos fatos alvo de investigação e persecução, a resolução e/ou a efetividade de procedimentos que tramitam perante tais órgãos poderão restar dependentes do cumprimento de diligências no exterior. Tal dependência demonstra-se mais agudizada em campos com elevada potencialidade de conexão com o estrangeiro, como é o caso da área de mercado de capitais, evasão fiscal, lavagem de dinheiro e concorrência pelo mercado. A cooperação em matéria administrativa parece ter sido assolada por problemática adicional. Ao não ser o marco da assistência nesse campo ainda não bem definido, nenhum dos instrumentos existentes de cooperação, de fato, traz solução satisfatória às demandas que se apresentam ou possam se apresentar às autoridades públicas da área. A assistência em matéria administrativa, conforme se demonstrou nesta dissertação, situa-se em “limbo cooperativo” de difícil contorno. De um lado, não se encaixa na clássica definição de carta rogatória em matéria civil. De outro, tampouco se enquadra perfeitamente nas hipóteses de auxilio direto em matéria penal. A existência desse “limbo” é que pode ter dado a impressão, em certos momentos, de que esta dissertação poderia ser confusa, misturando, simultaneamente, temas de Direito Penal, Direito Civil e Direito Administrativo e seus diversos campos. Importante ressaltar que tais confusões não são apenas acadêmicas e teóricas. Refletem-se também no plano prático e concreto. Na falta de um mecanismo próprio, para fazer cumprir diligências no estrangeiro, as autoridades administrativas têm de recorrer a outros mecanismos que não servem perfeitamente aos seus desideratos. E nessa situação de precariedade, nunca é demasiado lembrar, quem mais perde é a sociedade e o cidadão, que não podem ter seus direitos afirmados. Como analisamos no Capítulo 4, seria desejável que os órgãos do Sistema Brasileiro da Concorrência, a exemplo dos órgãos da Receita Federal do Brasil e da Comissão de 165 Valores Mobiliário, buscassem um mecanismos próprio de cooperação. Dessa forma, o desenvolvimento de mecanismos de assistência administrativa com outros órgãos homólogos estrangeiros seria caminho de elevado potencial. Como mencionamos nesta dissertação, um dos fatores que parece prejudicar o avanço da cooperação em defesa da concorrência é o fato do antitruste não ter um inimigo visível. Diferentemente do terrorismo, da lavagem de dinheiro e das fraudes tributárias e em mercados de capitais, está desprovido de discurso de forte comoção, a impulsionar fatores institucionais de coerção no plano internacional. A ausência de fortes comoção, como acreditamos, há de ser superada, pelo desenho de bons arranjos legais e institucionais e o comprometimento dos órgãos envolvidos na defesa da concorrência mundialmente. Igualando-se ou até indo mais além que os órgãos de aplicação do Direito Tributário e de Regulação de Valores Mobiliários e de Mercados de Futuros, acreditamos que seria desejável que os órgãos de defesa da concorrência avançassem na celebração de acordo multilateral específico para o tema de cooperação. Advogamos que o instrumento multilateral teria a potencialidade de lidar, inter alia, com a convivência de variadas competências para investigar e julgar as diversas responsabilização (penal, civil e administrativa) imbricadas em diferentes culturas jurídicas (Common Law e Civil Law) de cada sistema jurídico nacional. Lidar com diferentes autoridades competentes, responsáveis por lidar com diferentes esferas de responsabilização jurídicas, é um imbróglio de resolução não trivial. Ademais, um acordo multilateral, conforme entendemos, teria a potencialidade de lidar com temas delicados, como a troca de informações obtidas por meio de acordos de leniência, concessão de waivers e assinatura de “leniências cruzadas”, bem como a deflagração de investigações conjuntas e operações de busca e apreensão simultâneas. Portanto, em um mundo sem fronteiras econômicas, aduaneiras e tecnológicas, idealmente também se deveria construir um mundo sem fronteiras para a efetivação da justiça, consolidando-se uma “verdadeira soberania”533 em prol da cooperação internacional para finalidades comuns dos Estados. Para isso, é claro, devem-se respeitar as normas de jurisdição de cada país, mas não só isso, também os direitos humanos. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 533 “A verdadeira soberania deveria consistir numa cooperação internacional dos Estados em prol de finalidades comuns. Um novo conceito de soberania, afastada sua noção tradicional, aponta para a existência de um Estado não isolado, mas incluso numa comunidade e num sistema internacional como um todo. A participação dos Estados na comunidade internacional, seguindo-se essa nova trilha, em matéria de proteção internacional dos direitos humanos, esta sim seria sobretudo um ato de soberania por excelência.” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Soberania e a proteção internacional dos direitos humanos: dois fundamentos irreconciliáveis. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 39 n. 156 out./dez. 2002, p. 173). 