Pandemia do COVID-19 e vulnerabilização : perspectivas dos usuários de um CAPS AD III com comportamento suicida

Abstract

INTRODUÇÃO: As consequências provenientes do distanciamento/isolamento social a partir da pandemia do COVID-19, quando desencadeadas em pessoas em condições de vulnerabilização, podem acarretar a exacerbação e/ou desenvolvimento de uma série de sintomas e distúrbios psicológicos. O suicídio é um fenômeno social e não apenas individual, permeado por uma série de variáveis socioculturais. Esse conceito corrobora a abordagem sobre os três eixos interdependentes presentes na análise das dimensões da vulnerabilidade (individual, social e programática), e também na conceituação da associação entre o corpo humano e o processo saúde-doença, os quais fazem parte e estão inscritos no contexto cultural do indivíduo. OBJETIVO: Analisar as repercussões psicossociais e as situações de vulnerabilização no contexto da pandemia do COVID-19 na perspectiva dos usuários de um CAPS AD III, com comportamento suicida. METODOLOGIA: Estudo qualitativo, de caráter exploratório descritivo, a partir de conceitos que fundamentam a perspectiva acerca das dimensões da vulnerabilidade. Coleta de dados realizada com oito usuários de um CAPS AD III do Município de Porto Alegre-RS, com histórico de comportamento suicida prévio ao período de pandemia do novo coronavírus, de junho a dezembro de 2022 por meio de entrevistas discursivas. Durante as entrevistas foi utilizado um roteiro como guia norteador das temáticas. Foi utilizada a Hermenêutica-Dialética como metodologia de análise, seguindo os passos de ordenação dos dados, classificação dos dados empíricos e análise final. Foram respeitados e garantidos as disposições e os preceitos ético-legais presentes na Resolução n. 466/2012 e na Resolução n. 510/2016. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Estudo aprovado pelo CEP da UFRGS (CAAE 55819422.9.0000.5347) e CEP do Hospital Mãe de Deus/AESC via Plataforma Brasil (CAAE 55819422.9). RESULTADOS/DISCUSSÃO: Foram discutidas as repercussões psicossociais de vulnerabilização ao comportamento suicida, considerando-se os atravessamentos da pandemia e do uso de drogas nas vivências dos participantes. Durante o processo de análise, essas vivências traduziram-se em aspectos individuais, sociais e programáticos em relação às dimensões da vulnerabilidade. Na dimensão individual, partiu-se do princípio do indivíduo com potencial de transformação, construção e relação com o seu meio; tendo os seguintes eixos circunscritos: identidade social; relações familiares; e o sentido da vida. Entende-se que o conteúdo, a qualidade e a forma de acesso às informações impactam as maneiras de assimilação dessas informações pelas pessoas, as quais se refletem nas suas relações com o meio social e impactam diretamente na capacidade de transformação e realização de seus cuidados em saúde. Nesta dimensão foram elaborados os eixos trabalho, seguridade social e moradia. Para a análise da dimensão programática considerou-se a tridimensionalidade conceitual e a relação de interconexão entre todas as dimensões. A literatura descreve quatro componentes para uma avaliação crítica acerca da vulnerabilidade programática no processo saúde-doença-cuidado: disponibilidade, acessibilidade, qualidade e aceitabilidade dos serviços. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Ao longo das entrevistas e do processo de análise identificou-se que as questões norteadoras elaboradas inicialmente não seriam capazes de abranger a complexidade do material coletado. Por meio do referencial teórico metodológico embasado nas dimensões da vulnerabilidade, identificou-se, durante a elaboração das categorias de análise, uma complexidade que extrapola o enfoque voltado apenas ao comportamento suicida, uso de drogas e pandemia. A elaboração da análise através dos eixos temáticos conforme as dimensões individual, social e programática da vulnerabilidade, permitiu dar luz à multiplicidade do comportamento suicida, desviando-se o foco da sintomatologia e direcionando-o aos múltiplos fatores de vulnerabilização, e a partir destes às suas repercussões psicossociais. Assim, o comportamento suicida não se mostrou enquanto posição centralizada na vida dos participantes, e sim enquanto um dos meios para dar vazão a tantas outras questões geradoras de sofrimentos e vulnerabilidades. Essa não centralidade representa a complexidade de fatores de vulnerabilidade, os quais geram múltiplas repercussões psicossociais.

INTRODUCTION: The consequences of social distancing/isolation resulting from the COVID-19 pandemic, when triggered in vulnerable people, can lead to the exacerbation and/or development of a series of symptoms and psychological disorders. Suicide is a social phenomenon and not just an individual one, permeated by a series of sociocultural variables. This concept corroborates the approach to the three interdependent axes present in the analysis of the dimensions of vulnerability (individual, social and programmatic), and also in the conceptualization of the association between the human body and the health-disease process, which are part of and inscribed in the cultural context of the individual. OBJECTIVE: To analyze the psychosocial repercussions and situations of vulnerability in the context of the COVID-19 pandemic from the perspective of a CAPS AD III users, with suicidal behavior. METHODOLOGY: Qualitative study, of an exploratory and descriptive nature, based on concepts that support the perspective on the dimensions of vulnerability. Data collection carried out with eight users of a CAPS AD III in the Municipality of Porto Alegre-RS, with a history of suicidal behavior prior to the new coronavirus pandemic period, from June to December 2022 through discursive interviews. During the interviews, a script was used as a guide to guide the themes. Hermeneutics-Dialectics was used as an analysis methodology, following the steps of ordering the data, classifying the empirical data and final analysis. The ethical-legal provisions and precepts present in Resolution no. 466/2012 and Resolution no. 510/2016. All participants signed the Free and Informed Consent Form. Study approved by the CEP of UFRGS (CAAE 55819422.9.0000.5347) and by the CEP of Hospital Mãe de Deus/AESC via Plataforma Brasil (CAAE 55819422.9.3001.5328). RESULTS/DISCUSSION:The psychosocial repercussions of vulnerability to suicidal behavior were discussed, considering the impacts of the pandemic and drug use on the participants' experiences. During the analysis process, these experiences were translated into individual, social and programmatic aspects in relation to the dimensions of vulnerability. In the individual dimension, we started from the principle of the individual with the potential for transformation, construction and relationship with their environment; having the following circumscribed axes: social identity; family relationships; and the meaning of life. It is understood that the content, quality and form of access to information impact the ways in which people assimilate this information, which are reflected in their relationships with the social environment and directly impact the ability to transform and carry out their care in health. In this dimension, the axes of work, social security and housing were developed. To analyze the programmatic dimension, conceptual three-dimensionality and the interconnection relationship between all dimensions were considered. The literature describes four components for a critical assessment of programmatic vulnerability in the health-disease-care process: availability, accessibility, quality and acceptability of services. FINAL CONSIDERATIONS: Throughout the interviews and the analysis process, it was identified that the guiding questions initially prepared would not be able to cover the complexity of the material collected. Through the theoretical methodological framework based on the dimensions of vulnerability, a complexity was identified during the elaboration of the analysis categories that goes beyond the focus focused only on suicidal behavior, drug use and the pandemic. The elaboration of the analysis through thematic axes according to the individual, social and programmatic dimensions of vulnerability, allowed to shed light on the multiplicity of suicidal behavior, diverting the focus from the symptomatology and directing it to the multiple factors of vulnerability, and from these to its psychosocial repercussions. Thus, suicidal behavior did not appear as a centralized position in the lives of the participants, but rather as one of the means to give vent to so many other issues that generate suffering and vulnerabilities. This non-centrality represents the complexity of vulnerability factors, which generate multiple psychosocial repercussions.