166 Voltemos, neste ponto, mais uma vez aos ensinamentos do mestre Erik Jayme. O elemento guia, dado o estado da arte e a necessidade de novas e harmoniosas soluções para casos complexos, reside no renascimento (revival) da importância dos direitos humanos e fundamentais. A proteção à pessoa humana é o Leitmotive, ou seja, o fio condutor do Direito na pós-modernidade534. Como defendemos, os direitos humanos e fundamentais também hão de ser respeitados na cooperação internacional535, independentemente das medidas produzidas. Mesmo nessa “nova onda” da cooperação, velhos imperativos devem ser observados, em especial aqueles que visem proteger o indivíduo. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 534 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacional privé postmoderne. In: Recueil des Cours. Haia/ Boston/ Londres: Martinus Nijhoff Publishers, t. 251, 1995, p. 37. 535 Segundo Stessen, é necessário sempre respeitar direitos humanos das pessoas envolvidas, pois a cooperação não deve ser em detrimento da proteção da pessoa humana. Veja STESSENS. Apud MORO, Sérgio Fernando. Cooperação jurídica internacional em casos criminais: considerações gerais. In: BALTHAZAR JR., José Paulo; LIMA, Luciano Flores de (Orgs.). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 54-55. 167 REFERÊNCIAS 1 – OBRAS CITADAS ALMEIDA, Edson de Oliveira Parecer, no bojo do Agravo Regimental, contra decisão proferida nos autos da CR nº 3124. Apud LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito (PUCRJ). Tese de Doutorado, 2009. ALMEIDA, José Gabriel Assis de. Aplicação extra-territorial do direito da concorrência brasileiro. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, 2002, p. 67-88. ALVIM, José Eduardo Carreira. Tratado geral da arbitragem interno. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. AMERICAN BAR ASSOCIATION. Section of Antitrust Law. The competition laws of NAFTA, Canada, Mexico, and the United States. Washington: ABA, 1997. ANDERSON, David; CUFF, Rachel. Cartels in the EU: Procedural Fairness for defendants and claimants. 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Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Acorda o seguinte. Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Federação da Rússia sobre Cooperação na área da Política de Concorrência, de 12 de dezembro de 2001. Disponível 188 em:. Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Alcança o seguinte acordo. Memorando de Entendimento de Cooperação entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil e o Diretório-Geral para a Competição da Comissão Europeia, de 8 de outubro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Celebra o presente Protocolo de Cooperação Técnica, medidas as cláusulas e condições seguintes sujeitando-se o CADE, a SDE e a SEAE, no que couber, aos dispositivos da Lei no 8.666, de 21 de junho 1993 e posteriores alterações. Protocolo de Cooperação Técnica entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil e a Autoridade de Concorrência de Portugal, de 2005. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Decide celebrar o Presente Protocolo de Cooperação Técnica. 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Secretaria de Direito Econômico. 189 Decide o seguinte. Entendimento de Cooperação entre o Conselho da Concorrência, Agência de Defesa da Concorrência do Governo do Canadá e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda do Governo da República Federativa do Brasil, acerca da Aplicação de suas respectivas Normas de Defesa da Concorrência, de 13 de maio de 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Incorpora ao ordenamento jurídico nacional o “Entendimento sobre Cooperação entre Autoridades de Defesa da Concorrência do MERCOSUL para aplicação de suas leis nacionais de concorrência” e o “Entendimento sobre Cooperação entre Autoridades de Defesa da Concorrência do MERCOSUL para controle de concentrações econômicas de âmbito regional”, aprovados, respectivamente, em 7 de julho de 2004 e em 20 de julho de 2006, pelo Conselho do Mercado Comum do Mercosul. Portaria Conjunta Cade, SDE e Seae nº 148, de 13 de novembro de 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo no 08012.0021217/2002-14. Voto do Rel. Cons. Luiz Carlos Delorme Prado. Publicado no DJ em 14 de julho de 2005. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo n° 08012.002299/2000-18. Voto do Cons. Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer. Publicado no DJ em 19 de abril de 2002. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo Administrativo no 08012.004599/1999-18. Voto do Rel. Cons. Ricardo Villas Bôas Cueva. Publicado no DJ em 12 de abril de 2007. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Súmula no 1 do Cade, de outubro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 18 de janeiro de 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. 190 BRASIL. Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico e uso de substâncias psicotrópicas. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Decreto nº 166, de 03 de junho de 1991. Promulga o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha. Disponível em: . Acesso em: 17 de janeiro de 2012. BRASIL. Decreto nº 862, de 9 de julho de 1993. 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